O episódio da
hospedagem de Jesus em casa de Marta e o diálogo travado entre os dois por
causa de Maria, irmã de Marta, é de todos nós bastante conhecido. Uma das
razões para este conhecimento comum prende-se com a aparente hierarquização que
Jesus faz da vida e da relação com ele, quando diz a Marta que Maria escolheu a
melhor parte ao ficar sentada a escutá-lo.
São palavras que
levaram em alguns momentos a uma valorização e preferência da vida mística, da
vida de oração contemplativa, em detrimento da vida activa, da vida ministerial
de apostolado, que como todas as opções radicais e desequilibradas não deixaram
de ter os seus resultados desastrosos.
Por outro lado é também
extremamente fácil perceber que a opção oposta, a da vida activa que facilmente
se deixa contagiar de activismo, não é uma solução melhor e as palavras de
Jesus são de certa forma bastante críticas em relação a esta realidade.
Mas para uma melhor
compreensão do acontecimento e das palavras de Jesus não podemos deixar de ter
presente que, anteriormente à hospedagem em casa de Marta, Jesus apresenta ao
fariseu a parábola do bom samaritano, a parábola da misericórdia e um exemplo
concreto do mandamento do amor ao próximo. A atitude e a circunstância de Marta
e da hospedagem de Jesus inserem-se assim nesta linha do amor ao próximo, num
paradigma da verdadeira hospedagem que é necessário praticar à luz do acolhimento
praticado pelo próprio patriarca Abraão.
Contudo, e ainda que
dando corpo ao mandamento do amor ao próximo, Marta não o está a viver em
plenitude, na sua verdade, e o sinal dessa incoerência transparece quando
diante de sua irmã se dirige a Jesus para se queixar e solicitar a sua
intervenção como mediador na ajuda necessária da irmã. Marta procura junto de
Jesus o juiz que em outra passagem do Evangelho ele próprio diz que não é.
Marta estava centrada
no acolhimento que era devido aos hóspedes, mas não tinha deixado de se centrar
nas suas necessidades, no seu amor-próprio, e sobretudo não tinha abdicado do
seu orgulho de modo a ser capaz de pedir directamente à irmã a ajuda que
necessitava para receber os convidados.
É a esta situação que
Jesus dá resposta quando diz a Marta que Maria tinha escolhido a melhor parte.
A melhor parte é de facto Jesus, é o escutar a sua palavra, mas é igualmente
dar sentido a tudo o que se faz por causa dele, é perceber que o outro que está
ao lado é uma interpelação, é uma imagem de Deus de que não se pode abdicar.
Podíamos dizer que
Jesus retoma o fio da conversa sobre os mandamentos com o fariseu e que depois
da explicitação do mandamento do amor ao próximo conduz esse mesmo mandamento à
sua causa e ao seu fim que é o amor a Deus.
Não estamos assim face
a opções que se opõem, a uma vida contemplativa que descarta uma vida activa, e
vice-versa, mas face a uma realidade que se conjuga em comum, que são de tal modo
interdependentes e complementares que uma sem a outra se torna inútil. Percebemos
assim que a vida contemplativa monástica tenha um horário diário no qual se
inclui o trabalho manual e que a vida activa sem o seu momento de oração e de encontro
com Deus se esvazie num voluntarismo estéril.
Esta complementaridade
e interdependência vão parecer expressas imediatamente a seguir na oração que
os discípulos pedem a Jesus, traduzidas nas diversas petições que compõem a
oração que é o Pai-Nosso e Jesus ensina aos discípulos.
Podemos assim dizer
que a questão do fariseu sobre o maior dos mandamentos levou à explicitação da semelhança
e complementaridade dos mandamentos do amor, e que a parábola do bom samaritano
e a resposta de Jesus a Marta se sintetizam na oração que depois Jesus ensina
aos discípulos.
O amor a Deus e o amor
aos irmãos são realidades práticas, realidades muito concretas, e realidades
que se iluminam mutuamente, pelo que escolher a melhor parte que é Jesus
implica inevitavelmente escolher o homem e a mulher nossos irmãos que o mesmo
Jesus veio salvar.
Ilustração: “Jesus em
casa de Marta e Maria”, de Alessandro Allori, no Kunsthistorisches
Museum.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarGrata,pela maravilhosa partilha do Evangelho de São Lucas,muito conhecido entre nós ,mas muito importante,para as nossas vidas e maravilhosamente ilustrado. Perdemos tempo em muitas coisas que achamos necessárias,mas Jesus chama-nos à atenção que uma coisa só é necessária:"Escutar as suas Palavras e Meditá-las.Obrigada,Frei José Carlos,pelas belas palavras partilhadas,que muito gostei.Desejo-lhe um boa semana com paz e alegria.Uma boa noite.Que o Senhor o ilumine o guarde e o proteja.Bem-haja.
Um abraço fraterno.
AD
Maria não é, para nós, o modelo que, escolhendo Jesus,tem presente aqueles que precisam da sua acção? Não será o testemunho do equilíbrio entre o escutar Deus -oração e dá-lo aos outros- acção? Ela, melhor que ninguém deve ter sabido fazer a hierarquia entre o trabalho e a reflexão. E.C
ResponderEliminarFrei José Carlos,
ResponderEliminarComo nos recorda no texto da Homília do XVI Domingo do Tempo Comum que teceu ...” O episódio da hospedagem de Jesus em casa de Marta e o diálogo travado entre os dois por causa de Maria, irmã de Marta, é de todos nós bastante conhecido” e tem sido objecto de interpretações diferentes, ou melhor algumas das interpretações complementam-se embora feitas por actores diferentes.
O importante é acolher Jesus e o nosso mais ou menos próximo. Saber escutar Jesus, escolhê-l’O como o mais importante da nossa vida. Aprender a repartir o tempo para que este seja um tempo de vida, de encontro, de afecto, que floresce.
Como nos salienta …” para uma melhor compreensão do acontecimento e das palavras de Jesus não podemos deixar de ter presente que, anteriormente à hospedagem em casa de Marta, Jesus apresenta ao fariseu a parábola do bom samaritano, a parábola da misericórdia e um exemplo concreto do mandamento do amor ao próximo.”
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília, profunda, pela forma interessante como enquadrou o tema do Evangelho, que nos ajuda a compreender a Palavra de Deus, maravilhosamente ilustrada. Por salientar-nos que …” O amor a Deus e o amor aos irmãos são realidades práticas, realidades muito concretas, e realidades que se iluminam mutuamente, pelo que escolher a melhor parte que é Jesus implica inevitavelmente escolher o homem e a mulher nossos irmãos que o mesmo Jesus veio salvar.“
Que o Senhor o ilumine, o guarde e o abençoe.
Bom descanso. Boa semana.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva