Celebramos hoje a
Solenidade da Santíssima Trindade, o mistério de Deus uno e trino, um Deus
único em três pessoas.
Mistério que ultrapassa
as nossas capacidades de conhecimento e compreensão, pois a sua natureza divina
é inabarcável pela nossa capacidade finita e humana.
Na história e
espiritualidade dominicanas podemos apontar dois exemplos desta incapacidade,
do reconhecimento desta incapacidade de conhecimento, apesar das tentativas
tantas vezes gratificantes e dos passos logicamente dados.
O primeiro exemplo é o
de Santa Catarina de Sena que, após o encontro com o mistério da Trindade nos
seus êxtases místicos, apenas podia afirmar que esse mistério era um mar
profundo, um mar sem fundo, no qual quanto mais se aprofundava mais desejo
havia de se afundar, de buscar o ténue que tinha vislumbrado.
O outro exemplo é o de
São Tomás de Aquino, o grande teólogo e pensador da fé, que escreveu grandes
páginas e textos sobre o mistério de Deus e sobre as diversas vias possíveis do
seu conhecimento na nossa capacidade humana.
Contudo, um dia, ao
ter de Deus a visão do seu mistério ficou emudecido, considerou que tudo o que
tinha escrito era mera palha comparado com o que tinha visto e por isso nunca
mais voltou a escrever, deixando a sua grande obra, a “Suma Teológica”, por
terminar.
O mistério de Deus
como Santíssima Trindade é assim uma realidade que nos ultrapassa nas nossas
capacidades, mas que igualmente nos desafia na configuração à sua imagem e semelhança.
Neste sentido não
podemos deixar de ter em conta as últimas palavras da leitura do Livro dos
Provérbios, ou seja, que as delícias da sabedoria de Deus eram estar com os
filhos dos homens.
Partimos para a
compreensão do mistério da Santíssima Trindade desta dimensão histórica, se
assim se pode dizer, desse prazer e satisfação de Deus em habitar com os
homens, de estar com os homens.
As narrações da
criação, em que o homem é feito à imagem e semelhança de Deus, mostram-nos
desde o primeiro momento a satisfação e a paixão de Deus pela sua obra. Deus
viu que era tudo muito bom e sobretudo viu que o homem era muito bom.
Deus Pai apaixonou-se
pela sua obra e é nesse amor e nessa paixão que após a queda do primeiro homem,
após a recusa por parte do homem da oferta do amor de Deus, este mesmo amor se
vai plasmar em humanidade através da incarnação de Jesus Cristo.
A paixão de Deus pela
sua obra leva-o a essa radicalidade de assumir a condição da mesma obra para a
poder resgatar e reconduzir à condição primitiva, ao estado do amor primeiro. O
próprio Deus vem habitar com os homens e na sua condição humana para os salvar
do fim que deliberadamente tinham construído.
Mas porque nas suas
limitações de criatura o homem sozinho não podia responder ao convite que Deus
Pai formulava, através da vida do Filho Jesus Cristo, deixou-lhe o Espirito
Santo, a sua própria luz e força para que os homens tomassem consciência da paixão
de Deus por todos e cada um e pudessem voltar à sua condição original de
filhos.
O mistério de Deus
enquanto Trindade revela-se assim na história do homem, na paixão de Deus pela
sua obra. O mesmo amor primeiro assume duas alteridades, desdobra-se no Filho e
no Espirito, sem nunca deixar de ser, para salvar a obra realizada e perdida com
a liberdade outorgada no momento da criação.
Celebrar assim o
mistério da Santíssima Trindade é celebrar o amor de Deus pelo homem, a sua
louca paixão pelo homem, mas igualmente o desafio e o convite a que fomos
chamados para nos configurarmos a ela, ou seja, para irmos vivendo na nossa
condição humana, limitada e finita, o mesmo amor e a mesma paixão nas suas
formas criadora, redentora e plenificante.
Não se trata de um discurso
teórico, um exercício mental, mas de uma realidade viva e vivificante que nos
apela à vida e para a qual necessitamos a confiança para não nos encerrarmos no
desconhecido mas para acolhermos o conhecido que nos desafia na igualdade e semelhança.
Saibamos portanto
acolher o amor de Deus e vivê-lo em plenitude, para dessa forma revelarmos em
total verdade o mistério de Deus único em três pessoas que nos amam.
Ilustração: “Santíssima
Trindade”, de Andrei Rubliev, Galeria Tretyakov em Moscovo.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarLeio e releio o texto da Homília da Solenidade da Santíssima Trindade que teceu e fico a meditar de novo no “mistério de Deus uno e trino” que como Frei José Carlos afirma…”ultrapassa as nossas capacidades de conhecimento e compreensão, pois a sua natureza divina é inabarcável pela nossa capacidade finita e humana (…) mas que igualmente nos desafia na configuração à sua imagem e semelhança.” …
E é nesta unidade trinitária que se revela o Deus Pai, o Deus de relação, de amor, de misericórdia e de salvação para todos nós.
Grata, Frei José Carlos, pela partilha desta profunda Homília, na qual nos conduz a …” acolher o amor de Deus e vivê-lo em plenitude, para dessa forma revelarmos em total verdade o mistério de Deus único em três pessoas que nos amam.”
Que o Senhor o ilumine, o guarde e o abençoe.
Votos de uma boa semana. Bom descanso.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto de uma oração.
DOMINGO DA
SANTÍSSIMA
TRINDADE
Rezo à Santíssima Trindade. Rezo a Deus que sendo Único me ensina o sentido Trinitário da existência.
Todo o amor deve aspirar a tornar-se trino, pois a inclusão do terceiro é o seu critério de verdade. É tão
tentador trancar o coração no individualismo ou no conforto de uma relação dual; é tão fácil excluir o terceiro.
O terceiro é aquele que escancara a vida a uma lógica de pura gratuidade. Já não sou eu próprio e o meu sentir.
Nem é apenas a complementaridade necessária que o segundo me oferece. O terceiro obriga-me a descolar de mim.
A fazer do centro não as minhas necessidades e desejos, mas o dom, a dádiva, o amor. Hoje, rezo à Santíssima Trindade.
(In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)
Frei José Carlos,
ResponderEliminarLi e reli com muito interesse a Homilia da Solenidade da Santíssima Trindade,é duma profundidade única,que muito gostei.Como nos diz o Frei José Carlos,que o primeiro exemplo é o de Santa Catarina de Sena,era um mar profundo,um mar sem fundo,no qual mais se aprofundava,mais desejo havia de se afundar,de buscar o ténue que tinha vislumbrado.Celebrar,assim o mistério da Santíssima Trindade,é celebrar o amor de Deus pelo homem.Saibamos nós amar assim o Senhor como Ele nos ama.Obrigada Frei José Carlos,pela beleza de partilha,Meditação profunda,tão rica de sentido,também pela magnifica ilustração.Que o Senhor o ilumine o proteja e o abençoe.Desejo-lhe um bom dia,com alegria e paz .Continuação de uma boa semana.
Um abraço fraterno.
AD