terça-feira, 1 de novembro de 2011

Homilia da Solenidade de Todos os Santos

A Igreja celebra hoje a Solenidade de Todos os Santos e para nos ajudar a reflectir e meditar sobre esta dimensão da nossa natureza que é a santidade propõe-nos o texto do Evangelho de São Mateus sobre as Bem-Aventuranças.
É interessante notar que cada bem-aventurança termina com uma recompensa, uma compensação, e assim vemos que os que choram serão consolados, os pobres em espírito receberão o Reino de Deus, os humildes possuirão a terra e assim por diante. E concluindo a apresentação das bem-aventuranças Jesus diz aos seus discípulos que se alegrem e exultem porque é grande nos céus a sua recompensa.
Jesus conhece perfeitamente o coração do homem e sabe como nos deixamos mover pelas recompensas, pelos prémios e louvores. Há certamente poucas realidades na vida do homem que estejam livres deste mecanismo de funcionamento, e por isso para nos incentivar a uma maior procura de Deus, do nosso verdadeiro e último fim, Jesus apresenta-nos a proposta de uma recompensa.
É verdade que deveríamos procurar e buscar a Deus por ele mesmo, pelo bem que encerra em si próprio, pela felicidade que nos está reservada e garantida nessa nossa relação com Deus. Contudo, e como somos seres limitados, confinados a uma circunstância histórica e física necessitamos de um incentivo para vencer essa nossa limitação e fragilidade, para imaginar a possibilidade de uma outra realidade.
Realidade que como nos diz o Apóstolo, nem os olhos viram nem os ouvidos ouviram, nem alguma vez passou pela imaginação do homem, mas que está à nossa porta e apenas necessita de ser desejada e procurada.
Os santos que hoje celebramos são aqueles homens e mulheres que num determinado momento deixaram tudo, ou foram deixando, para se embrenharem nessa busca, na satisfação desse desejo que nada satisfazia. E por isso a Igreja os apresenta como modelo, como exemplos, e no dia de hoje lhes presta o seu louvor e a sua intercessão.
Mas ao apresentá-los como modelos a Igreja assume não só a santidade que alcançaram, essa recompensa de poder contemplar a face de Deus, mas também as suas vicissitudes e peregrinações terrestres, as fragilidades e limitações, através das quais foram descobrindo o apelo e a presença de Deus.
Os santos que hoje celebramos são aqueles homens e mulheres que foram capazes de viver as bem-aventuranças, mas são também aqueles que passaram pela noite escura, que tiveram dúvidas, que pecaram, que tentaram fugir mas nessa mesma fuga foram apanhados por Deus. Santa Teresa de Lisieux que se sentiu abandonada pelo seu amigo na barca do amor, São João da Cruz que se viu encarcerado pelos próprios irmãos que não compreendiam o seu desejo de maior radicalidade de vida, Santo Agostinho que levou anos a fugir da insatisfação interior que trazia, Santa Catarina de Sena que quanto mais aprofundava no mistério de Deus mais se sentia sem pé e necessitada de maior aprofundamento.
Estes e tantos outros santos que desconhecemos, nas suas dificuldades e na sua pobreza, nas suas limitações e fragilidades, não perderam no horizonte da sua existência essa recompensa que o Senhor Jesus promete, esse convite a exultar e alegrar-se apesar das quedas e dos sofrimentos, da violência e da incompreensão.
Mas mais que essa recompensa, esse desejo de partilhar da glória de Deus e da companhia dos outros santos, como nos é descrito no Apocalipse, estes homens e mulheres foram capazes de viver as bem-aventuranças porque se descobriram filhos de Deus, se descobriram como participantes de uma glória que está subtraída aos nossos olhos humanos mas na qual já estamos integrados e assumidos pelo admirável amor que Deus nos tem.
Afinal, poderíamos dizer que a santidade é o nosso estado natural, uma vez que somos obra de Deus Santo, mas esse estado natural necessita atingir o seu expoente máximo, necessita purificar-se como o ouro no crisol para que brilhe em todo o seu esplendor e beleza. Toda a obra da criação e todas as criaturas gemem nesta expectativa e neste processo transformante em plenitude da santidade em gérmen.
E é nesta vida e face aos seus desafios, confiados no amor eterno do Pai celeste, que vamos vencendo e prosseguindo na tarefa árdua de transformar em cada dia cada gesto numa expressão bem-aventurada.
Que os Santos que já contemplam a glória de Deus e podem interceder por nós venham em nosso auxílio e nos ajudem a manifestar o amor do Pai por todas as criaturas, para que dessa forma se desenvolva em todos nós a santidade expectante de plenitude.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    O texto da Homilia que partilha connosco é profundo e belo. Como nos salienta ...” Os santos que hoje celebramos são aqueles homens e mulheres que foram capazes de viver as bem-aventuranças, mas são também aqueles que passaram pela noite escura, que tiveram dúvidas, que pecaram, que tentaram fugir mas nessa mesma fuga foram apanhados por Deus.” (…)
    Estes e tantos outros santos que desconhecemos, nas suas dificuldades e na sua pobreza, nas suas limitações e fragilidades, não perderam no horizonte da sua existência essa recompensa que o Senhor Jesus promete, esse convite a exultar e alegrar-se apesar das quedas e dos sofrimentos, da violência e da incompreensão.”…
    Mas como nos recorda ...” mais que essa recompensa, esse desejo de partilhar da glória de Deus e da companhia dos outros santos, como nos é descrito no Apocalipse, estes homens e mulheres foram capazes de viver as bem-aventuranças porque se descobriram filhos de Deus, se descobriram como participantes de uma glória que está subtraída aos nossos olhos humanos mas na qual já estamos integrados e assumidos pelo admirável amor que Deus nos tem. (…)”
    Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha, que nos dá a oportunidade de avaliarmos, hoje e sempre que quisermos, de que forma vivemos as Bem-Aventuranças, como caminho de liberdade para a santidade, para o qual apenas interessa o ser, e com nos afirma …“ é nesta vida e face aos seus desafios, confiados no amor eterno do Pai celeste, que vamos vencendo e prosseguindo na tarefa árdua de transformar em cada dia cada gesto numa expressão bem-aventurada.”… Bem-haja.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva
    P.S.Permita-me que transcreva este poema de Maria de Lourdes Belchior “Hoje é dia de todos os santos: dos que têm auréola e dos que não foram canonizados. Dia de todos os santos: daqueles que viveram, serenos e brandos, sem darem nas vistas e que no fim dos tempos hão-de seguir o Cordeiro. Hoje é dia de todos os Santos: santos barbeiros e santos cozinheiros, jogadores de football e porque não? comerciantes, mercadores, caldeireiros e arrumadores (porque não arrumadoras? se até é mais frequente que sejam elas a encaminhar o espectador?) Ao longo dos séculos, no silêncio da noite e à claridade do dia foram tuas testemunhas; disseram sim/sim e não/não; gastaram palavras, poucas, em rodeios, divagações. Foram teus imitadores e na transparência dos seus gestos a Tua imagem se divisava. Empreendedores e bravos ou tímidos e mansos, traziam-te no coração. Olharam o mundo com amor e os homens como irmãos. Do chão que pisavam rebentava a esperança de um futuro de justiça e de salvação e o seu presente era já quase só amor. Cortejo inumerável de homens e mulheres que Te seguiram e contigo conviveram, de modo admirável: com os que tinham fome partilharam o seu pão, olharam compadecidos as dores do mundo e sofreram perseguição por causa da Justiça. Foram limpos de coração e por isso dos seus olhos jorrou pureza e dos seus lábios brotaram palavras de consolação. Amaram-Te e amaram o mundo. Cantaram os teus louvores e a beleza da Criação. E choraram as dores dos que desesperam. Tiveram gestos de indignação e palavras proféticas que rasgavam horizontes límpidos. Estes são os que seguem o Cordeiro porque te conheceram e reconheceram e de ti receberam o dom de anunciar ao mundo a justiça e a salvação”. (Extraído de “Pátio dos Gentios”).

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