domingo, 28 de julho de 2013

Perspectivas de compra da Quinta do Ramalhão

Corria o ano da graça do Senhor de 1941 quando as Dominicanas de Santa Catarina de Sena compraram a Quinta do Ramalhão em Sintra. Aos 8 dias de Setembro desse ano chegavam as primeiras irmãs do futuro Convento e Colégio do Ramalhão.
Uma carta de 24 de Junho de 1941 da Irmã Maria Teresa Catarina d’Almeida Correia de Sá para o Padre frei Tomás Maria Videira dá-nos notícias das primeiras diligências para a compra dessa quinta e palácio. Pelo tempo que medeia uma e outra circunstância percebemos que o negócio foi verdadeiramente rápido.
Para além do preço pedido pela quinta, da disponibilidade financeira das irmãs para a comprarem, podemos encontrar também nesta carta algumas questões pessoais, familiares, e espirituais, que nos revelam o perfil de uma mulher verdadeiramente singular, nascida no seio da casa Lavradio e consagrada à missão da Ordem Dominicana.
 
Braga. 24 Junho [1941]
Lisboa. Rua Angra do Heroísmo. 2.
Meu Reverendíssimo Padre
Escrevo-lhe desta balbúrdia de Lisboa num intervalo de “ver casas” que é a nossa faina agora! Ontem fomos ver a Quinta do Ramalhão, perto de Sintra, e creio, será essa a que escolheremos. A casa é enorme e a mata e pinhal grandes, fechados, recolhidos. Não se vê ninguém e ninguém nos pode ver!
Dum lado da casa vê-se a serra de Sintra, do outro lado um grande descampado e o mar ao longe. Só lhe digo que rezei lá Vésperas num recolhimento como se estivesse numa igreja solitária.
Queria dizer a Vossa Reverência o que sinto mas não sei bem definir. Sentimentos variados e diversos entre os quais predomina uma grande gratidão para com Nosso Senhor de me ter tirado desta vida que agora me cerca por todos os lados. Vejo tanta futilidade! Tanta inutilidade em toda esta variadíssima gente que vem ver-me! Tenho estado várias vezes em Lisboa, mas nunca me aborreceu como agora. Acho que estou a envelhecer muito (o que detesto) para não gostar do quem dantes tanto gostava.
No meio disto gosto bem de ver o Pai e os manos e, graças a Deus achei o Pai muito muito melhor. Isto quanto ao físico, pois que o resto não sei, nem ouso indagar. Sei que leva uma vida ultra mundana e – mais nada! Mas está muito bem disposto e é sempre o mesmo “charmeur”. Da “outra pessoa” não sei, mas só oiço falar nos irmãos, pois um é médico assistente da minha irmã que está em tratamento e o outro é professor e grande amigo d’outra das minhas irmãs! Partidas que Jesus prega! Se fosse aqui há uns 2 meses era pior. Hoje quase não sinto nada. Digo quase porque quando oiço esse nome tenho sempre uma comoção.
Trouxe o S. João da Cruz – vamos a ver se entro com ele. Mas não estou muito para leituras. Também pouco tempo tenho para isso. Temos saído, e continuamos a sair, sempre. Hoje vamos perto de Torres Vedras. Amanhã talvez outra vez ao Ramalhão, depois a Madre Geral começará em falas com o dono, o que vai levar tempo, pois ele quer 800 contos e já se vê nós não podemos dar senão a metade dessa quantia pois a casa tem muitas obras a fazer, luz, água, concertos, etc… Peça para que isto se possa fazer, sim?
No meio disto tudo tenho apanhado tantas descomposturas da Madre Cecília! Acho que ela tem muito medo que eu me envaideça por andar com as Madres e então dá-me para baixo com toda a força. Eu não me rala muito, mas às vezes dói o que ela diz pois é muito seca na maneira de dizer as coisas. Mas suponho que é bom que seja assim…
Vou terminar pois acabou o tempo.
27 – Afinal não pude acabar, e só hoje o venho fazer. Estamos nos falatórios para a compra do Ramalhão, o que é sempre coisa demorada e aborrecida. Mas penso que chegaremos a um acordo, estou tão cansada de Lisboa, de ver gente, de ouvir notícias! E estou morta por voltar para o sossego de Braga. Mas não sei quando isso será… Sabe, gosto bem de S. João da Cruz. Não é nada o que eu pensava. Ontem tive um dia mais sossegado pois estava cheia de dores de cabeça e passei a tarde estendida sobretudo por causa das costas, então pude “entrar” um bocado cá dentro. Mas foi só durante as horas de maior calor, pois depois começaram logo a vir as visitas, etc… Hoje vem o médico ver-me, pois não estou muito bem. Nosso Senhor é capaz de me querer outra vez estendida um tempo sem fazer nada. Da outra vez custou-me horrivelmente. Desta (se for) talvez não me custe tanto, mas a ideia da inacção assusta-me sempre. Veremos o que Ele manda. E Vossa Reverência está melhor? E de casa o que há?
Peço se digne abençoar-me, e não me esqueça diante de Nosso Senhor, por caridade.
Muito humilde irmã em Nosso pai São Domingos
Irmã Maria Teresa, OP
Se me escrever, é melhor para Braga.   
 
Ilustração:
Alameda da Quinta do Ramalhão
Páginas da Carta da Irmã Maria Teresa Catarina nas quais figura o escudo da Ordem Dominicana.

 

2 comentários:

  1. Engraçado que 15 anos depois a Madre Teresa Catarina seja exactamente a mesma, uma Mulher na verdadeira acepção da palavra e uma religiosa toda dada à Obra que escolhera.Também às vezes dura mas compreensiva, carinhosa e de grande interioridade.

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  2. Frei José Carlos,

    Li com interesse o texto que partilha sobre a aquisição e a descrição da Quinta do Ramalhão e apreciei a bela ilustração. Como afirma a “carta da irmã Maria Teresa Catarina d’Almeida Correia de Sá para o Padre frei Tomás Maria Videira para além das diligências para a compra da Quinta expõe outras questões que revelam o perfil de uma mulher verdadeiramente singular”.
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha que nos dá a conhecer como se iniciou a história da quinta e palácio do Ramalhão.
    Que o Senhor abençoe e proteja as irmãs do Ramalhão e o Frei José Carlos.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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