terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A conversão de São Paulo

Paulo parte de Jerusalém munido de cartas de recomendação e poderes para prender todos os convertidos à nova religião e trazê-los de volta a Jerusalém para serem julgados. A sua formação, a sua ascendência familiar, o seu zelo garantem-lhe a confiança das autoridades do Sinédrio e do Senado para o cumprimento de tal missão.
São João Crisóstomo no seu comentário à Carta de São Paulo aos Gálatas diz que não foi qualquer inveja ou ciúme que moveu Paulo, qualquer pensamento ou desejo maldoso, mas esse zelo que o devorava, esse desejo de fidelidade e verdade àquela que tinha sido sempre a sua fé, na qual tinha sido criado e que considerava como verdadeira e fonte de salvação.
Paulo partiu de Jerusalém confiante da sua missão, da sua fé e da verdade que procurava defender, mas já não chegou a Damasco com a mesma convicção. O encontro do Senhor no caminho alterou-lhe os planos, as ideias, a verdade que buscava.
O livro dos Actos dos Apóstolos por duas vezes faz menção do incidente ocorrido, uma vez na boca do próprio Paulo quando tem que se defender em Jerusalém e outra vez na narração da própria história da perseguição de Paulo. Já perto de Damasco, por volta do meio-dia, uma luz intensa rodeou Paulo e ele caiu por terra.
As diversas representações iconográficas têm por tradição representar uma queda de cavalo, ainda que o texto não nos relate esse pormenor. Contudo, ao fazê-lo, os artistas e a tradição quis evidenciar a dimensão estrondosa do incidente, a transformação radical operada com a caída por terra de que fala São Paulo.
Paulo caiu de muito alto, do alto da sua prepotência e prerrogativas, da vaidade da sua origem e dos seus atributos, do alto do seu poder entregue por outros, de que o cavalo é símbolo por excelência. Como diz o povo, quanto mais se sobe maior é a queda e as pinturas da conversão de Paulo evidenciam-nos isso mesmo.
Mas esta caída por terra é extremamente significativa porque é no chão, junto ao pó de onde procede toda a raça humana que Paulo ouve a voz que lhe pergunta “porque me persegues?”. É nessa condição de humanidade, despojado de todo o poder e toda a glória, reduzido quase ao mesmo pó, que Paulo é questionado sobre a sua missão.
Não podia ser de outra maneira, porque de facto é na nossa humanidade, na nossa proximidade dessa origem poeirenta que podemos escutar a voz de Deus de uma forma mais cristalina e original, como na criação, que nos pode questionar sobre o nosso fim e o nosso principio.
A pergunta pode ser porque me persegues, como foi para Paulo, mas pode ser também como e onde me procuras, porque te esquecestes de mim, ou lembra-te que és pó mas a tua vida não o é. No confronto com a nossa humanidade, no que ela tem de finitude e limitação, de provisório, Jesus chama-nos a dar uma resposta sobre o sentido da nossa missão, sobre os poderes e as glórias de que nos ufanamos de possuir.
E podemos ficar cegos, não ver para além do próprio pó e da queda, da prosternação em que nos encontramos, do sem sentido de tudo o que possuímos ou somos. Mas ainda que cegos não podemos ser surdos, como Paulo também não o foi, pois ouviu a voz do Senhor dizer-lhe levanta-te e vai a Damasco. Também a nós, nas nossas quedas cegantes e desesperantes, o Senhor nos diz “levanta-te e vai”, ordem dada a tantos que se cruzaram com ele nas suas indigências e doenças, nas paralisias dos catres e na exclusão da lepra.
“Levanta-te e vai” é a ordem misericordiosa do Senhor, a palavra criadora dos homens novos gerados pelo Verbo. Como podemos ainda ficar por terra?

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Obrigada pela partilha desta bela Meditação tão simbolicamente ilustrada, que nos ajuda na compreensão da conversão de São Paulo, e nos recorda como Deus, infinitamente misericordioso, nos pode questionar nas nossas circunstâncias ...”No confronto com a nossa humanidade, no que ela tem de finitude e limitação, de provisório, Jesus chama-nos a dar uma resposta sobre o sentido da nossa missão, sobre os poderes e as glórias de que nos ufanamos de possuir.
    E podemos ficar cegos, não ver para além do próprio pó e da queda, da prosternação em que nos encontramos, do sem sentido de tudo o que possuímos ou somos.”
    Frei José Carlos, se não somos capazes, em certos momentos da nossa vida de ir mais além, de sairmos da letargia em que caímos, quando ficamos sem força para recomeçar, porque somos seres humanos, e é normal que tenhamos e saibamos reconhecer as nossas fragilidades, as nossas dúvidas, que questionamos o nosso projecto de vida, não importa o que decidimos e/ou o que fazemos, devemos tirar destes períodos, as melhores lições, para voltarmos a renascer mais fortes a cada passo da nossa Caminhada, num processo de conversão permanente, vivida com humildade, e o importante é não estar surdo à voz do Senhor e como nos encoraja e fortalece ao dizer-nos …”Também a nós, nas nossas quedas cegantes e desesperantes, o Senhor nos diz “levanta-te e vai”. …
    Bem haja, Frei José Carlos.
    Um abraço fraterno
    Maria José Silva

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  2. Frei José Carlos

    Agradeço-lhe este belíssimo texto de São Paulo que partilhou connosco para meditação,é um modelo de aprofundamento da fé em Jesus Cristo.Abre-nos um novo horizonte de compreensão da fé.
    São Paulo foi o Apóstolo que mais influenciou a Igreja nascente.Era o Apóstolo dos gentios,alargou os horizontes do Povo de Deus,persebendo que as suas fronteiras são as da fé em Jesus Cristo.Na Jgreja,novo Povo de Deus,
    "Israel de Deus".
    Como nos diz o Frei José Carlos,a partir do encontrocom Cristo na Estrada de Damasco, fica completamente possuído por Ele,a sua vida começade novo e o seu sentido está agora na missão e na identificação com Cristo.
    É essa relação forte com Cristo vivo que o leva a evangelizar,com paixão,e com dedicação total da vida.
    Obrigada Frei José Carlos por partilhar mais uma vez este texto maravilhoso, que ajudou muito na minha meditação do dia. Gostei muito mesmo muito.
    Bem haja por tudo.
    Um abraço fraterno.
    AD

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