sexta-feira, 5 de julho de 2013

Culto de São Pedro Gonçalves em Lisboa

Conta-nos Diogo do Couto, na sua Vida de D. Paulo de Lima Pereira, um acontecimento bastante interessante, e certamente pouco conhecido, que nos revela o culto prestado ao Beato Pedro Gonçalves, mais conhecido por São Telmo, na cidade de Lisboa do século dezasseis.
No ano de 1556, estando tudo organizado para a armada partir para a India, a nau Santa Maria da Barca, na qual iria o capitão-mor da armada Dom Luís Fernandes de Vasconcelos, filho do Arcebispo de Lisboa Dom Fernando de Menezes, começou a meter água.
O rombo era tão grande que rapidamente a nau alcançou catorze palmos de água, razão para se despejar e revolver todo o interior de modo a encontrar a origem de tamanha desgraça. Por causa deste acidente, e ainda que sendo a nau capitã da armada, ficou junto ao cais enquanto todas as outras partiam rumo à India.
Nas gentes da ribeira, pescadores e navegadores, rapidamente começaram a circular os boatos e os burburinhos aumentavam, pois por mais voltas que dessem à nau não havia meio de encontrar o ponto de infiltração da água que impedia a nau de partir.   
Nasceu assim a ideia que tal acontecia por castigo de Deus, para castigar o capitão-mor que era filho do Arcebispo, o qual tinha proibido nesse mesmo ano as tradicionais e ancestrais festas que se faziam em honra de São Pedro Gonçalves, São Telmo.
O Arcebispo de Lisboa Dom Fernando de Menezes proibira aquilo que considerava como uma superstição. Na véspera da festa costumavam os pescadores vestirem-se de gala, com as melhores roupas, os cordões de ouro, e ao som de música e bailes, carregados de fogaças, levavam a imagem do Santo até às hortas de Xabregas, onde passavam a tarde em grandes folguedos, recolhendo-se ao final da tarde à igreja coroados de coentros verdes e cingidos de grinaldas de flores.
Segundo os populares a proibição das festas a São Pedro Gonçalves estava na origem da desgraça da nau, a qual só teria fim quando as antigas cerimónias fossem permitidas. Foi o filho e os companheiros de viagem que se dirigiram ao Arcebispo para que terminasse com tal ofensa ao Santo tão querido aos navegantes e marinheiros.
Diante da devoção, e certamente da vergonha de ver que apenas a nau do seu filho não partia para a India, Dom Fernando de Menezes revogou a proibição das festas populares a São Pedro Gonçalves. Imediatamente um marinheiro encontrou o furo que um prego na quilha não calafetado tinha provocado.
Graças a este acidente e milagre não só a nau não se perdeu, pois em alto mar nenhum remédio teria, como a devoção e as festas em honra de São Pedro Gonçalves saíram reforçadas e reconhecidas pelo prelado maior da Igreja de Lisboa.[1]   
 
Ilustração: São Pedro Telmo na igreja de São Caetano em Santiago de Compostela.


[1] Diogo do Couto, Vida de D. Paulo de Lima Pereira, Lisboa, Escriptorio, 1903, páginas 16-20.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Li com muito interesse o texto que nos conta a história ao Culto a São Pedro Gonçalves,São Telmo,gostei muito de conhecer.Obrigada,Frei José Carlos,pela bela partilha .Que o Senhor o ilumine o abençoe e o proteja.Desejo-lhe uma boa noite e um bom descanso.Bem-haja,Frei José Carlos.Um abraço fraterno.
    AD

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  2. Frei José Carlos,

    Li com muito interesse o acontecimento que nos relata sobre o culto prestado ao Beato Pedro Gonçalves em Lisboa. E esta passagem leva-me a reflectir sobre a incompreensão que os decisores a determinado nível revelam sobre o papel importante das festas populares sejam religiosas ou não na vida das comunidades. Pela leitura da História é a conclusão a que podemos chegar e que continua a manifestar-se na actualidade …
    Como compreender o responso a Santo António para encontrar objectos perdidos, Frei José Carlos?
    Grata, Frei José Carlos, por partilhar connosco o culto a este Santo dominicano, ilustrado com uma bela imagem. Bem-haja.
    Que o Senhor o abençoe e o guarde.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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