Terminada a leitura
dos textos que a Liturgia da Palavra nos propõe para este domingo, podemos
dizer que no seu conjunto formam um entrançado, um corpo compacto, que nos toca
directamente e que nos coloca em causa na missão a que somos chamados e
enviados por Jesus.
Antes de qualquer
outro elemento inerente a estes textos vemos que no Evangelho de Lucas são
enviados por Jesus setenta e dois discípulos, ou seja, à luz da simbólica deste
número todo o conjunto daqueles que o seguiam.
Tendo presente que este
número, a partir do Livro do Génesis, engloba todos os povos conhecidos à data,
percebemos que a missão é universal, não só naqueles a quem se dirige mas
também naqueles que são enviados. Todos estamos convocados a anunciar que o
Reino de Deus está próximo.
Este anúncio requer no
entanto algumas condições, alguns pressupostos, para que possa ser verdadeiro e
eficaz, para que verdadeiramente aconteça. Jesus enumera essas condições quando
diz aos discípulos que não levem bolsa nem alforge, nem sandálias, que não se
detenham a saudar alguém pelo caminho. Há uma urgência enorme no anúncio do
Reino de Deus.
Estas condições
externas, esta logística humilde e pobre, não são contudo suficientes, ainda
que sejam necessárias. De facto, Jesus anuncia aos seus enviados que antes de
mais é necessário um espirito de entrega, uma disposição interior para se
apresentar diante dos outros que actuarão como lobos.
Não será pela força
que se chegará à conversão ao Reino de Deus, à sua constituição entre os homens,
mas pela humildade do testemunho e a confiança naquele que enviou. Não serão
lobos ferozes que transformarão radicalmente os outros lobos, mas os cordeiros
que os interpelarem pela sua pobreza e entrega, pela humildade do seu
testemunho.
Tal como diz São Paulo
aos Gálatas, nada importa senão a cruz de Jesus e saber-se crucificado com Ele
para o mundo. É o desprendimento da própria vida que pode levar à conversão do
outro, à entrega do outro, a essa constituição de uma nova criatura de que fala
também São Paulo e que com outras criaturas renovadas construirá o Reino de
Deus.
Mas para além das
condições internas e externas para o anúncio do reino, Jesus apresenta também a
metodologia para a sua realização, essa oferta da paz que inevitavelmente
congregará todos aqueles que estiverem abertos a ela.
E neste sentido, não
podemos deixar de ter presente a promessa que Deus faz através de Isaías, do
rio de paz que correrá para aqueles que arriscarem, que se aventurarem no
anúncio e na construção do Reino face a situações contrárias e difíceis.
Ainda que no texto
profético de Isaías a realidade pareça risonha, a verdade é que historicamente
aqueles a quem Deus promete a paz são um conjunto de exilados que regressam à
sua terra e não são bem acolhidos, mas pelo contrário são até escorraçados e
vistos como usurpadores.
A alegria e a paz são
assim os frutos dessa força, dessa coragem de continuar, apesar dos
contratempos e das contrariedades, apesar dos lobos que se apresentam para
devorar.
Se no final podemos
regressar contentes, podemos cantar vitória como os discípulos quando voltaram
para junto de Jesus, tal deve acontecer não porque alcançámos os objectivos,
porque fizemos o bem e até bem, mas porque os nossos nomes estão inscritos nos
céus, ou seja fomos dignos da missão que nos foi confiada, fomos verdadeiros
instrumentos da vontade e da acção de Deus.
E aqui coloca-se o
verdadeiro desafio, a pedra de toque que marca a diferença, porque podemos
anunciar o Reino de Deus, anunciar que ele está próximo, agindo sob interesses
ou aspirações, com uma certa vaidade e glória, ou agindo de forma livre e
humilde, muitas vezes limitada pela nossa miséria, mas ainda assim fiel à
vontade de Deus.
Como diz São Paulo aos
Gálatas, que nada nos importune, que nada nos preocupe, que nada nos condicione,
desde que nos saibamos e sintamos outros Cristos vivos, desde que não vivamos
já por nós nem para nós mas seja Cristo que vive em nós.
Ilustração: Ícone do
Ministério dos Apóstolos. Complexo ícone de múltiplas figuras presidido por
Cristo rodeado de cenas dos ministérios e martírios dos Apóstolos. Pintado por
Fyodor Zubov, Museu de Yaroslav, Rússia.
Deixar que Deus viva em nós é condição sine qua non
ResponderEliminarpara nada nos perturbar, nada nos faltar, à maneira de Santa Teresa para quem Deus bastava. Há que tentá-lo, confiando... E.C.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarNo texto da Homília do XIV Domingo do Tempo Comum que teceu fala-nos das condições internas e externas e da metodologia que Jesus traçou aos setenta e dois discípulos para o anúncio do Reino de Deus para que o mesmo possa ser verdadeiro e eficaz e para que aconteça.
Como nos salienta …” A alegria e a paz são assim os frutos dessa força, dessa coragem de continuar, apesar dos contratempos e das contrariedades, apesar dos lobos que se apresentam para devorar.
Se no final podemos regressar contentes, (…) fomos verdadeiros instrumentos da vontade e da acção de Deus.
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília, profunda, que nos ajuda a reflectir sobre o verdadeiro anúncio do Reino de Deus, por recordar-nos que o mesmo deve ser feito…” de forma livre e humilde, muitas vezes limitada pela nossa miséria, mas ainda assim fiel à vontade de Deus”. …
Façamos nossas as palavras com Frei José Carlos encerra esta importante Homília …” Como diz São Paulo aos Gálatas, que nada nos importune, que nada nos preocupe, que nada nos condicione, desde que nos saibamos e sintamos outros Cristos vivos, desde que não vivamos já por nós nem para nós mas seja Cristo que vive em nós.”
Que o Senhor o ilumine no verdadeiro anúncio do Reino de Deus, administrando com todos os condicionalismos, os dons que lhe concedeu.
Votos de uma boa semana. Bom descanso.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me que partilhe um link com uma canção/oração de fé, paciência, paz e esperança “ Nada te turbe ” com uma das interpretações do poema de Santa Teresa de Ávila.
https://www.youtube.com/watch?v=R-i3z7Mc_jw
Frei José Carlos,
ResponderEliminarLi com muito interesse a Homilia do XIV Domingo do Tempo Comum,tão profunda que nos ajuda à nossa reflexão.Como nos diz São Paulo aos Gálatas,que nada nos importune,que nada nos preocupe,que nada nos condicione,desde que nos sintamos outros Cristos vivos.O importante é que não vivamos já para nós mas que seja Cristo a viver em nós,mas na nossa vida do dia a dia,é tão difícil,nós preocupamo-nos com tanta coisa,e deixamos de fazer o mais importante que devíamos fazer.Obrigada,Frei José Carlos,pela bela e magnífica partilha que muito me ajudou à Meditação mais profunda e pela bela ilustração.Que o Senhor o guarde e o proteja.Votos de uma boa semana,com paz e alegria.Um bom dia.
Uma braço fraterno
AD