quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Mosteiro da Batalha, diligências pela recuperação para os Dominicanos

Fundado em 1388 por D. João I, depois da vitória alcançada em 1385 sobre as tropas castelhanas em Aljubarrota, o Mosteiro da Batalha foi no século XX objecto de várias diligências no sentido da sua devolução aos frades da Ordem de São Domingos, aos quais tinha sido confiado desde o primeiro momento pelo Mestre de Avis.
É uma história com contornos ainda pouco claros, que esperamos que os documentos e dados que apresentamos possam ajudar a esclarecer. A tradição oral dos nossos irmãos mais velhos diz que o Presidente do Conselho Dr. Oliveira Salazar nos quis entregar o convento, mas que os nossos superiores não o aceitaram. A documentação que possuímos e aqui apresentamos revela uma história diferente, porque as diligências efectuadas nesse sentido esbarraram sempre, e aparentemente, na oposição do Presidente do Conselho.
Os primeiros documentos são um conjunto de cartas enviadas pelo Padre Pio Ribeiro Gomes, à data no Colégio do Ramalhão em Sintra, ao Superior que se encontrava no Porto, Padre Tomás Videira, entre 11 de Novembro de 1942 e 28 de Dezembro de 1942.
Na primeira carta, datada de 11 de Novembro, o Padre Pio informa que só na véspera lhe tinha sido possível ir a Lisboa e entregar a uma Senhora Lavradio, amiga íntima da esposa do Dr. Ribeiro da Cunha, Secretário Particular de Sua Excelência, a carta dirigida a este com o pedido da Batalha. Ainda que não se tenha encontrado com a Senhora Lavradio, deixou a carta, e está confiante que o pedido será entregue.
A 17 de Novembro o Padre Pio volta a escrever para o Padre Tomás, para lhe “comunicar que há oito dias as cartas pedidos foram entregues a Salazar com o máximo empenho e como dizem ser costume não deve tardar uma resposta”.
Na carta escrita a 4 de Dezembro, o Padre Pio informa o Superior Padre Tomás que lhe foi confirmado que os pedidos foram entregues a Salazar com insistente recomendação. Que tentou saber directamente junto do Dr. Ribeiro da Cunha qual a resposta do Presidente do Conselho, mas que ainda não lhe tinha sido possível falar com ele. Questiona se a resposta não poderá ter chegado ao Porto, e desabafa que “não é um assunto a resolver do pé para a mão, visto tratar-se dum edifício actualmente ocupado por repartições do Estado cuja instalação é necessário preparar.”
A 11 de Dezembro volta a escrever dizendo que espera dentro em breve dar a resposta sobre a Batalha que o Padre Tomás aguarda. Contudo, sabe já que as coisas se encaminham bem, pois o Dr. Ribeiro da Cunha dissera que Salazar guardara silêncio, o que naquelas esferas parecia ser um bom augúrio.
A 21 de Dezembro a carta que dirige ao Padre Tomás é bastante clara e assim informa que só na véspera lhe tinha sido possível obter a resposta ansiada, uma resposta negativa. “Teria sido respondido por Salazar ao próprio Ribeiro da Cunha que isso seria muito difícil ou quase impossível”. Apesar desta resposta o Padre Pio continua a acalentar uma esperança e por isso convida o Padre Tomás ainda a aguardar.
A 28 de Dezembro o Padre Pio volta a escrever ao Padre Tomás e aí desabafa a sua desconfiança. “Quanto à Batalha já sabe o que por vias travessas se soube. Eu creio que isto foi resposta conjecturada pelo próprio Ribeiro da Cunha, para não se maçar… É que estes cavalheiros não gostam de se maçar… mas isto em mim é pura imaginação, pode ser que eu me engane e que tal tenha sido a resposta de Salazar. No entanto o pedido está feito a quem for de direito, e muito bem feito. Resta-nos esperar, e ter confiança em Deus e nas gerações dominicanas que viveram e se santificaram no Convento de Santa Maria da Vitória.”
Não tendo os documentos originais, ou cópias, enviadas com o pedido, nem qualquer resposta escrita aos mesmos, face às cartas do Padre Pio Gomes para o Padre Tomás Videira apenas podemos concluir que esta tentativa redundou num completo falhanço.
Mas ainda assim a esperança e o desejo não terminaram, porque na carta relatório que o Padre Tomás envia a todos os irmãos a 3 Setembro de 1947, no âmbito da preparação da visita do Mestre Geral da Ordem e do pedido de ajuda estrangeira, a questão da Batalha é abordada, embora com um espírito mais prático e consciente da realidade humana. “Também não devemos perder de vista este convento que será cada vez mais visitado por causa de Fátima, e por isso um centro de irradiação. Por agora por não termos pessoal não nos seria muito útil.”
Com a chegada dos dominicanos canadianos, e face aos projectos e necessidade de instalação de um noviciado e centro de estudos, a questão da Batalha volta a ser colocada a Salazar. Assim, por meados de 1949 o Vigário Geral Padre Gaudrault escreve uma nova carta ao Presidente do Conselho solicitando a cedência do convento da Batalha. Nela apresenta a necessidade de ocupar a zona do claustro de D. Afonso V e de fazer obras de adaptação às novas exigências comunitárias. O Padre Gaudrault está aberto a todas as possibilidades e a negociações.
Uma fotografia do Padre Sylvain com o Padre Francisco Rendeiro nos jardins do claustro da Batalha mostra-nos que as propostas apresentadas pelo Padre Gaudrault tinham sido previamente estudadas no terreno, bem como o cartão pessoal do Director Geral da Fazenda Pública, António Luís Gomes, para o Conservador da Zona Monumental de Leiria, Batalha e Alcobaça, Dr. Fernando Pais de Almeida e Silva, solicitando para o Padre Gaudrault todas as facilidades na visita ao antigo convento. O cartão tem a data de 22 de Maio de 1949.
Também desta carta a Salazar não nos consta resposta no espólio documental do Arquivo Dominicano. Mas pelas diligências que se lhe seguem podemos aferir que uma vez mais a resposta ou foi negativa ou não existiu.
Face a tal situação opta-se por outra estratégia e assim encontramos dois exemplares de projectos de carta para recolha de assinaturas, solicitando o regresso dos dominicanos à Batalha e à posse do seu antigo convento. O primeiro tem à margem a nota de ser de um notável da vila da Batalha e o outro foi enviado ao Padre Sylvain a 24 de Novembro de 1954 pelo Advogado Acácio de Paiva, com a indicação que era cópia da exposição enviada ao Dr. José Maria Jesus da Batalha para que angariasse as assinaturas necessárias.
Uma vez mais não temos documentos nem dados sobre os resultados destas diligências, apenas mais uma carta do Padre Sylvain, datada de 2 de Fevereiro de 1956, e uma vez mais dirigida a Salazar a solicitar a cedência do convento da Batalha, desta feita, e já construído os conventos do Porto e de Fátima, para que houvesse o terceiro convento necessário para a restauração da Província.
No dossier da Batalha encontra-se ainda uma carta, escrita por Inês Rodrigues Pereira Jesus, do Olival, em 24 de Outubro de 1956, e dirigida ao Padre Sylvain. Nela pede esclarecimentos sobre o boato que circula na vila da Batalha de que em breve doze dominicanos vão habitar o antigo convento. O seu irmão, médico na Batalha e grande defensor da ideia dos dominicanos regressarem ao seu convento, gostava de ver confirmado o boato.
Diante desta documentação, e na falta de muita outra, apenas podemos concluir que de facto e ao longo da década de quarenta e cinquenta do século vinte os dominicanos tentaram instalar uma comunidade no convento da Batalha. Contudo alguma coisa falhou e tal aspiração pessoal dominicana e comunitária de alguns notáveis da vila nunca chegou a concretizar-se.
Esperamos que outra documentação, ou outras informações, que nos chegue às mãos nos ajude a compreender todos os meandros desta história e o papel cabal de cada um dos seus intervenientes.



1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Li com interesse e alguma expectativa os três textos que publicou sobre os esforços desenvolvidos nos finais dos anos quarenta e na década de cinquenta do século passado junto do Presidente do Conselho de Ministros, Dr. António Oliveira Salazar e outras autoridades a fim de que o Mosteiro da Batalha fosse recuperado pelos Dominicanos.
    As cartas dos Padres Gaudrault e Sylvain fundamentam bem a necessidade e a importância dessa recuperação.
    Na troca de correspondência do Padre Pio com o Padre Tomás há um desabafo que pode ser significativo ...” “Quanto à Batalha já sabe o que por vias travessas se soube. Eu creio que isto foi resposta conjecturada pelo próprio Ribeiro da Cunha, para não se maçar… É que estes cavalheiros não gostam de se maçar… mas isto em mim é pura imaginação, pode ser que eu me engane e que tal tenha sido a resposta de Salazar.”…
    Permita-me afirmar fundamentamente que “estas situações existiram no passado longínquo, mais próximo e na actualidade. As decisões, muitas vezes, não são tomadas por quem tem legitimidade para decidir, mas por grupos ou indivíduos que exercem abusivamente diferentes formas de poder na" máquina do Estado" e do poder político, por vezes, de forma subtil”.
    Como nos diz Frei José Carlos …“Esperamos que outra documentação, ou outras informações, que nos chegue às mãos nos ajude a compreender todos os meandros desta história e o papel cabal de cada um dos seus intervenientes.”
    Obrigada pelas partilhas. Ficamos a saber um pouco mais sobre os esforços feitos para a restauração da Província. Bem-haja.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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