Após
a retirada do jovem rico, que apesar do desejo de uma maior radicalidade de
vida, não é capaz de acolher a proposta de Jesus por ter demasiados bens,
proporciona-se a oportunidade de Jesus anunciar aos seus discípulos a dificuldade
que a riqueza acarreta face ao desejo de entrar no Reino dos Céus, e a
impossibilidade humana de salvação sem a intervenção de Deus.
Pedro
toma então a palavra e, diante do quadro traçado por Jesus, pergunta pela
recompensa que espera juntamente com os outros, eles que deixaram tudo o que
tinham para seguir Jesus. Pedro manifesta assim a sua preocupação face às
palavras de Jesus, à interpelação que tinha formulado face à riqueza do jovem
que o tinha procurado, bem como as mais íntimas aspirações de poder e riqueza
que todo o grupo acalentava ao seguir Jesus. No fundo todos aspiravam a um
lugar no governo e a uma melhor posição na vida.
Conhecedor
destas aspirações e desejos, e de como elas são profundamente humanas e marcam
quase toda a actividade do homem sobre a terra, Jesus não condena nem recrimina
Pedro, bem pelo contrário vai ao seu encontro numa resposta de satisfação e
também de radicalidade, de ultrapassagem dessas aspirações.
Assim,
às aspirações de Pedro e do grupo diz-lhes que eles se sentarão em doze tronos
para julgar as tribos de Israel, no mundo renovado terão um lugar de governo e
de prestígio. Contudo, tudo isso será irrelevante face àqueles que tiverem abandonado
casa, pai, mãe, irmãos e propriedades por Jesus, e que serão recompensados cem
vezes mais pelo deixado para trás.
Jesus
coloca assim Pedro e o grupo dos discípulos face à radicalidade do seguimento,
face à necessidade de abandonarem as suas expectativas e aspirações, o seu
desejo de glória e poder, porque só na medida desse abandono terão direito
àquilo a que aspiram pelo seguimento do Mestre.
Só
aqueles que deixarem tudo, só aqueles que se abandonarem à liberalidade e ao
amor de Deus, que confiarem na protecção e cuidado vigilante de Deus, receberão
o que lhes faz falta e o que verdadeiramente satisfaz as aspirações mais
profundas.
Tal
como Pedro e os discípulos também nós somos convidados por Jesus a caminhar
neste sentido da purificação e libertação das nossas aspirações e desejos mais
humanos, de modo a que a riqueza, a glória ou o poder que possamos possuir ou
alcançar, não nos impeça de ver o valor inestimável da recompensa mais
gratificante que nos é oferecida, o próprio amor vivificante de Deus.
Esta
riqueza nem traça nem ferrugem alguma corromperá, não se esgotará em momento
algum, mas bem pelo contrário, pelo seu poder inerente multiplicar-se-á infinitamente.
Procuremo-la pois de coração sincero e humilde.
Ilustração:
“Adoração dos Magos, de Georges Lallemant, Museu do Hermitage.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarReflicto nas palavras de Jesus, na sua radicalidade e no texto da Meditação que teceu. Penso na formação e na distribuição da riqueza à escala mundial, nacional, empresarial ou individual, sem abordar a questão do “poder” nos mais diversos escalões da sociedade. E o problema, parece-me, centra-se na origem como a mesma foi gerada, na auto-suficiência de que nos julgamos dotados e na distribuição injusta da mesma. Sabendo que o despojamento material não é fácil, faz parte de um processo de conversão que para muitos de nós é de longo alcance e cheio de obstáculos, só a sua integração na nossa forma de ser e de estar na vida, pode conduzir-nos à participação da construção do Reino de Deus e à plenitude da vida divina.
Como nos recorda ...” Tal como Pedro e os discípulos também nós somos convidados por Jesus a caminhar neste sentido da purificação e libertação das nossas aspirações e desejos mais humanos, de modo a que a riqueza, a glória ou o poder que possamos possuir ou alcançar, não nos impeça de ver o valor inestimável da recompensa mais gratificante que nos é oferecida, o próprio amor vivificante de Deus.”…
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Meditação, profunda, que nos desinstala, por incentivar-nos “a procurar de coração sincero e humilde, a oferta do amor vivificante de Deus”, “riqueza que nem traça nem ferrugem alguma corromperá, não se esgotará em momento algum, mas bem pelo contrário, pelo seu poder inerente multiplicar-se-á infinitamente.”
Que o Senhor o ilumine, o abençõe e proteja.
Continuação de boa semana. Bom descanso.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe um poema de Frei José Augusto Mourão, OP
a caminho do teu Nome
Deus, tu conheces as maquinações/que os demónios do mutismo/e da surdez/em nosso corpo
tramam/que a tua Palavra nos faça passar/do barulho insidioso dos sentidos/à lancinância do
grito/e à confissão da fé//
toma-nos pela mão, Deus,/e que a nossa vida se ponha de pé/a caminho do teu Nome,/
Deus do nosso consentimento/e do nosso louvor/que em Jesus Cristo e no Espírito nos
convocas/neste fim de tarde//
(In, “O nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)