Trata-se de um debate sobre o direito de repudiar uma mulher, um
debate promovido pelos fariseus que, mais que encontrar a verdade, estão
interessados em apanhar Jesus numa armadilha.
Jesus responde à provocação confrontando os fariseus com o fundamento
da Lei, com os princípios ancestrais e anteriores à mesma Lei, os princípios da
obra da criação patentes no livro do Génesis. “O homem e a mulher deixarão pai
e mãe para se unirem e formarem uma só carne”.
Mas como face à justificação apresentada os fariseus contrapuseram a
autoridade do instituidor da Lei, Moisés, Jesus viu-se obrigado a confrontá-los
com a verdade que interiormente se recusavam a enfrentar e aceitar, e de que o
debate era mais uma manifestação. “Foi a dureza de coração que levou à
instituição da Lei”.
Esta resposta e constatação de Jesus contínua actual e suficientemente
abrangente para ficarmos indiferentes perante ela, porque se tinha sido a
dureza de coração que tinha levado Moisés a instituir uma lei de repúdio, hoje
continuamos a escudar-nos no cumprimento de leis e normas para escondermos a
dureza do nosso coração, para não nos arriscarmos no desafio da liberdade e da
responsabilidade do amor.
Podemos e devemos perguntar-nos sobre muitas coisas que fazemos por
mero cumprimento da lei, da obediência a princípios que estabelecemos para não
arriscarmos num desconhecido, por medo do desconhecido que se apresenta para lá
das normas e preceitos, porque o nosso coração se endureceu e não é já capaz de
viver na paixão e na radicalidade do desafio.
Peçamos portanto a Deus o cumprimento da promessa feita através do
profeta Ezequiel, que nos liberte do coração de pedra e nos conceda um coração
de carne, um coração capaz de amar e arriscar na radicalidade da novidade do
outro e do projecto de Deus.
Ilustração: “Rapariga lendo uma carta”, de Johannes Vermeer, Gemäldegalerie Alte Meister, Dresden.
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