segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Tudo isso tenho eu guardado. (Mt 19,20)

Um jovem vem ao encontro de Jesus, um jovem que parece procurar algo mais na vida, pois quer saber o que de bom pode fazer para possuir a vida eterna.
A conversa com Jesus mostra-o já no bom caminho, pois, à apresentação dos mandamentos da lei por parte de Jesus, contesta que tudo isso tem guardado, que tem sido um fiel cumpridor da lei.
Ainda assim aspira a mais, sente que há qualquer coisa que lhe falta ainda, e perante tal desejo Jesus não pode deixar de lhe apresentar o seu projecto, a novidade do seu projecto, “vai vender o que tens, dá-o aos pobres e segue-me”.
A proposta de Jesus não teve no entanto acolhimento, apesar do desejo de mais, de algo de diferente por parte do jovem. Diz-nos o evangelista que o jovem se retirou porque era muito rico, tinha muitos bens.
Podemos interrogar-nos sobre a natureza da riqueza deste jovem, se era uma riqueza verdadeiramente material, ou pelo contrário uma riqueza resultante da sua auto-suficiência, da auto-suficiência do cumprimento da lei e dos mandamentos.
A proposta de Jesus, a oferta que ele faz ao jovem e a cada um de nós, é uma proposta que vai para além da lei, do cumprimento dos mandamentos. A proposta de Jesus é uma proposta de vida e por isso em outro momento e outra conversa Jesus dirá que não veio abolir a lei mas completá-la.
De facto não interessa a Jesus o fiel cumprimento dos mandamentos, a sua perfeita execução, quando lhes falta a vida, quando lhes falta o amor. Os mandamentos vividos dessa forma serão apenas uma fachada, um proforma, um exercício que conduz à tranquilidade da consciência e da auto-suficiência. Eu fiz, eu cumpri.
A proposta de Jesus exige um abandono da segurança, o abandono de uma contabilidade que leva à suficiência e à justificação. A proposta de Jesus exige a liberdade da vida, o amor pela causa ou pela obra, uma segurança que não nos é dada por nós mas pela graça de Deus, pela certeza da sua presença e do seu apoio face à nossa pobreza e humildade.
Procuremos pois libertar-nos do espirito de contabilidade e suficiência do cumprimento dos mandamentos, e viver na nossa pobreza e fragilidade, nas nossas limitações humanas, a radicalidade da liberdade e do amor que Jesus nos oferece como caminho para a vida perfeita.
Ilustração: “Baptismo de Vajk, Estevão I da Hungria”, de Gyula Benczur, Galeria Nacional da Hungria.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Leio o texto da Meditação e fico a reflectir no que nos transmite, procurando saborear nas palavras e nas entrelinhas a espiritualidade profunda, o realismo, talvez o desafio, mas também a beleza das mesmas.
    Como nos afirma ...” não interessa a Jesus o fiel cumprimento dos mandamentos, a sua perfeita execução, quando lhes falta a vida, quando lhes falta o amor. (…)
    (...) A proposta de Jesus exige a liberdade da vida, o amor pela causa ou pela obra, uma segurança que não nos é dada por nós mas pela graça de Deus, pela certeza da sua presença e do seu apoio face à nossa pobreza e humildade.” …
    Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, pelo convite que nos faz …” a libertar-nos do espirito de contabilidade e suficiência do cumprimento dos mandamentos, e viver na nossa pobreza e fragilidade, nas nossas limitações humanas, a radicalidade da liberdade e do amor que Jesus nos oferece como caminho para a vida perfeita”.
    Que São Bernardo nos ilumine e o seu exemplo de vida nos guie no nosso peregrinar.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe de novo o texto de uma oração, porque é intemporal, faz parte dos nossos diálogos com Deus, porque as balbuciamos com fé e confiança.

    O TEU AMOR
    QUE NOS ACEITA
    POR INTEIRO


    Rezo nesta manhã o Teu amor, ó Deus. O Teu amor que nos aceita por inteiro, que abraça
    o que somos e o que não somos; o que nós fomos e o que nos tornámos. O Teu amor que
    ama as nossas possibilidades infinitas e indefinidas; os nossos desabrochares esperançosos
    e as nossas quedas frustantes; as nossas liberdades insensatas e a nossa timidez hesitante.
    O Teu amor ensina-nos a confiança e continuamente relança a nossa história.

    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)

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