domingo, 13 de novembro de 2011

Homilia do XXXIII Domingo do Tempo Comum

À medida que nos aproximamos do fim do ano litúrgico as leituras da Palavra de Deus colocam à nossa reflexão a necessidade de estarmos preparados e vigilantes, na expectativa desse fim dos tempos em que Jesus virá para julgar todas as obras dos homens e mulheres.
No domingo passado o Evangelho apresentava-nos a parábola das virgens que vigilantes aguardavam a vinda do Senhor e nesse sentido éramos alertados para a necessidade desse estado de vigilância que faz parte do ser cristão. Contudo, havia também já nessa parábola algumas insinuações muito concretas sobre uma outra realidade do ser cristão, a necessidade de enquanto se vigia se produzir alguma coisa, a necessidade de rentabilizar o tempo de espera, realidade essa bem patente hoje na parábola dos talentos que o Evangelho nos apresenta.
Um senhor parte de viagem e distribui os seus bens pelos seus servos de acordo com a capacidade de cada um, ou seja, sem impor a ninguém mais do que podia suportar. A imagem mostra-nos um senhor, e um Deus, que tem em conta a capacidade de cada um e por isso não entrega nem cria cargas pesadas para que os seus servos levem. O mistério da encarnação do Filho de Deus, mistério fundamental da nossa fé, tem também esse objectivo didáctico de nos ensinar e mostrar que os talentos entregues a cada um estão à dimensão da nossa capacidade humana. Na nossa humanidade podemos e devemos rentabilizar e fazer produzir aquilo que Deus nos entregou.
No regresso da longa viagem do senhor, cada um dos servos entrega o que recebeu e o que conseguiu fazer render dos dons recebidos, dentro das suas capacidades. Há nesta parábola uma proporção entre o recebido e o produzido, facto que não se verifica na parábola paralela do Evangelho de São Lucas em que o recebido de forma equivalente por todos produz de forma diferente. Podemos ver nesta proporcionalidade do Evangelho de São Mateus uma rentabilidade que mais que fruto do próprio é igualmente dom do Senhor, dom da audácia e da alegria do recebido, e colocado à disposição da frutificação. E por isso no momento da entrega do recebido e produzido atribuem ao senhor tudo o que entregam.
Tragicamente o servo que recebeu apenas um talento entrega esse mesmo talento, justificando-se com o medo e o conhecimento que tinha do senhor. Esse medo, um conhecimento errado do seu senhor, e a preguiça de tentar fazer render o possível, tinha inviabilizado a própria acção produtiva do dom recebido.
Contudo, nesta prestação de contas, não podemos esquecer que em nenhum momento da parábola se diz que o senhor esperava mais ou menos resultados, porque afinal o que está em causa é o esforço e a disponibilidade para fazer render o talento recebido.
Neste sentido, e tendo presente que a parábola se dirige hoje a cada um de nós, temos que assumir os dons recebidos e vive-los não como uma divida que nos será cobrada, da qual teremos que pagar juros, mas como uma oferta que nos é feita para nosso engrandecimento e realização, para que possamos viver e partilhar o gozo da intimidade do Senhor. Esse é o verdadeiro e último rendimento, prémio se assim quisermos dizer, que os servos recebem pela aplicação dos talentos e dons recebidos.
Continuando na actualidade da parábola, e tendo presente alguns dos nossos valores, podemos questionar-nos se de alguma forma não houve um predilecção, uma injustiça na atribuição dos dons, pois parece que houve dois pesos e duas medidas. A um foi dado muito para fazer render e a outro apenas um pouco.
Antes de mais esta questão esquece que foi dado a cada um segundo as suas capacidades, e depois esquece também que muitos de nós temos os olhos mais abertos para os dons e os talentos dos outros do que para os nossos, que nos sentimos muitas vezes inferiorizados pelo que os outros têm e são, caindo dessa forma nesse pecado capital que se chama a inveja.
Com esta atitude e nesta situação esquecemo-nos que todos somos diferentes, que a nenhum de nós foi dada a possibilidade de escolher os seus dons e talentos, (o que ainda temos que agradecer a Deus porque de contrário morreríamos envenenados pelo nosso próprio orgulho), e que, o que é importante e o que nos deve mover, é a possibilidade de frutificação e rentabilização dos nossos talentos e dons, o chamado “dar o litro” de tudo o que recebemos, seja muito ou seja pouco.
E é importante esta consciência para que os dons e talentos frutifiquem, para que a sua própria força seja desenvolvida, porque se nos mantivermos na inveja e na expectativa de dons que são dos outros acabaremos por acabar excluídos do gozo do Senhor, num estado de loucura que nos conduzirá à condenação.
O filme “Amadeus”, em que Milos Forman narra uma história sobre Mozart e a inveja que Salieri desenvolve pelo talento do jovem compositor é neste aspecto um fabuloso exemplo. Um compositor bem sucedido na vida, reconhecido na corte, que desde pequeno tinha consagrado todo o seu génio e a sua vida ao serviço e à glória de Deus através da música, vê-se subitamente preterido por um miúdo que compõe uma musica sublime mas que não tem respeito por nada nem por ninguém, que é um desleixado e um boémio.
Diante de tal injustiça, numa noite de oração e loucura Salieri recusa-se a continuar a servir Deus com a sua música e o seu trabalho e gera a ambição de destruir Mozart e o seu talento, o talento que Deus lhe proporcionava admirar. Tal desejo apenas o conduz à loucura e à morte do outro, ao desenvolvimento de uma cadeia de sofrimento e tristeza.
Necessitamos por isso diante da parábola dos talentos descobrir o que Deus nos ofereceu como dom e fazê-lo crescer, frutificar, preocupados não com o que os outros têm ou fazem, mas com o que aqui e agora podemos fazer em pleno com o que temos, afastando-nos desse modo da inveja, da loucura ameaçante e da condenação de Deus por não termos feito o pouco que podíamos fazer.
Que o Senhor nos conceda a graça e a alegria de ver e amar o que Deus colocou em nós para crescer e ajudarmos a frutificar.



2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    As Leituras, o Evangelho de São Mateus e o texto da Homilia do XXXIII Domingo do Tempo Comum que partilha connosco leva-nos a fazer um balanço sobre a nossa vida.
    Como nos diz, cada um de nós é responsável pela administração que faz dos dons que nos foram concedidos segundo as nossas capacidades. O empenho, a dedicação, o amor, a alegria com que desempenhamos a tarefa por mais insignificante que ela seja é que faz a diferença. A diferença está no ser e não no ter.
    Como nos salienta a parábola dos talentos ...“se dirige hoje a cada um de nós, temos que assumir os dons recebidos e vive-los não como uma divida que nos será cobrada, da qual teremos que pagar juros, mas como uma oferta que nos é feita para nosso engrandecimento e realização, para que possamos viver e partilhar o gozo da intimidade do Senhor. Esse é o verdadeiro e último rendimento, prémio se assim quisermos dizer, que os servos recebem pela aplicação dos talentos e dons recebidos.
    (...).
    E é muito importante recordar-nos que ...” esquecemo-nos que todos somos diferentes, que a nenhum de nós foi dada a possibilidade de escolher os seus dons e talentos, (o que ainda temos que agradecer a Deus porque de contrário morreríamos envenenados pelo nosso próprio orgulho), e que, o que é importante e o que nos deve mover, é a possibilidade de frutificação e rentabilização dos nossos talentos e dons, o chamado “dar o litro” de tudo o que recebemos, seja muito ou seja pouco.”…
    Façamos nossas as palavras do Frei José Carlos e peçamos …”Que o Senhor nos conceda a graça e a alegria de ver e amar o que Deus colocou em nós para crescer e ajudarmos a frutificar”.
    Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha desta profunda Homilia, que nos ajuda a reflectir o presente e a preparar o futuro. Que o Senhor o proteja e o ilumine.
    Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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  2. Frei José Carlos,

    Fiquei maravilhada ao ler esta parábola dos talentes.Obrigada pela bela partilha que gostei muito.E como nos dizia o Frei José Carlos,que o Senhor nos conceda a graça e a alegria de ver e amar o que Deus colocou em nós para crescer e ajudarmos a frutificar.
    Que o Senhor conceda ao Frei José Carlos,o dom da Sabedoria e o ilumine,para continuar com muita alegria,a ajudar-nos a reflectir mais profundamente na Palavra de Deus.
    Obrigada por partilhar connosco,toda esta riquesa,que nos ajuda mais e melhor a nossa Meditação.Bem haja,Frei José Carlos.
    Um abraço fraterno.
    AD

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