domingo, 19 de maio de 2013

Homília do Domingo de Pentecostes

Celebramos hoje o Domingo de Pentecostes e com ele colocamos um ponto final no Tempo Pascal que temos vindo a celebrar, tempo que após a celebração da Páscoa da Ressurreição de Jesus nos fez tomar mais consciência desse mesmo mistério.
Ao concluirmos o Tempo Pascal com a Solenidade do Pentecostes, com a comemoração da descida do Espirito Santo sobre os apóstolos, tomamos igualmente consciência deste dom e da sua realidade e significado na nossa vida de crentes e fiéis.
Antes de mais, partimos da constatação que os textos bíblicos não tiveram uma tarefa fácil para definir e apresentar aquele que no Credo dizemos que é a terceira pessoa da Santíssima Trindade. Assim, o que encontramos são sempre imagens, metáforas, que nos levam a um contacto, a um conhecimento, mas um conhecimento sempre outro, sempre diferido, se assim podemos dizer.
Nas leituras que escutámos, dos Actos dos Apóstolos e do Evangelho de São João, o Espirito Santo é por um lado apresentado como fogo, línguas de fogo que pairam sobre as cabeças dos Apóstolos, e por outro lado é apresentado como um sopro de Jesus enviado sobre os Apóstolos.
Em outros textos bíblicos além destas duas imagens encontramos também a imagem da água, da nuvem, da pomba, do óleo, da luz, da mão, da unção, da força, um conjunto diverso de realidades humanas e naturais que procuram exprimir aquele que afinal é inefável, inexprimível.
Tal realidade não impede, no entanto, que sejam apresentadas condições para o seu acontecimento, para a sua realidade e presença entre nós, para a sua vinda, como podemos constatar na leitura do Evangelho de São João.
A primeira condição apresentada pelo texto, e reforçada pelas próprias palavras de Jesus no momento da promessa do envio do Espirito Santo aquando da última ceia, é a unidade entre os discípulos e dos discípulos com Jesus.
Antes da paixão Jesus pediu aos discípulos que não se afastassem de Jerusalém, que se mantivessem unidos apesar do que parecia um fim desastroso. Por isso os encontramos unidos, encerrados em casa por medo, mas unidos no mesmo temor e na mesma expectativa.
Hoje, não podemos pensar que esta condição esteja ultrapassada, pois continua a ser necessário que haja unidade entre nós para que o Espirito Santo venha. Por isso quando vemos discussões, movimentos, reclamações na Igreja e nas nossas comunidades que conduzem à dispersão e fragmentação podemos e devemos interrogar-nos sobre a fidelidade ao Evangelho e a existência de um substrato de unidade para que o Espirito Santo se manifeste entre nós.
Apesar da diversidade de dons e ministérios, como diz São Paulo aos Coríntios, não podemos esquecer nem prescindir de que haja um só Espirito, e que seja o Espirito que Jesus Cristo enviou aos seus Apóstolos. A pluralidade e diversidade eclesiais não podem esquecer o princípio que pela unidade lhes transmite a vida necessária.
Nesta unidade que é condição necessária para a vinda do Espirito Santo, a outra dimensão exigida é a da nossa unidade eclesial e pessoal com Jesus, essa unidade expressa no gesto de Jesus apresentar o lado e as mãos feridas. São as marcas da paixão, do pecado e da morte, mas são igualmente as marcas da presença, as marcas da vida e do resgate pago pela salvação de todos.
Ali todos estamos unidos e reunidos e portanto nada nos pode separar senão a nossa própria liberdade e decisão de não nos querermos unir, de não nos deixarmos unir, de nos excluirmos.
A outra condição exigida para a vinda do Espirito Santo, para que ele se faça presente em nós e entre nós, é a paz, a paz que deve habitar nos nossos corações. Realidade difícil de alcançar quando vivemos no medo, encerrados por temor, vazios de esperança e de confiança.
O texto do Evangelho mostra-nos um grupo de discípulos fechados por medo, por falta de confiança nas palavras de Jesus, na sua promessa de que não os abandonaria apesar da tragédia da morte. É a presença ressuscitada e a reafirmação da missão de envio que lhes tinha sido entregue que os faz reaver a confiança e a ousadia do anúncio.
Também nós necessitamos reaver e redescobrir a esperança e a alegria nas promessas de Jesus, na promessa de que estará connosco na missão que nos confiou de construirmos um mundo melhor apesar das dificuldades, das nossas limitações e fracassos.
Unidos como um corpo, alicerçados na Palavra que não passa, e confiantes de que o Senhor permanece connosco no seu Espirito, podemos avançar para o combate de traduzir em todas as línguas a única Palavra que salva e vivifica, a Palavra do Amor, e podemos avançar para a edificação do Reino de Deus nesta história e neste mundo.

 
Ilustração: Pintura do Pentecostes que se encontra no Museu do Tesouro da Catedral de Burgos.

2 comentários:

  1. Confiemos no Espírito que não passa e não deixemos que os conflitos, as incompreensões, as coisas que nos desagradam nos outros afectem a alegria que a palavra de Jesus deve produzir em nós. Inter Pars

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  2. Frei José Carlos,

    No texto da Homília da Solenidade de Pentecostes que elaborou, como nos recorda …” os textos bíblicos não tiveram uma tarefa fácil para definir e apresentar aquele que no Credo dizemos que é a terceira pessoa da Santíssima Trindade” (…) mas …”Tal realidade não impede, no entanto, que sejam apresentadas condições para o seu acontecimento, para a sua realidade e presença entre nós, para a sua vinda, como podemos constatar na leitura do Evangelho de São João.” …
    Ao falar-nos das condições para que a vinda do Espírito Santo ocorra desde as … “palavras de Jesus no momento da promessa do envio do Espirito Santo aquando da última ceia” nas várias dimensões e que se baseiam particularmente no princípio da unidade entre os vários grupos ou instituições, e na fidelidade ao Evangelho, como afirma … “Apesar da diversidade de dons e ministérios, como diz São Paulo aos Coríntios, não podemos esquecer nem prescindir de que haja um só Espirito, e que seja o Espirito que Jesus Cristo enviou aos seus Apóstolos.”…
    Não podemos deixar de reflectir na unidade do corpo e do espírito de cada um nós, tendo necessidade, muitas vezes, de reconciliar-nos com o nosso próprio corpo, esse invólucro que acolhe o Espírito, num processo constante de renovação, de movimento em que a ternura e o amor estão presentes com a consequente transformação para que a paz esteja connosco e a possamos transmitir e como Frei José Carlos salienta e exorta-nos …”Unidos como um corpo, alicerçados na Palavra que não passa, e confiantes de que o Senhor permanece connosco no seu Espirito, podemos avançar para o combate de traduzir em todas as línguas a única Palavra que salva e vivifica, a Palavra do Amor, e podemos avançar para a edificação do Reino de Deus nesta história e neste mundo.“
    Grata, Frei José Carlos, pela profunda e bela Homilia que partilha, ao abordar um assunto que me parece sempre difícil ciente da pouca informação que tenho e que conseguiu fazê-lo de forma clara e que nos enriquece e ajuda nas nossas reflexões e dúvidas. Bem-haja. Que o Senhor o ilumine, o guarde e abençoe.
    Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me que partilhe de novo um poema de Frei José Augusto Mourão, OP e um link com um dos cânticos de Taizé “Veni Sancte Spiritus”.


    veni Sancte Spiritus


    vem, Espírito de Deus/vem como uma noite de fogo/e acorda o que em nós, na luz do dia, dorme/

    vem, memória aberta, sobre o que acontece/ e cumpra-se o que às nossas pobres visões presentes falta/

    vem, memória da casa, de corpo não enclausurada/ e que se desloque quando nos movamos/

    vem, motor do devir, que deixa a cada um o seu crescimento,/ a sua diferença e a sua desordem/

    vem, deslocação da estância, negação da estatística e do algoritmo,/que nos ensina a ordem através do ruído/
    e que só na mobilidade encontras o repouso/

    vem, força de Deus, deslocação do ponto fixo,/da casa murada e fria e defendida:/
    que um terramoto faça tremer a língua e estremecer o corpo/que não é neutro nunca se o calor o habita/

    vem, sabedoria, dizer à nossa vida que o racional é lacunar,/efeito de margem, e só há saber das ilhas/
    vem ensinar à nossa vida a finitude/e que recebamos sem êxtases inúteis nem cegueira/
    o invisível que em nós trabalha o barro/

    vem, amor derramado em nossos corações,/vem lembrar que um coração frio/
    não pode compreender uma palavra de fogo/ e que só há vida e piedade e coragem porque o amor nos move/

    vem, instante de fogo e de ternura,/alegria sem medo do ilimitado do corpo e do ilimitado do dom/
    que invocamos neste fim de tarde/ e que nos ensinas a rezar

    (In, “O Nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)


    http://www.youtube.com/watch?v=WmxXwAgkhWQ (Veni Sancte Spiritus)

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