sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A vontade de Jesus é transgressão

O mistério da Encarnação do Filho de Deus, e consequentemente a vida de Jesus em muitos dos seus acontecimentos, é uma transgressão, uma inversão das nossas concepções e leis, dos nossos programas e expectativas.
O acontecimento que o Evangelho de São Lucas hoje nos relata é um exemplo completo desta transgressão, que não atinge apenas Jesus mas também o leproso que a ele recorre para ser curado.
De acordo com a lei do Levítico todos os leprosos estavam excluídos da cidade, do convívio com a comunidade, eram obrigados a viver nos descampados e a anunciar em altos brados a sua passagem de modo a não contaminarem ninguém. Ora, este leproso que recorre a Jesus não só entra na cidade, no espaço vedado, como ousa ajoelhar-se aos pés de Jesus, manifestando num gesto devido apenas a Deus, ao sagrado, a fé que ali o trazia. “Se tu quiseres podes curar-me!”
Perante tal gesto e ousadia do leproso Jesus envereda pelo mesmo caminho, pela mesma partilha da transgressão, tocando o leproso e incorrendo dessa forma na impureza que afectava o leproso. Jesus partilha a sorte daquele que sofre, e fá-lo para o curar, mas também para comungar da sua salvação, desse querer que assume. “Eu quero, fica curado!”.
Esta expressão da vontade de Jesus, do seu querer, é uma manifestação da vontade de Deus que preside a todo o projecto e mistério da Encarnação do Filho. É por sua vontade que Deus vem até aos homens, é por sua vontade que se faz homem, é por sua vontade que assume partilhar a nossa condição pecadora para a resgatar dessa mesma condição, da finitude a que estava condenada. É por sua vontade e pelo seu amor que nos dá uma nova vida, já não apenas uma vida biológica, finita, mas uma vida divina e para a eternidade.
Tudo isto, no entanto, é uma transgressão, uma desconstrução do que são os modelos dos homens, das suas concepções do próprio divino e de Deus. Deus é muito mais do que podemos saber dele, do que podemos imaginar, do que podemos racionar sobre ele. Contudo, e como nos diz São João na sua Primeira Carta temos um testemunho que nos revela a extravagância e o inusitado de Deus, o que nos é possível conhecer na medida em que acreditamos nesse testemunho e na vida que nos oferece, Jesus Cristo.
Ele é a testemunha, a revelação, a visão possível, o conhecimento que é vida e nos dá a vida, e portanto só nos resta a audácia do leproso e do pedido, “se tu quiseres”, porque Ele quer!

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Leio e volto a ler cada palavra do texto que elaborou e que connosco partilha e pergunto-me se para além do convite que transmite, o mesmo não encerra um desafio, uma “transgressão” à semelhança do que Jesus fez, contida nas frases com que termina “se tu quiseres”, porque Ele quer!
    E lembra-nos que Jesus Cristo ...” é a testemunha, a revelação, a visão possível, o conhecimento que é vida e nos dá a vida”…
    Nos nossos limites, nas nossas “concepções” …”Deus é muito mais do que podemos saber dele, do que podemos imaginar...” mas Frei José Carlos recorda-nos que temos um testemunho , (…) “o que nos é possível conhecer na medida em que acreditamos nesse testemunho e na vida que nos oferece, Jesus Cristo.”
    É um belo texto, profundo, uma maravilhosa Meditação e um importante testemunho de fé que reforça a nossa própria fé. Bem haja Frei José Carlos.
    Um abraço fraterno
    Maria José Silva

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