A história mais que uma ciência é uma arte, um processo de construção e descoberta, e assim o que num determinado momento é legível de uma forma, construído em determinados termos, noutro momento tem já uma leitura diferente e por vezes até oposta nos termos em que se compõe. É o que se passa com frei André Dias, fundador da Confraria do Santo Nome de Jesus no convento de São Domingos de Lisboa em 1432.
Frei Luís de Sousa na sua “História de São Domingos”, no capítulo XXIII da Primeira Parte, em que narra a fundação da confraria, diz que frei André Dias era dominicano, “frade nosso”.
Frei Manuel de Lima no “Agiológio Dominico”, Tomo Primeiro, publicado em Lisboa em 1709 repete a mesma afirmação, ainda que não directamente, mas dizendo que depois da renúncia ao bispado de Megara se “tinha retirado ao seu convento de Lisboa onde se achava nesta ocasião”.
Frei Pedro Monteiro, no “Claustro Dominicano”, Lanço Primeiro, publicado em Lisboa em 1729, não dizendo claramente que D. frei André Dias era dominicano ao incluir o seu nome no catálogo daqueles que tinham servido como Arcebispos e Bispos no reino e fora dele, assume a sua filiação e pertença à Ordem dos Pregadores, a cujo convento da Corte D. frei André Dias se tinha retirado depois de ter governado a sua diocese durante alguns anos.
Diogo Barbosa Machado, fazendo fé nestes autores e outros não dominicanos, na “Biblioteca Lusitana”, Tomo I, publicada em Lisboa, na Oficina de António Isidoro da Fonseca em 1741, continua a mesma afirmação e assim diz-nos que “frei André Dias era natural de Lisboa onde se agregou à Ordem dos Pregadores para ser ornato de uma tão douta família”. Em relação aos autores dominicanos citados apenas acrescenta os títulos das obras da autoria de frei André Dias, “Livro de orações em prosa e em verso vulgar de louvores e excelências do Nome de Jesus” e “Método breve e útil para fazer bem a confissão”.
Em nota ao “Método breve e útil para fazer confissão”, Diogo Barbosa Machado diz que na edição desta obra de 1529 o impressor apresenta o autor como beneditino, o que é um erro, pois a obra aparece inserta entre as que compôs frei Luís de Granada, outro dominicano.
Apesar da chamada de atenção de Diogo Barbosa Machado, tanto Inocêncio Francisco da Silva, no seu “Dicionário Bibliográfico Português”, como o autor da entrada sobre frei André Dias na “Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira” continuam a apresentá-lo como frade dominicano. Os dados apresentados são os mesmos, naturalidade de Lisboa, passagem por Roma, bispo de e em Megara, comendatário do Mosteiro de São João de Alpendorada, fundador da Confraria do Nome de Jesus no convento de São Domingos de Lisboa em 1432.
O artigo do Professor José Mattoso para a “Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira de Cultura”, Edição Século XXI, assume a nota de Diogo Barbosa Machado e assim deixamos no século XXI de ter um frei André Dias dominicano e passamos a ter um monge beneditino, que por qualquer razão se encontra em Lisboa em 1432, prega em favor do Santo Nome de Jesus e promove a fundação da Confraria do mesmo título.
Segundo o Professor José Mattoso frei André Dias era monge beneditino, nascido em Lisboa em 1348 e falecido em Alpendorada em 1450. Também é conhecido por André de Escobar, André Hispano, André de Rendufe e André de Lisboa. Professou antes dos 18 anos e foi estudar para Viena onde recebeu o título de Mestre em Teologia.
Ensinou em Roma teologia e aí começou em 1397 a desempenhar cargos na cúria. Bispo civitatense em 1408, penitenciário menor do Papa, Abade do mosteiro beneditino de Rendufe, Bispo de Ajácio em 1422, Bispo titular de Mégara e Abade comendatário de Alpendorada em 1428.
Desenvolveu uma grande actividade em defesa da reforma da Igreja, desde o seu primeiro livro “Colles reflexi” de 1408. Interveio activamente no Concilio de Constança entre 1414 e 1418, no Sínodo reformador da diocese de Braga promovido por D. Fernando Guerra em 1430, nas reformas dos mosteiros beneditinos portugueses pelo ano de 1426 e no Concilio de Florença de 1439.
O seu temperamento inquieto e contraditório fez com que muita da sua acção e propostas reformadoras tivessem pouco sucesso. Uma atitude ostensiva contra a Igreja Grega no Concilio de Florença, em que se tentava a união com a Igreja Oriental, levou-o ao exílio em Alpendorada, de cuja comenda foi também privado em 1441 devido ao facto de ter transgredido a sentença que lhe tinha sido dada de viver isolado.
Apesar desta vida atribulada foi um homem de uma piedade sensível como podemos constatar na sua poesia religiosa e na promoção da fundação da Confraria do Santíssimo Nome de Jesus no convento de São Domingos. Podemos interrogar-nos, até que ponto é que esta sua piedade e devoção ao Santíssimo Nome de Jesus não teve influência da Igreja Oriental e dos gregos que ele combateu, uma vez que é central na oração ortodoxa a invocação do nome de Jesus Filho de Deus.
E assim se faz a história com descobertas e reconstruções, com notas que se perdem e encontram, sempre numa fidelidade à verdade que o véu diáfano do tempo vai encobrindo ou descobrindo.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarÉ gratificante que tenha partilhado connosco alguns aspectos da vida de Frei André Dias, evidenciando o processo de construção da história que não sendo uma “ciência exacta” , mais do uma “ciência” é uma arte, feita como diz ...” com descobertas e reconstruções, com notas que se perdem e encontram, sempre numa fidelidade à verdade que o véu diáfano do tempo vai encobrindo ou descobrindo.” As próprias ciências exactas são objecto de “revoluções científicas” em permanência, nunca constituem verdades absolutas porque esta não existe. O conhecimento científico é verdadeiro até prova científica contrária.
Mas o que importa reter é que sendo Frei André Dias, uma personalidade controversa, …”foi um homem de uma piedade sensível como podemos constatar na sua poesia religiosa e na promoção da fundação da Confraria do Santíssimo Nome de Jesus no convento de São Domingos”, e as eventuais consequências da …”sua piedade e devoção ao Santíssimo Nome de Jesus”, como nos informa o Frei José Carlos.
Obrigada por mais esta partilha. Bem haja.
Desejo ao Frei José Carlos um bom domingo.
Um abraço fraterno
Maria José Silva
Boa tarde Frei José Carlos,
ResponderEliminarÉ verdade, é assim que se faz história também com as notas que nos vai deixando, neste caso a propósito de Frei André Dias que encontraram eco para além do Atlântico, nas terras de Vera Cruz. Ao aliar a devoção do Santo Nome de Jesus à Confraria do mesmo nome, de que Frei André foi fundador, não só nos factuou o estado sócio-económico da época, como nos informou da origem da prática religiosa. Situou-nos no tempo e no espaço deste piedoso culto, fazendo-nos uma viva e pormenorizada descrição da Capela na Igreja do Convento de S. Domingos, incluindo a existência de relíquias que sustentavam a afeição ao Santo Nome de Jesus. Sensibiliza-nos ainda para a sua recuperação nos nossos dias, ao escrever..."usá-la para fazer face aos desafios que cada dia se nos colocam no combate da fé e na fidelidade ao seguimento de Jesus."
Desejo-lhe uma boa semana de trabalho e oração, pois que um não renega a outra, antes se completam em louvor do Senhor.
GVA
Please forgive me for posting here in English rather than Portuguese, since I read but do not speak or write it. I was most gratified to find this post about Brother André Dias as I am writing a doctoral dissertation about his life and career. Your summary of the many confusions about Brother André and the Order of his profession is very good, but I may be able to help with one or two questions that remain.
ResponderEliminarI do not know the article by Professor Mattoso that you refer to, so I shall consult it myself. I suspect Mattoso's article is based on the excellent study of André Dias by António Domingues de Sousa Costa entitled Mestre André Dias de Escobar: Figura Ecuménica do Século XV. In it, there is published a 23 April 1399 bull of Boniface IX permitting Brother André to change from Order of Preachers. It is shortly thereafter that we find the first notice of him being in the Benedictine Order. So, he must have been a Dominican from about age 18 until around age 50, but all his known works were written after he transferred to the Benedictine order. We should perhaps suspect that Brother André retained an affection for the Order of Preachers and maintained a relationship with the Dominican convent of S. Domingos in Lisbon where he later founded the Confraternity of the Holy Name of Jesus, as you mention.
I am unsure why Mattoso would suggest that Brother André was violently opposed to the Greeks; Brother André did write a treatise against their doctrinal errors, but he also signed the original bull of union between the Latin and Greek church. To my knowledge, the actual cause of Brother André's sentence of heresy and confinement to the monastery of S. João de Alpendurada remains a mystery. If more is now known, I would very much like to hear it! António de Sousa Costa suspected that it was the immoderate tone of Brother André's private advice to the cardinal sent to preside over the Council of Basel, Giuliano Cesarini. That is to say, Brother André was more ardently pro-Council in his privately expressed opinions than in his published theological works, and seems likely that once Cesarini abandoned Basel, the advice Brother André sent to him may have become known to the papal Curia.
As to Brother André's interest in devotion to the Holy Name, which he fostered in Portugal, your suggestion that he could have received these ideas from the Greek church is very interesting, and I had not considered it. António de Sousa Costa speculated that, because Brother André spent many years in the cities of the Italian peninsula in the service of the Papal Curia, he probably encountered there the preaching of Bernardino of Siena or his Franciscan followers who also promoted a devotion to the Holy Name. He suggests that Brother André was inspired to introduce a similar devotion into his native land when he next traveled there.
It certainly appears that Brother André concluded his exceptionally long life in difficulty and, having been ejected from the monastery of S. João de Alpendurada for violating the terms of his sentence of heresy, it is not clear exactly where he actually died. One wonders, might he have returned to the convent of S. Domingos in Lisbon and found a welcome there to end his days? It would help to explain the many and very early notices of him dying as a friar, or of belonging to the Order of Preachers. Brother André certainly had a stormy life, not least because he expressed sincere convictions that were not always pleasant to hear. If he did die at S. João de Alpendurada, then it would have been after the house had been taken over by the enemy who deprived him of it. It would be kinder to think that his former brothers of S. Domingos, and likely also his spiritual sons, the confreres of the Holy Name, gave him a refuge in his last days.
I thank you for your meditations about history and truth. They are most inspiring to me as I labor in that field!