Celebramos a solenidade do Baptismo de Jesus, um mistério que nos transporta ao momento histórico do baptismo de Jesus mas também ao momento da criação e ao nosso próprio baptismo.
Os Evangelhos são unânimes em afirmar que Jesus se dirigiu ao rio Jordão para ser baptizado por João. É um acontecimento histórico cheio de significado porque ao solicitar o baptismo de João, que era um baptismo de penitência, Jesus participa da missão de João e confirma a sua dimensão profética, precursora dos novos tempos.
João sabe quem tem diante de si e por isso não é de estranhar que mostre relutância de baptizar Jesus, porque de facto ele tinha razão, era ele que necessitava receber o baptismo, o baptismo da graça do próprio Filho de Deus. Usando uma imagem de Santo Hipólito, era aquele pequeno riacho que necessitava ser alimentado pelo rio de águas vivas que alegra a cidade de Deus, era João que necessitava ser saciado pela fonte perene que alimenta a vida dos homens.
Mas Jesus necessitava daquele baptismo, não por ele, mas pela humanidade na qual tinha encarnado. Necessitava ali prefigurar toda a dimensão penitente da sua vida, a carga humana que tinha assumido carregar para a purificar, para a libertar de todas as impurezas. Quando Jesus humildemente e penitente entra nas águas é toda a humanidade que entra com Ele.
Por esta razão, este baptismo é também o primeiro anúncio da morte, a entrada num elemento que simboliza a morte e se relaciona com a morte para dele e antecipadamente dela se erguer vitorioso. Mergulhar nestas águas é possibilitar a fonte que um dia será escavada no lado aberto pela lança e do qual sairá a água que gera para a vida eterna, a água do Jordão transfigurada e transformada pela vida e pelo amor de Cristo.
Ao pedir o baptismo a João, e ao mergulhar naquelas águas barrentas e lodosas Jesus está também a cumprir uma outra missão que ultrapassa o conhecimento de João. Estamos perante uma nova criação, um novo recomeço da história dos homens e do mundo com Deus e por isso Aquele pelo qual tudo tinha sido criado mergulha na matéria para a recriar com a força do Espírito Santo que tal como nos momentos primordiais pairava sobre a águas como uma pomba. É a regeneração da matéria primordial através da carne daquele que tinha sido gerado na Virgem sem pecado, o incorruptível que toca o corruptível, o eterno no finito, o imortal no mortal.
E perante este novo mundo e novo homem Deus proclama que “este é o meu Filho muito amado”, um Filho que nunca tinha deixado de o ser na divindade mas que o é agora novamente na sua humanidade. Com esta proclamação o Pai recebe no Filho gerado desde toda a eternidade os filhos adoptivos agora gerados, a humanidade inteira sobre a qual desce o Espírito Santo.
Neste sentido, a descida do Espírito Santo sobre Jesus no baptismo não tem outro objectivo senão regenerar a humanidade, restituir a integridade original, habituar o Espírito a habitar no homem e a repousar entre os homens. Como nos diz São Cirilo de Alexandria, Jesus não recebeu o Espírito para si, mas para nós em si, para que o pudéssemos receber por Ele, porque só por Ele recebemos todos os bens de Deus.
A palavra de reconhecimento e confirmação da filiação divina, “este é o meu Filho muito amado” vai ser a força de Jesus para a sua missão, uma força que no momento da transfiguração vai ser reanimada para os desafios dolorosos que se perspectivam. Aí e de alguma forma também já aqui no baptismo se antecipa a Páscoa, a ressurreição e a glória. Ao subir das águas do Jordão Jesus sobe também das profundezas da morte como na noite de Páscoa e traz já consigo, prefigurados, todos os resgatados pela sua obediência e pelo amor do Pai que coloca Nele todas as suas complacências.
No momento do nosso baptismo não se ouviu nenhuma palavra vinda do céu a dizer que éramos filhos muito amados, mas ao sermos mergulhados na água criada pelo Pai, purificada por Cristo e santificada pelo Espírito Santo também em nós se processou uma nova criação, se gerou uma nova vida, se recriou a nossa imagem à semelhança de Deus.
Perante tal facto, tal mistério glorioso, também nós devemos viver como o Filho sobre o qual foram proferidas as palavras “este é o meu Filho muito amado”, porque essas palavras se dirigiam a todos nós assumidos e reunidos em Jesus Cristo, primícia da nova humanidade. Em Cristo fomos todos baptizados, mergulhados nas águas da morte para ressuscitar para a glória da vida eterna.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarA Homilia da Solenidade do Baptismo do Senhor que connosco partilha, ilustrada por uma bela pintura, ajuda-nos na interpretação dos diferentes significados do Baptismo de Jesus, por João Baptista, e a repensar o nosso próprio baptismo. Permita-me que cite algumas das belas frases ou expressões que utilizou e que mais me sensibilizam .
...” Mas Jesus necessitava daquele baptismo, não por ele, mas pela humanidade na qual tinha encarnado.”…
...” Quando Jesus humildemente e penitente entra nas águas é toda a humanidade que entra com Ele.”…
...” Por esta razão, este baptismo é também o primeiro anúncio da morte, a entrada num elemento que simboliza a morte e se relaciona com a morte para dele e antecipadamente dela se erguer vitorioso.”
…”Ao pedir o baptismo a João, e ao mergulhar naquelas águas barrentas e lodosas Jesus está também a cumprir uma outra missão que ultrapassa o conhecimento de João.”…
...” E perante este novo mundo e novo homem Deus proclama que “este é o meu Filho muito amado”, um Filho que nunca tinha deixado de o ser na divindade mas que o é agora novamente na sua humanidade.”…
…”Como nos diz São Cirilo de Alexandria, Jesus não recebeu o Espírito para si, mas para nós em si, para que o pudéssemos receber por Ele, porque só por Ele recebemos todos os bens de Deus.”…
…”A palavra de reconhecimento e confirmação da filiação divina, “este é o meu Filho muito amado” vai ser a força de Jesus para a sua missão”…
…(…)”Em Cristo fomos todos baptizados, mergulhados nas águas da morte para ressuscitar para a glória da vida eterna.”
É um texto profundo e belo que se completa com o texto que escreveu anteriormente “Jesus deve crescer e eu diminuir (Jo 3,30) e que nos leva a interrogar-nos sobre como vivemos o nosso baptismo, como Filhos de Deus, aonde não há lugar para o divórcio entre a fé que professamos como cristãos e o nosso quotidiano.
Que Jesus Cristo seja misericordioso connosco nas nossas faltas e infidelidades.
Obrigada pela partilha. Bem haja.
Desejo ao Frei José Carlos uma boa semana.
Um abraço fraterno
Maria José Silva
Frei José Carlos,
ResponderEliminarAo apreciar a sua homilia, colhendo nela a compreensão de mais um passo da vida e da missão de Jesus, a Ele que conhece as nossas necessidades,peço que nos ilumine para uma transformação no mais íntimo do nosso coração.
GVA