Corria o ano da graça do Senhor de 1941 quando as Dominicanas de Santa
Catarina de Sena compraram a Quinta do Ramalhão em Sintra. Aos 8 dias de
Setembro desse ano chegavam as primeiras irmãs do futuro Convento e Colégio do
Ramalhão.
Uma carta de 24 de Junho de 1941 da Irmã Maria Teresa Catarina d’Almeida
Correia de Sá para o Padre frei Tomás Maria Videira dá-nos notícias das
primeiras diligências para a compra dessa quinta e palácio. Pelo tempo que
medeia uma e outra circunstância percebemos que o negócio foi verdadeiramente
rápido.
Para além do preço pedido pela quinta, da disponibilidade financeira das
irmãs para a comprarem, podemos encontrar também nesta carta algumas questões
pessoais, familiares, e espirituais, que nos revelam o perfil de uma mulher
verdadeiramente singular, nascida no seio da casa Lavradio e consagrada à
missão da Ordem Dominicana.
†
ᴅ
Lisboa. Rua Angra do Heroísmo. 2.
Meu Reverendíssimo Padre
Escrevo-lhe desta balbúrdia de Lisboa num intervalo de “ver casas” que
é a nossa faina agora! Ontem fomos ver a Quinta do Ramalhão, perto de Sintra, e
creio, será essa a que escolheremos. A casa é enorme e a mata e pinhal grandes,
fechados, recolhidos. Não se vê ninguém e ninguém nos pode ver!
Dum lado da casa vê-se a serra de Sintra, do outro lado um grande
descampado e o mar ao longe. Só lhe digo que rezei lá Vésperas num recolhimento
como se estivesse numa igreja solitária.
Queria dizer a Vossa Reverência o que sinto mas não sei bem definir. Sentimentos
variados e diversos entre os quais predomina uma grande gratidão para com Nosso
Senhor de me ter tirado desta vida que agora me cerca por todos os lados. Vejo
tanta futilidade! Tanta inutilidade em toda esta variadíssima gente que
vem ver-me! Tenho estado várias vezes em Lisboa, mas nunca me aborreceu como
agora. Acho que estou a envelhecer muito (o que detesto) para não
gostar do quem dantes tanto gostava.
No meio disto gosto bem de ver o Pai e os
manos e, graças a Deus achei o Pai muito muito melhor. Isto quanto ao físico,
pois que o resto não sei, nem ouso indagar. Sei que leva uma vida ultra mundana
e – mais nada! Mas está muito bem disposto e é sempre o mesmo “charmeur”. Da
“outra pessoa” não sei, mas só oiço falar nos irmãos, pois um é médico
assistente da minha irmã que está em tratamento e o outro é professor e grande
amigo d’outra das minhas irmãs! Partidas que Jesus prega! Se fosse aqui há uns
2 meses era pior. Hoje quase não sinto nada. Digo quase porque quando
oiço esse nome tenho sempre uma comoção.
Trouxe o S. João da Cruz – vamos a ver
se entro com ele. Mas não estou muito para leituras. Também pouco tempo
tenho para isso. Temos saído, e continuamos a sair, sempre. Hoje vamos perto de
Torres Vedras. Amanhã talvez outra vez ao Ramalhão, depois a Madre Geral
começará em falas com o dono, o que vai levar tempo, pois ele quer 800 contos e
já se vê nós não podemos dar senão a metade dessa quantia pois a casa tem
muitas obras a fazer, luz, água, concertos, etc… Peça para que isto se possa
fazer, sim?
No meio disto tudo tenho apanhado tantas descomposturas da Madre
Cecília! Acho que ela tem muito medo que eu me envaideça por andar com as
Madres e então dá-me para baixo com toda a força. Eu não me rala muito, mas às
vezes dói o que ela diz pois é muito seca na maneira de dizer as coisas.
Mas suponho que é bom que seja assim…
Vou terminar pois acabou o tempo.
27 – Afinal não pude acabar, e só hoje o venho fazer. Estamos nos falatórios
para a compra do Ramalhão, o que é sempre coisa demorada e aborrecida. Mas penso
que chegaremos a um acordo, estou tão cansada de Lisboa, de ver gente,
de ouvir notícias! E estou morta por voltar para o sossego de Braga. Mas não
sei quando isso será… Sabe, gosto bem de S. João da Cruz. Não é nada o que eu
pensava. Ontem tive um dia mais sossegado pois estava cheia de dores de cabeça
e passei a tarde estendida sobretudo por causa das costas, então pude “entrar”
um bocado cá dentro. Mas foi só durante as horas de maior calor, pois depois
começaram logo a vir as visitas, etc… Hoje vem o médico ver-me, pois não estou
muito bem. Nosso Senhor é capaz de me querer outra vez estendida um tempo sem
fazer nada. Da outra vez custou-me horrivelmente. Desta (se for) talvez não me
custe tanto, mas a ideia da inacção assusta-me sempre. Veremos o que Ele manda.
E Vossa Reverência está melhor? E de casa o que há?
Peço se digne abençoar-me, e não me esqueça diante de Nosso Senhor,
por caridade.
Muito humilde irmã em Nosso pai São Domingos
Irmã Maria Teresa, OP
Se me escrever, é melhor para Braga.
Ilustração:
Alameda da Quinta do Ramalhão
Páginas da Carta da Irmã Maria Teresa Catarina nas quais figura o escudo da Ordem Dominicana.
Engraçado que 15 anos depois a Madre Teresa Catarina seja exactamente a mesma, uma Mulher na verdadeira acepção da palavra e uma religiosa toda dada à Obra que escolhera.Também às vezes dura mas compreensiva, carinhosa e de grande interioridade.
ResponderEliminarFrei José Carlos,
ResponderEliminarLi com interesse o texto que partilha sobre a aquisição e a descrição da Quinta do Ramalhão e apreciei a bela ilustração. Como afirma a “carta da irmã Maria Teresa Catarina d’Almeida Correia de Sá para o Padre frei Tomás Maria Videira para além das diligências para a compra da Quinta expõe outras questões que revelam o perfil de uma mulher verdadeiramente singular”.
Grata, Frei José Carlos, pela partilha que nos dá a conhecer como se iniciou a história da quinta e palácio do Ramalhão.
Que o Senhor abençoe e proteja as irmãs do Ramalhão e o Frei José Carlos.
Bom descanso.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva