domingo, 27 de novembro de 2011

Homilia do I Domingo do Advento

Iniciamos o tempo do Advento e mais um ano litúrgico com esse apelo de Jesus a estar vigilantes, uma vez que não sabemos o momento da chegada.
No entanto, e apesar da incerteza de que Jesus fala, sabemos e assumimos que o momento chegará no dia de Natal, já chegou há dois mil anos, e chega em cada dia de paz. Razão pela qual é ainda mais necessário estar vigilantes, vigiar activa e criticamente para que essas vindas e chegadas se transformem e culminem num último encontro pacífico e definitivo. “Sem vigilância toda a experiencia é idolátrica, minando-nos o juízo, as formas de atenção, a sabedoria, a ética para o presente” (Mourão, “A Palavra e o Espelho”, 10).
Importa por isso aprofundar o sentido da vigilância a que Jesus nos convida, para não cairmos na idolatria, para vivermos verdadeiramente a fé e o seguimento de Jesus, e para verdadeiramente vivermos a nossa humanidade e nela o advento de Deus a cada um de nós e a todos os homens. Viver na expectativa de Deus que vem é viver a realização do homem na plenitude da sua natureza mais íntima e perfeita.
Vigiar não pode por isso ser um estar, um “stand by”, em que se manifesta uma presença mas não há mais qualquer actividade. Vigiar no contexto da palavra de Jesus não é apenas permanecer, ainda que para vigiar seja necessário permanecer. O monge permanece na sua estala de coro vigilante.
Vigiar não pode também ser visto como esperar, aguardar por algo ou alguém. Ainda que à luz da palavra de Deus vigiar signifique permanecer esperando esse Outro que é o próprio Deus. O monge permanece na sua estala coral vigilante, aguardando a chegada da razão da sua vida.
Vigiar não é apenas um estar com os outros, um encontro à volta de um acontecimento ou de um tarefa, uma velada de amigos, apesar de vigiar com Jesus e ao estilo de Jesus signifique encontrarmo-nos alegremente com alguém. O monge nas suas vigílias nocturnas permanece e aguarda com os outros a vinda do totalmente Outro.
Vigiar é trabalhar, é um exercício prático e constante, é permanecer como o monge mas de uma forma activa, cuidando essa vigilância com a sua atitude corporal, com a alegria do canto que lhe brota da alma na expectativa do encontro do Senhor, apressando esse encontro com a sua oração insistente e persistente. Vigiar é portanto cuidar, guardar, olhar, estar atento para saber o que se espera, como se espera e o que se faz para que o que se espera aconteça.
Vigilantes nesta forma activa, inviabilizamos a idolatria porque o alcançado, o esperado, é sempre uma porta, uma passagem para um encontro e uma realidade mais profunda e definitiva sobre a qual não temos poder porque nos é oferecida, vem ao nosso encontro na medida da nossa busca. Como Santa Catarina de Sena experimenta e escreve, quando mais aprofunda no mistério de Deus mais se sente atraída pela profundidade desse mesmo mistério. Também vigilantes nesta forma activa, a nossa sabedoria e os nossos juízos, os valores e a ética permanecem num constante estado de alerta, numa construção e renovação que impedem a esclerose ou a putrefacção.
Mas viver nesta vigilância só faz sentido na media em que se pressupõe um encontro, na medida em que previamente há um desejo de encontro, um encontro para o qual trabalhamos, no qual nos envolvemos através da nossa solicitude para que aconteça.
Esse encontro é essa visão do rosto de Deus de que nos fala o profeta Isaías, um rosto que na história do povo de Israel se deixou de manifestar, de estar visível para o povo que vivia na infidelidade. E por essa razão o profeta suplica a sua revelação.
Mas para nós cristãos, e na medida em que ninguém pode ver o rosto de Deus e viver, como é dito ao profeta Elias, a visão do rosto de Deus é-nos facultada na pessoa de Jesus, no encontro com a humanidade do Filho de Deus.
O rosto de Deus revela-se-nos na humanidade de Jesus, mas com ele e nela revela-se-nos também a divindade do rosto do homem. Por essa razão dizia o Mestre Eckhart que cada pessoa, cada rosto é mais nobre e valioso que todo o universo, uma vez que no rosto de cada um, homem e mulher, transparece pela humanidade do Filho de Deus o rosto de Deus Pai.
O Advento é assim um tempo de vigilância para o encontro com Deus que vem à nossa humanidade, mas é também, e por essa razão, um tempo de vigilância para o encontro com os nossos irmãos, com os homens e mulheres que espelham nos seus rostos a face de Deus transfigurada.
E se as nossas fragilidades e o temor dos outros nos pode impedir um passo no sentido do acolhimento e da fraternidade, da partilha e colaboração, a certeza do dom da graça para aqueles que esperam a manifestação de Jesus Cristo, de que fala São Paulo na Primeira Carta aos Coríntios, deve obrigar-nos e impelir-nos a ultrapassar esses impedimentos e barreiras. Afinal o outro é sempre o espelho do totalmente Outro, somos todos obras da mão do mesmo Oleiro, no rosto de cada homem manifesta-se o rosto de Deus.
Preparemo-nos assim para celebrar o Natal do Senhor, vigilantes na expectativa da sua vinda e vigilantes no encontro com os outros homens e mulheres nossos irmãos.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    O texto da Homilia do I Domingo do Advento que teceu e partilha connosco é profundo e belo. É um texto importante como reflexão para a preparação do Advento mas simultaneamente intemporal ciente que a nossa relação com Deus se insere num processo dinâmico, da caminhada de cada um de nós com Jesus e com os outros, os nossos irmãos. Estar vigilante é viver com dignidade, com confiança e esperança em Deus, disponível para o encontro com o Senhor, assumindo os compromissos daí decorrentes .
    E, recordando-nos o “apelo de Jesus a estar vigilantes”, salienta-nos o “sentido da vigilância a que Jesus nos convida”. Permita-me que respigue algumas passagens do texto que me tocam: …” Viver na expectativa de Deus que vem é viver a realização do homem na plenitude da sua natureza mais íntima e perfeita.
    Vigiar não pode por isso ser um estar, um “stand by”, em que se manifesta uma presença mas não há mais qualquer actividade. Vigiar no contexto da palavra de Jesus não é apenas permanecer, ainda que para vigiar seja necessário permanecer. (…)
    (...) Vigiar é trabalhar, é um exercício prático e constante, é permanecer como o monge mas de uma forma activa, cuidando essa vigilância com a sua atitude corporal, com a alegria do canto que lhe brota da alma na expectativa do encontro do Senhor, apressando esse encontro com a sua oração insistente e persistente. Vigiar é portanto cuidar, guardar, olhar, estar atento para saber o que se espera, como se espera e o que se faz para que o que se espera aconteça. (…)
    (...) Também vigilantes nesta forma activa, a nossa sabedoria e os nossos juízos, os valores e a ética permanecem num constante estado de alerta, numa construção e renovação que impedem a esclerose ou a putrefacção.
    Mas viver nesta vigilância só faz sentido na medida em que se pressupõe um encontro, na medida em que previamente há um desejo de encontro, um encontro para o qual trabalhamos, no qual nos envolvemos através da nossa solicitude para que aconteça.(…)
    (...) Mas para nós cristãos, e na medida em que ninguém pode ver o rosto de Deus e viver, como é dito ao profeta Elias, a visão do rosto de Deus é-nos facultada na pessoa de Jesus, no encontro com a humanidade do Filho de Deus.
    O rosto de Deus revela-se-nos na humanidade de Jesus, mas com ele e nela revela-se-nos também a divindade do rosto do homem.”…
    … “Afinal o outro é sempre o espelho do totalmente Outro, somos todos obras da mão do mesmo Oleiro, no rosto de cada homem manifesta-se o rosto de Deus.”...
    Que o Advento seja um período de renovação, no qual saibamos ultrapassar as nossas fraquezas e receios, para que o “acolhimento, a fraternidade, a partilha e a colaboração” não sejam meras palavras vãs.
    Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha da Homilia que constitui um momento importante na preparação do Advento. Bem-haja.
    Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe um poema de Frei José Augusto Mourão, OP

    Advento

    concede-nos, Senhor,/ o doce ócio da contemplação//que respirando o ar da tua casa/ninguém
    se sinta excluído da casa/ que connosco habita// converte-nos a todos/ que o soberbo deixe
    a sua torre/ e desça ao chão da morte enlaçada à vida;/ que o pusilânime se torne forte,/ o
    iracundo manso/ e o tíbio vigilante// refloresça o árido/com o humor do teu Espírito/ e mude-se
    esta inércia/ que nos impede o conhecimento do que em nós é escuro/ e em ti plenilúnio,/
    que no advento de Cristo nos acordas/ e nos abençoas

    (In, “O Nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)

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  2. Frei José Carlos,

    Muito grata pela beleza da Homilía deste primeiro Domingo do Advento,que nos ajuda a estar mais vigilantes sobre o nosso dia a dia, para que possamos preparar a vinda do Senhor.Que não seja mais um Advento em nossas vidas,mas seja de mudança de vida,embora com as nossas fragilidades de humanos que somos.Obrigada,Frei José Carlos,por esta excelente Homlía que partilhou connosco,que me ajudou a meditar mais profundamente,e como nos diz o Frei José Carlos,temos de estar bem vigilantes.Boa tarde,que o Senhor o ilumine e o proteja.Um abraço fraterno.
    AD

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