quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O Facho Nº1 - 7 de Março de 1947

O FACHO Nº1 – 7 de Março de 1947.
Seminário Dominicano
Aldeia Nova - Olival

Duas Palavras
Há muito que estava projectada esta folha que hoje vê a luz do dia com grande modéstia e humildade. Várias dificuldades se têm oposto ao seu aparecimento mas são agora vencidas num arrojo de coragem e confiança. Esperamos que o nosso Órgão continue a singrar e veja brevemente melhoradas as boas condições de existência. Havia de ser impresso numa tipografia, estavam até as coisas já encaminhadas para isso, mas por agora sai todo feito em nossa casa e com os meios tipográficos de que dispomos. Tem assim mais valor aos nossos olhos e há-de ter também aos dos nossos leitores, porque é mais obra nossa, trabalho das nossas mãos.
“O Facho” como o nome indica será alguma coisa daquela luz misteriosa que simboliza a S. Domingos iluminando o mundo com a sua pregação e a sua doutrina. É atrevimento da nossa parte adoptar tal título? O certo é que por vocação pertencemos à Ordem da Verdade, cujo facho deve alumiar a todos.
Mas a finalidade de “O Facho” é mais modesta, quer ser apenas um traço de união que nos ligará aos nossos amigos e benfeitores, uma espécie de carta de família que o Seminário Dominicano lhes envia. Devemos dar notícias da nossa vida a todos os que se interessam por nós, a todos os que por esse Portugal fora se sentem felizes com saber que nesta casa se preparam um punhado de futuros Apóstolos de Maria e do seu Rosário. Dir-lhes-emos o que somos, o que fazemos, como vivemos. E agradecer-lhes-emos os sacrifico que têm feito por nós. Sim, os sacrifícios, não esqueceremos que esta obra tem vivido exclusivamente de sacrifícios. Esta folha, esta carta “O Facho” levar-lhes-á a nossa gratidão, dir-lhes-á que todos os dias os recomendamos nas nossas orações.
Não prometemos regularidade na sua publicação, para não faltarmos; mas esforçar-nos-emos para que saia o maior número de vezes possível.
A Redacção.
DECULPAR, é o que os nossos leitores terão a bondade de fazer se encontrarem este número mal impresso. As nossas artes gráficas são de antes da invenção da imprensa e os nossos artistas não andaram na escola.

O Nosso Padroeiro
Quando em Janeiro passado procedíamos à tradicional cerimónia da tiragem dos Santos Padroeiros do Ano, tivemos uma agradável surpresa. Coube-nos em sorte S. Tomás de Aquino e foi-nos indicada como virtude a praticar especialmente durante o ano a pureza. Não podia ser melhor, S. Tomás fora declarado por Leão XIII padroeiro de todas as escolas católicas. Já por este título era nosso Padroeiro ficou sendo este ano a um título especial.
Por isso quisemos que este primeiro número do nosso jornal saísse a comemorar a sua festa e lhe fosse dedicado na sua maior parte.

São Tomás Modelo do Apostólico Dominicano
Aparecendo o jornal do nosso Seminário nas vésperas da festa de São Tomás de Aquino, não podemos deixar de evocar a figura mais insigne da Ordem e certamente uma das mais ilustres da Igreja Católica. Como as colunas do nosso jornal não podem transcrever longos artigos vou simplesmente apresentar o nosso grande Santo como modelos do Seminarista Dominicano. Se todas as virtudes existiram em S. Tomás a ponto de o tornarem o “santo mais sábio e o mais santo”, há duas que brilharam com singular resplendor: a sua grande pureza e a sua humildade. Foram estas duas grandes virtudes que o tornaram amado de Deus e querido dos homens, e são estas também as que devem brilhar em todos os estudantes, nomeadamente no estudante dominicano.
Por meio da virtude da pureza dominam-se as paixões da carne e luta-se contra as tentações do demónio e atractivos do mundo. Para fugir às seduções do mundo, Tomás encerra-se no convento e veste o hábito branco de S. Domingos, símbolo da pureza que deve reinar em todos os dominicanos.
Os seus irmãos quiseram arrancar-lho, mas em vão. Consente em os acompanhar, mas sem deixar essa couraça que o protegerá dos assaltos do mundo. Levado para um dos castelos da família senta-se ao lume para se aquecer e descansar da longa viagem. Entretanto os seus irmãos saem da sala e vão preparar a grande cilada. Pouco depois entra uma donzela em trajos desonestos e com palavras insidiosas. Percebendo os seus intentos, arremete contra ela com uma cavaca que ardia na fogueira junto à qual se aquecia. Vitorioso nesse combate, traça na parede o sinal que o tornou vencedor e prostrado por terra ora, agradece, pede novas forças.
Dois pajens de Deus fazem-se pajens de Tomás, trazendo-lhe o prémio do combate, um cordão com o qual lhe cingem os rins. Cordão que ele conservará até à sua morte atado à cintura. Esta vitória garantiu-lhe a imunidade contra toda a tentação carnal durante toda a sua vida. O Beato Reginaldo que lhe ouviu a sua última confissão, confissão geral de toda a sua vida, disse “que o tinha encontrado puro como uma criança de cinco anos”. Como Tomás, também o estudante dominicano deve lutar contra as tentações da carne, do demónio e do mundo se quiser guardar intacta a sua inocência baptismal.
Disse também que uma das virtudes que mais brilharam na vida de S. Tomás foi a sua humildade. Filho dos nobres Condes de Aquino prefere a humilde cela do convento aos quartos luxuosos do palácio da família; a humilde libré branca e preta dos frades pregadores às roupagens faustosas da corte.
Nos estudos procura ocultar-se e aparecer aos olhos dos seus condiscípulos como rapaz de poucos talentos. Não revela a sua ciência, prefere ser tratado como “boi mundo”. E quando é necessário sair à arena, conserva-se sereno nas suas controvérsias, modesto na sua exposição, suave nas respostas aos seus contraditores, ainda os mais descorteses, violentos ou desleais.
Recusa as honras. Várias vezes o Papa lhe oferece o arcebispado de Nápoles e Reginaldo, seu fiel companheiro ao ver Tomás enfermo perde a esperança de o ver elevado à dignidade cardinalícia.
São Tomás ao vê-lo lamentar-se da sua enfermidade responde ao desejo: “Meu filho não te inquietes com isso. Entre outras graças eu pedi a Deus me conservasse sempre como simples religioso”. A sua prece foi ouvida. Deus quis levá-lo antes dos homens o elevarem à grande dignidade cardinalícia como elevaram S. Boaventura, seu grande amigo, se assistisse ao Concilio de Leão. Uma doença o surpreendeu na sua viagem para o Concilio e a morte o arrebatou a todas essas dignidades.
Mas qual foi o segredo da sua fidelidade à graça e como obteve um tão alto grau de santidade? Foi certamente a sua constância. Mas quem o protegeu e lhe alcançou graças tão extraordinárias? Foi sem dúvida alguma a Santíssima Virgem pela qual nutria uma terna e filial devoção. Seria interessante poder transcrever na íntegra a oração que S. Tomás compôs a pedir à Santíssima Virgem que lhe alcançasse todas as virtudes; mas como não pode ser, transcrevemos somente as passagens que dizem respeito às virtudes da pureza e humildade.
“Dignai-vos Senhora obter-me do vosso muito amado Filho a graça de poder resistir corajosamente às tentações do mundo, da carne e do demónio. Eu vos peço também Virgem Santíssima me alcanceis verdadeira obediência, uma verdadeira humildade de coração… Alcançai-me ainda a perpétua castidade de alma e de corpo. Que eu sirva na vossa Ordem com um coração puro e um corpo casto o vosso Filho e a Vós”.
São Tomás é pois o nosso modelo, não só na prática das virtudes da pureza e humildade mas também na maneira de as pedir.
Fr. E.F. [Estêvão Faria, Director Espiritual do Seminário]

O Nosso Superior
É com a maior alegria que neste primeiro número saudamos o nosso Superior Provincial o Reverendíssimo Padre Tomás Videira. Em primeiro lugar porque passa hoje, 7 de Março, a sua festa onomástica. Por este motivo pedimos fervorosamente ao seu e nosso patrono S. Tomás de Aquino se digne obter-lhe do céu copiosas graças. Depois desejamos saudá-lo também pelo muito que lhe devemos. Sua Reverência desde que aceitou o governo da nossa Província não se tem poupado a esforços para a sua restauração. O seu primeiro cuidado foi reabrir o Seminário fechado temporariamente em 1938. O nosso Seminário tem sido sempre a menina dos seus olhos, o objecto das suas melhores esperanças. Prometemos fazer da nossa parte o possível para correspondermos aos seus desejos. Publicamos noutro lugar uma saudação que lhe é dirigida pelo aluno mais adiantado.

Saudação
É na qualidade de aluno mais velho e por isso obrigado pela obediência, que tomo a palavra para saudar em nome de todos os Apostólicos Dominicanos o Muito Reverendo Padre frei Tomás Maria videira, nosso querido Superior.
Se é sempre com grato prazer que os Dominicanos portugueses comemoram, a festa onomástica do seu venerando Superior, tanto maior será o dos Seminaristas da Escola Apostólica de Aldeia Nova, futuros Sacerdotes e Religiosos, visível esperança para a Restauração em Portugal da Sagrada Ordem dos Pregadores.
Pena é que Sua Reverência não nos possa visitar mais vezes, pois a sua presença anima e encoraja os tímidos ou hesitantes e fortalece os fortes.
Mas isso é-lhe impossível. Bem o compreendemos e por isso contentamo-nos com as suas visitas quase de fugida.
E, no dia 7, dia do grande S. Tomás de Aquino, o Príncipe dos Teólogos Católicos, e este ano o Padroeiro do nosso Seminário, em que a Igreja honra um dos seus maiores Santos; em que a Ordem recorda a sua segunda Glória; e em que a Província Lusitana celebra a festa do seu Superior, nós, os pequenos habitantes deste Seminário, venceremos a distância que nos separa, e estaremos em espírito todos unidos, para tributarmos a Sua Reverência, a homenagem que lhe é devida pelos seus contínuos trabalhos a favor da Causa Dominicana.
Que Deus por intermédio de Nossa Senhora, Padroeira da nossa Ordem; e de São Domingos e São Tomás, conserve por muitos anos a preciosa vida de Sua Reverência.
São estes os votos que os Apostólicos pedirão ao Senhor no “memento”, para quem tão bem os dirige.
Nada mais resta acrescentar. Apenas com súbditos dóceis e humildes, desejamos receber de Sua Reverência uma bênção especial, que seja penhor de abundantes graças celestes.
A.L.

Crónica Breve
No dia 24 de Dezembro passava Nossa Senhora de Fátima em Vila Nova de Ourém, no regresso da sua viagem apostólica à capital do Império. Lá fomos também prestar-lhe as nossas homenagens filiais.
Natal: Passámo-lo alegremente no Seminário. Alguns alunos, porém, foram passar algumas horas em suas famílias.
Carnaval: Como de costume aproveitámos estes 3 dias de férias para retemperar as forças espirituais das nossas almas no Retiro. À noite fizemos durante os 3 dias a Hora Santa.
Exames: Nos primeiros dias de Março tivemos os tradicionais exames do meio do ano. Felizmente as raposas nesta quadra do ano estão em hibernação e não deram aos povoados.
Festa de São Tomás: Tudo se prepara para imprimir o maior brilho possível à festa de São Tomás. Temos razões de sobra para isso.
Verdade e Vida
Revista de Doutrina Católica, que todos os nossos amigos devem assinar.
Rua Clemente Meneres, 88 – Porto.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Obrigada pela partilha do nº1 do Facho, datado de 7 de 1947, publicação do Seminário Dominicano de Aldeia Nova - Olival. É uma preciosidade por diferentes razões: pelo conteúdo, pelo carácter formativo e informativo, pelo esforço, pela dedicação, pelo amor com que é feito, pela caligrafia, pelas colunas traçadas talvez com régua e esquadro e que interessante poder observar a estampilha postal de $05 (creio). Não negando a importância da utilização de certos meios que nos podem libertar para outras acções, na realidade quando se participa deste esforço sem medida, de forma artesanal, para conseguir determinado objectivo, com alegria, motivação, somos capazes de apreciar o resultado de outra forma, de valorizar o que conseguimos. ...” Tem assim mais valor aos nossos olhos e há-de ter também aos dos nossos leitores, porque é mais obra nossa, trabalho das nossas mãos”, como nos diz a Nota da Redacção.
    Bem-haja, Frei José Carlos, por esta interessante, profunda e bela partilha desta …” espécie de carta de família”…. que li com muito interesse e satisfação. É, afinal, muito mais que uma carta de família.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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