domingo, 23 de janeiro de 2011

Homilia do III Domingo do Tempo Comum

O Evangelho de São Mateus conta-nos que depois da prisão de João Baptista Jesus se retirou para a terra de Zabulão e Neftali, ou seja para a terra da Galileia, e foi viver para Cafarnaum.
Não nos pode parecer estranha esta mudança de Jesus, pois sabendo-se também um profeta e em oposição às autoridades instituídas não era descabido que viessem à sua procura, como virão mais tarde. E como podemos ver pelo Evangelho de São João ainda não tinha chegado a sua hora, ainda não tinha chegado a hora de Jesus se entregar às mãos daqueles que disporiam dele para o cumprimento do mistério salvador.
A escolha da Galileia e de Cafarnaum pode ser vista como o cumprimento da profecia de Isaías, o próprio evangelista faz essa leitura, mas pode também ser vista como uma opção deliberada de Jesus, uma escolha em função da liberdade e dos encontros que ali poderia viver.
Não podemos esquecer que Cafarnaum era uma cidade de encontro de culturas, uma cidade onde se cruzavam as estradas que ligavam as várias regiões do médio oriente, onde habitavam gregos e romanos, onde a possibilidade e diversidade de cultos existia. De alguma forma Cafarnaum era uma cidade de fronteira, onde as possibilidades de negócios floresciam mas onde também se difundiam as mais diversas filosofias e ideias. Neste sentido, quando pensamos na rápida difusão do cristianismo temos que ter presente esta cidade, as raízes que a presença de Jesus foi criando e possibilitaram mais tarde a pregação dos apóstolos.
A escolha de Cafarnaum com tudo o que ela representa de iluminação para os povos que viviam nas trevas, traz-nos ao nosso quotidiano e desejo de ser testemunhas e apóstolos de Jesus o desafio de sabermos quais são as nossas fronteiras actuais, onde se colocam realmente as realidades que necessitam a palavra salvadora de Jesus, esse testemunho fiel a Jesus de que fala São Paulo na Carta aos Coríntios.
E aqui, nesta realidade, e perante os desafios que se nos colocam, quaisquer que eles sejam, não podemos passar ao lado do chamamento dos primeiros discípulos, Pedro, André, Tiago e João. Temos que ter presente que Jesus os convida para ser pescadores de homens, uma tarefa ou proposta por demais estranha, inusitada, incompreensível.
E por essa razão, porque de facto não perceberam para o que o Senhor os chamava, vamos encontrar ao longo dos Evangelhos e da sua caminhada com Jesus verdadeiros acidentes de desencontro, de incompreensão.
É Pedro que chama Jesus à parte para o repreender por causa da proposta de ir para Jerusalém, é a mãe de Tiago e João que pede um lugar de governo para cada um dos filhos, é a incompreensão mesmo após os milagres da multiplicação dos pães, quando temem Jesus que caminha sobre as águas, é o abandono geral e a negação de Pedro quando Jesus já está nas mãos dos seus carrascos.
E mesmo depois da ressurreição, ainda há a necessidade de Jesus os interrogar sobre a sua fé, sobre a sua compreensão de tudo o que estavam a viver, que de facto só chegam a atingir depois da efusão do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Caminhando com Jesus, partilhando da sua intimidade e da sua palavra eles não compreenderam nada ou quase nada.
Ainda assim, e apesar das traições e das fugas, o que sobressai desta caminhada, desta resposta ao convite de Jesus a ser pescadores de homens é a fidelidade, a permanência, apesar das dificuldades e do desconhecimento. É essa fidelidade que os vai salvar e possibilitar a experiência da ressurreição e da efusão do Espírito Santo. Porque se mantiveram fiéis, buscando no desconhecido a verdade proposta, alcançaram o prémio que lhes estava destinado.
Ora, é perante as fronteiras desafiantes do nosso tempo que a fidelidade dos discípulos nos ilumina, porque também a nós Jesus nos faz o mesmo convite e apelo desconcertante. Também hoje Jesus quer que sejamos pescadores de homens, e no desconcerto da proposta, no desconhecido, espera apenas a nossa adesão confiante e fiel. A nossa compreensão pode ficar para mais tarde, agora importa a adesão e o caminhar com ele.
Portanto, quando no nosso dia a dia nos confrontamos com as realidades e as pessoas que necessitam de uma palavra salvadora, uma palavra de vida e de esperança, um sinal profético de que outro mundo é possível se colocarmos um pouco de nós, e nos acabrunhamos por incertezas e dúvidas, nos calamos por medo de errar ou baralhar os planos de Deus, devemos mudar a nossa atitude e dar esse voto de confiança a Deus assumindo que ele sabe o que faz, sabe o que nos solicita, ainda que nós não o saibamos e nos possa parecer descabido e estapafúrdio à nossa lógica humana.
É a fidelidade de permanecer mesmo quando tudo nos parece tão estranho ou perdido, é a confiança de que ele está do nosso lado e percorre connosco os caminhos da vida para levarmos a sua palavra de amor, sem sábias estratégias ou grandes elucubrações, apenas fiados na cruz e na sua louca sabedoria, como nos diz São Paulo.
Que o Senhor nos conceda a graça se nos sabermos entregar livremente à sua vontade desconhecida, mas desvelada cada dia em cada entrega feita por amor e com amor.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    A Homilia que preparou para o III Domingo do Tempo Comum, é profunda, bela e dá-nos coragem para continuar perseverantes quando algo colapsa, fraqueja, quando pensamos que Jesus não está connosco ou não entendemos o que nos é pedido.
    Obrigada por nos recordar a importância da confiança e da fidelidade a Jesus na nossa Caminhada e que a resposta ao convite de Jesus está ao nosso alcance.
    ...” Ainda assim, e apesar das traições e das fugas, o que sobressai desta caminhada, desta resposta ao convite de Jesus a ser pescadores de homens é a fidelidade, a permanência, apesar das dificuldades e do desconhecimento.”
    … “Também hoje Jesus (…) espera apenas a nossa adesão confiante e fiel. A nossa compreensão pode ficar para mais tarde, agora importa a adesão e o caminhar com ele.”
    Oremos com o Frei José Carlos a oração tão maravilhosa que nos deixa …”Que o Senhor nos conceda a graça de nos sabermos entregar livremente à sua vontade desconhecida, mas desvelada cada dia em cada entrega feita por amor e com amor.”
    Obrigada pela partilha. Bem haja.
    Desejo ao Frei José Carlos uma boa semana.
    Um abraço fraterno
    Maria José Silva

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