domingo, 6 de novembro de 2011

Homilia do XXXII Domingo do Tempo Comum

As leituras deste domingo, Livro da Sabedoria, Carta de São Paulo aos Tessalonicenses, e Evangelho de São Mateus caracterizam-se pela presença de um mesmo conceito, de uma mesma dinâmica, que não podemos deixar de ter presente e pressenti-la na nossa vida. Nos três textos da Liturgia da Palavra está presente a realidade do encontro, da Sabedoria que vem ao nosso encontro, de irmos ao encontro de Cristo no final dos tempos, e do encontro para o qual partem as dez virgens mas que só para cinco chega de verdade a acontecer.
É um processo, uma dinâmica, no qual nos temos que reconhecer e envolver, porque de facto a Sabedoria vem ao nosso encontro. Como nos diz a leitura que escutámos, ela vem ao encontro daqueles que a desejam, que a buscam, que colocam algum empenho em encontrá-la, que vivem um pouco esse sair de si e de casa, como as virgens da parábola, para ir ao seu encontro.
E encontramo-la manifesta nas obras da criação, na obra de Deus, no homem enquanto criatura capaz de fazer o bem, de buscar o belo e amar o outro. Encontramo-la de uma forma objectivamente manifesta no mistério da encarnação, nesse assumir pelo Filho de Deus da natureza humana para revelar nela toda a verdade divina. Como nos diz São João o que era no princípio manifestou-se aos nossos olhos, nós vimo-lo, e portanto testemunhamos porque nos encontrámos.
Neste processo do encontro não podemos esquecer também, como nos diz São Paulo, que um dia iremos a um encontro definitivo. São Paulo diz aos Tessalonicenses que não quer que eles fiquem na ignorância e neste sentido também nós não podemos querer situar-nos nessa dimensão. Seria querer não ver o que afinal é óbvio e bem visível. Há um encontro final, um abrir e cerrar de porta, pela qual temos que passar, e é bom que estejamos conscientes da bagagem que nos faz falta, ou do azeite da parábola que não temos.
A filosofia capitalista do consumo, o hedonismo que mais ou menos nos molda nos valores da satisfação imediata, não nos deixam ver a necessidade de preparar um futuro e uma bagagem que nada têm de material e produtivo, que são apenas contabilizáveis numa óptica de amor e gratuidade, de uma reciprocidade e retribuição divina que o mundo parece que excluiu ou não quer saber. E contudo, ninguém nos pode negar a finitude, ela é fatalmente óbvia, ainda que a camuflemos sob coroas de flores.
Por isso é importante assumirmos essa realidade de sair ao encontro, de sair aos encontros que nos preparam para o último e final encontro. Mas temos que o fazer como as virgens sensatas da parábola, preparados com a lâmpada e a reserva de azeite para a manter acesa.
Neste sentido, é importante perceber que a parábola das dez virgens é o remate de um pequeno conjunto de parábolas, que vão em crescendo, e que se centram na necessidade da vigilância. E depois, que ela se complementa com a parábola dos talentos e essa participação na alegria do Senhor daqueles que foram capazes de pôr os talentos a render de acordo com as suas capacidades. As virgens sensatas participam assim na alegria do Senhor que chega, mas tal acontece porque se mantiveram vigilantes, e nessa vigilância foram capazes de se precaver para a demora e a espera, multiplicando com os talentos recebidos o azeite que ilumina a noite.
Ainda tendo em conta a parábola, na sua composição e apresentação, não podemos esquecer que as virgens formam um grupo, que ainda que nos seja dito que cinco são néscias e cinco prudentes, elas, desde o primeiro momento, são apresentadas como uma semelhança ao Reino de Deus.
Ou seja, a prudência e a loucura face ao Reino de Deus coexistem e apenas se manifestam na sua disparidade e diferença no momento em que na noite se ouve o grito de que o Esposo chega. É perante essa realidade eminente da chegada que se manifesta o que foi feito, a reserva que as virgens foram capazes de acumular ou salvaguardar.
Podemos dizer que, à semelhança dos talentos que são distribuídos a cada um dos trabalhadores, também as virgens, e por isso partem conjuntamente ao encontro do esposo, receberam a dose de azeite que lhes competia; mas, enquanto umas foram capazes de o guardar, de o fazer render, as outras esqueceram-se dele e não o souberam guardar ou, pior ainda, desperdiçaram-no tal qual filho pródigo depois de abandonar a casa do pai com a sua parte da herança.
Também cada um de nós recebeu a sua lâmpada e a sua dose de azeite, pelo baptismo da fé em Jesus Cristo e por essa consciência clara de eleição filial que nos coloca em caminho e processo de encontro definitivo com Deus. Mas, tal como avisa Jesus, não sabemos a hora a que chega o noivo e por isso é necessário não só manter acesa a chama como constituir uma reserva para enfrentar os momentos de espera. Necessitamos voltar sempre ao dom da fé, ao reencontro com Deus, e à caridade que nos confronta com os outros para atravessar a noite escura.
Peçamos por isso ao Senhor que mantenha em nós acesa essa luz que nos faz procurá-lo, que nos impulsiona ao seu encontro, e que saibamos através dessa busca testemunhar que a verdadeira partilha de azeite, a caridade que nos devemos e parece que falta nas virgens, é antes de mais manter em aberto, como uma urgência, o apelo à vigilância e à busca da sabedoria verdadeira que é Deus.







1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Leio, volto a ler, medito no texto da Homilia do XXXII do Tempo Comum e vou procurar na poesia de um outro dominicano um poema que me (nos) possa igualmente falar sobre a sabedoria. Porquê? Porque encontro no texto partilhado a espiritualidade mas também está presente a beleza no que teceu sobre a liturgia deste domingo. É profundo. A sabedoria, como nos diz, ...” encontramo-la manifesta nas obras da criação, na obra de Deus, no homem enquanto criatura capaz de fazer o bem, de buscar o belo e amar o outro. Encontramo-la de uma forma objectivamente manifesta no mistério da encarnação, nesse assumir pelo Filho de Deus da natureza humana para revelar nela toda a verdade divina”….
    Mas vai mais longe quando nos salienta as várias formas de procura, de compromisso para o encontro com Deus, do ...” apelo à vigilância e à busca da sabedoria verdadeira que é Deus”. E passo a transcrever.
    …” Neste sentido, é importante perceber que a parábola das dez virgens é o remate de um pequeno conjunto de parábolas, que vão em crescendo, e que se centram na necessidade da vigilância. E depois, que ela se complementa com a parábola dos talentos e essa participação na alegria do Senhor daqueles que foram capazes de pôr os talentos a render de acordo com as suas capacidades. As virgens sensatas participam assim na alegria do Senhor que chega, mas tal acontece porque se mantiveram vigilantes, e nessa vigilância foram capazes de se precaver para a demora e a espera, multiplicando com os talentos recebidos o azeite que ilumina a noite.(…)
    …” Também cada um de nós recebeu a sua lâmpada e a sua dose de azeite, pelo baptismo da fé em Jesus Cristo e por essa consciência clara de eleição filial que nos coloca em caminho e processo de encontro definitivo com Deus. Mas, tal como avisa Jesus, não sabemos a hora a que chega o noivo e por isso é necessário não só manter acesa a chama como constituir uma reserva para enfrentar os momentos de espera. Necessitamos voltar sempre ao dom da fé, ao reencontro com Deus, e à caridade que nos confronta com os outros para atravessar a noite escura”….
    E para que Deus mantenha viva a nossa fé, a luz interior que habita em nós e a reforce, façamos nossas as palavras do Frei José Carlos e …” Peçamos por isso ao Senhor que mantenha em nós acesa essa luz que nos faz procurá-lo, que nos impulsiona ao seu encontro, e que saibamos através dessa busca testemunhar que a verdadeira partilha de azeite, a caridade que nos devemos e parece que falta nas virgens, é antes de mais manter em aberto, como uma urgência, o apelo à vigilância e à busca da sabedoria verdadeira que é Deus.”
    Obrigada, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, importantes e belas que vêm ao encontro da nossa realidade. Bem-haja.
    Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe um poema de Frei José Augusto Mourão.

    da sabedoria
    I
    Deus, dá à nossa vida o amor da sabedoria/que é o amor da vida/o amor do conhecimento do bem e do mal/

    dá à nossa vida a sabedoria dos contrários, da angústia ao riso/do caminho ao cimo/onde tu esperas,/

    Deus, que invocamos neste fim do dia,/ no lusco-fusco das imagens e da fé/
    II

    Deus, Sabedoria dos humildes,/ensina à nossa vida a arte de viver/ a justa relação com o mundo/

    Que a Sabedoria em nós se cumpra/na sociedade do homem e da mulher/com os filhos que os continuam,/
    No leito dos doentes e moribundos/ e todos os que o sofrimento experimentou

    e que a nossa fé seja vivida/como a resposta viva a um desejo,/obedecendo ao apelo de criar/o seu próprio relevo

    assim saberemos acolher o invisível/que nos olha/porque Jesus Cristo, ícone do Deus invisível,/
    imagem desfigurada-transfigurada/nos acolhe/nos cimos da vida/
    e o Espírito Criador nos molda

    (In, “O nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)

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