domingo, 20 de novembro de 2011

Homilia do XXXIV Domingo do Tempo Comum – Solenidade de Cristo Rei

Celebramos hoje a Solenidade de Jesus Cristo Rei do Universo e com ela damos por terminado mais um ano litúrgico. Paralelamente também a leitura do Evangelho de São Mateus conclui um capítulo importante desse mesmo Evangelho.
Um capítulo onde nos confrontámos com as parábolas das virgens loucas e sensatas e a necessidade de vigilância, depois com a parábola dos talentos e a necessidade de fazer produzir os dons que Deus nos confiou, e hoje nos confronta com as obras que podemos e devemos praticar nesse tempo de vigilância e no sentido da frutificação dos nossos dons, para que possamos partilhar da alegria e da intimidade do nosso Senhor.
É um texto que conclui o capítulo vinte e cinco mas que difere do texto das parábolas, pois nestas fala-se sempre de uma semelhança ao Reino de Deus, de realidades possíveis, da proposta de algo a realizar, e aqui estamos diante de uma realidade que já não é uma semelhança, mas um acontecimento muito concreto, o momento do juízo, da prestação de contas, o momento da vinda do Filho do Homem.
E é nesse momento que a realeza de Jesus, do Filho do Homem, que hoje celebramos, se manifesta em toda a sua glória eterna, na medida em que exercendo a justiça que lhe é natural outorga a cada um o quinhão da herança prometida e destinada desde o princípio dos tempos, ou a condenação em virtude da falta de azeite e frutos dos talentos recebidos.
Um juízo que não podemos conceber sem piedade, sem compaixão, tirânico, porque sabemos que Deus quer que todos os homens se salvem, partilhem dessa herança da eternidade e filiação divina; mas que também não podemos conceber faltando à verdade, e sobretudo a essa verdade de que Deus não nos pediu nem nos pede muito para podermos gozar da sua alegria.
Neste sentido a leitura de hoje de São Mateus é extremamente ilustrativa e pedagógica porque o acesso ao gozo da herança eterna não depende apenas de um único elemento, de um único facto. Jesus ao acolher os eleitos da sua direita menciona uma diversidade de tarefas, de actividades pelas quais podemos manifestar a caridade, viver o mandamento do amor, e fazer frutificar os dons recebidos. Dar de comer, dar de beber, vestir, assistir, visitar, acompanhar, partilhar, são muitas possibilidades para que nos possamos desculpar de não saber o que fazer ou de não poder fazer nada.
E depois, o acolhimento de Jesus, essa participação da glória, não é porque fizemos coisas extraordinárias, grandiosas, mas porque fizemos o que estava ao nosso alcance. Neste sentido, a condenação não resultará porque não libertámos aquele que estava preso, ou não curámos aquele que estava doente, mas porque estando presos ou doentes os fomos visitar e os fomos ver. É claro que se temos o poder e a capacidade de libertar e curar, devemos fazer tudo para que isso aconteça, é afinal fazer render os talentos de acordo com a nossa capacidade, mas se não temos, podemos e devemos fazer render o que está ao nosso alcance, o que nos é possível.
O exercício destas actividades, daquilo que chamamos obras de misericórdia, desafia-nos hoje de uma forma surpreendente, quase que poderia dizer tragicamente gritante. A nossa ideia de justiça, a defesa dos direitos de todos por todos, uma boa dose de egoísmo e conformismo face a necessidades que pouco têm de vitais, levam-nos a descurar muitas destas pequenas oportunidades de fazermos frutificar os dons recebidos e de viver o mandamento do amor que Jesus nos deixou.
Quantas pessoas estão nos hospitais e nos lares de idosos sem qualquer visita? E nós com tempo para passar uma tarde mirando as montras de qualquer centro comercial, apenas para passar o tempo, porque até não precisamos de comprar nada.
Quantos vizinhos isolados que não têm ninguém com quem partilhar o pobre chá que tomam? E nós empanturrando-nos de pipocas com um comando de canais de televisão na mão, qual ceptro de um rei.
Quantos cachorros ocupam os nossos apartamentos, nos obrigam a levantar cedo e faça chuva ou faça sol temos que levar a passear? E falta-nos o espaço e o tempo para o avô e a avó, ou pior ainda, para um filho. Dão tanto trabalho e não os podemos abandonar no canil quando já estivermos fartos.
Quantos colegas e companheiros de trabalho estão sobrecarregados de trabalho? E nós desfrutando de mais um jogo no computador, sem um gesto de ajuda e partilha.
Como nos poderemos desculpar de tudo isto e tantas outras coisas que estão à nossa mão? Não deveríamos fazer da compaixão um mote da nossa vida, cientes de que o mais pequeno gesto para com qualquer um mais pequeno, mais fraco ou necessitado está ao nosso alcance e é a viabilização do acesso à promessa de Deus e da sua glória?
São Paulo na Primeira Epistola aos Coríntios diz-nos que é necessário que Jesus reine até que submeta todos os seus inimigos debaixo dos seus pés. Ao viver a caridade e a compaixão, ao exercitar esses pequenos gestos de misericórdia, cada um de nós está a contribuir com a sua capacidade e com o seu esforço para a vitória destes inimigos que o Senhor combate e deseja submeter, para a instauração do seu Reino. De acordo com a sua promessa temos a garantia de participar e partilhar da sua vitória final.
Quem de nós não deseja estar do lado dos vencedores? Já só este desejo tão mundano e humano nos deveria mover a fazer alguma coisa de diferente. Que o Senhor desperte em nós esse desejo de participar da sua vitória, porque venceremos com ele a morte.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Ao ler este texto do Evangelho de S.Mateus,é uma realidade,como fazemos frutificar os talentos que Deus nos dá a cada um de nós.É um ponto muito importante para a nossa Meditação.Obrigada Frei José Carlos,pela partilha maravilhosa deste belo texto.Ajudou- me a meditar mais profundamente a Palavra de Deus.Gostei muito a maneira clara como aborda este Evangelho.Frei José Carlos,desejo-lhe uma boa semana,e que o Senhor lhe conceda muita saúde,o ilumine e o proteja sempre.
    Bem-haja,Frei José Carlos.
    Um abraço fraterno.
    AD

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  2. Frei José Carlos,

    A Homilia do XXXIV Domingo do Tempo Comum – Solenidade de Jesus Cristo Rei do Universo que partilha connosco, salienta-nos que a realeza de Jesus, do Filho do Homem manifesta-se num ...” acontecimento muito concreto, o momento do juízo, da prestação de contas, o momento da vinda do Filho do Homem.”
    Mas a realeza de Jesus não é semelhante à realeza terrena mas uma realeza espiritual que se manifesta com um único critério o do amor e da misericórdia para salvação de todos os seres humanos.
    Como nos recorda, tendo presente a leitura de hoje do Evangelho de São Mateus, o acolhimento de Jesus dependerá das actividades que realizámos de acordo com as nossas capacidades e do que fizemos aos nossos irmãos especialmente os mais necessitados, da forma como participámos na construção do Reino de Deus.
    O texto que escreveu desassossega-nos, desinstala-nos, interrogando-nos. E ao citar São Paulo na Primeira Epístola aos Coríntios exorta-nos e reconforta-nos ...” Ao viver a caridade e a compaixão, ao exercitar esses pequenos gestos de misericórdia, cada um de nós está a contribuir com a sua capacidade e com o seu esforço para a vitória destes inimigos que o Senhor combate e deseja submeter, para a instauração do seu Reino. De acordo com a sua promessa temos a garantia de participar e partilhar da sua vitória final.”
    Que o Senhor nos ilumine no nosso peregrinar para na nossa condição estarmos disponíveis e abertos a passar das palavras aos actos, participando na construção de um mundo de paz, mais justo e mais solidário.
    Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha desta profunda e desassombrada Homilia. Bem-haja.
    Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva
    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto de uma oração.

    A ESTRADA DA MISERICÓRDIA

    Faz-nos trilhar, Senhor, a estrada da Misericórdia. Dá a cada um de nós a capacidade de acolher apenas, sem juízos prévios, nem cálculos.
    Dá-nos a arte de acolher o trémulo, o ofegante, o frágil modo com que a vida se expressa.
    Torna-nos atentos ao desenho silencioso e áspero dos dias: à dor profunda e, porém, quase
    anónima a nosso lado; ao grito sem voz; às mãos que se estendem para nós sem as vermos;
    à necessidade que nem encontra palavras. Ensina-nos que fomos feitos para Misericórdia e que ela é a Sabedoria que Tu, Senhor, mais amas.

    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)

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