domingo, 26 de maio de 2013

Homília da Solenidade da Santíssima Trindade

Celebramos hoje a Solenidade da Santíssima Trindade, o mistério de Deus uno e trino, um Deus único em três pessoas.
Mistério que ultrapassa as nossas capacidades de conhecimento e compreensão, pois a sua natureza divina é inabarcável pela nossa capacidade finita e humana.
Na história e espiritualidade dominicanas podemos apontar dois exemplos desta incapacidade, do reconhecimento desta incapacidade de conhecimento, apesar das tentativas tantas vezes gratificantes e dos passos logicamente dados.
O primeiro exemplo é o de Santa Catarina de Sena que, após o encontro com o mistério da Trindade nos seus êxtases místicos, apenas podia afirmar que esse mistério era um mar profundo, um mar sem fundo, no qual quanto mais se aprofundava mais desejo havia de se afundar, de buscar o ténue que tinha vislumbrado.
O outro exemplo é o de São Tomás de Aquino, o grande teólogo e pensador da fé, que escreveu grandes páginas e textos sobre o mistério de Deus e sobre as diversas vias possíveis do seu conhecimento na nossa capacidade humana.
Contudo, um dia, ao ter de Deus a visão do seu mistério ficou emudecido, considerou que tudo o que tinha escrito era mera palha comparado com o que tinha visto e por isso nunca mais voltou a escrever, deixando a sua grande obra, a “Suma Teológica”, por terminar.
O mistério de Deus como Santíssima Trindade é assim uma realidade que nos ultrapassa nas nossas capacidades, mas que igualmente nos desafia na configuração à sua imagem e semelhança.
Neste sentido não podemos deixar de ter em conta as últimas palavras da leitura do Livro dos Provérbios, ou seja, que as delícias da sabedoria de Deus eram estar com os filhos dos homens.
Partimos para a compreensão do mistério da Santíssima Trindade desta dimensão histórica, se assim se pode dizer, desse prazer e satisfação de Deus em habitar com os homens, de estar com os homens.
As narrações da criação, em que o homem é feito à imagem e semelhança de Deus, mostram-nos desde o primeiro momento a satisfação e a paixão de Deus pela sua obra. Deus viu que era tudo muito bom e sobretudo viu que o homem era muito bom.
Deus Pai apaixonou-se pela sua obra e é nesse amor e nessa paixão que após a queda do primeiro homem, após a recusa por parte do homem da oferta do amor de Deus, este mesmo amor se vai plasmar em humanidade através da incarnação de Jesus Cristo.
A paixão de Deus pela sua obra leva-o a essa radicalidade de assumir a condição da mesma obra para a poder resgatar e reconduzir à condição primitiva, ao estado do amor primeiro. O próprio Deus vem habitar com os homens e na sua condição humana para os salvar do fim que deliberadamente tinham construído.
Mas porque nas suas limitações de criatura o homem sozinho não podia responder ao convite que Deus Pai formulava, através da vida do Filho Jesus Cristo, deixou-lhe o Espirito Santo, a sua própria luz e força para que os homens tomassem consciência da paixão de Deus por todos e cada um e pudessem voltar à sua condição original de filhos.
O mistério de Deus enquanto Trindade revela-se assim na história do homem, na paixão de Deus pela sua obra. O mesmo amor primeiro assume duas alteridades, desdobra-se no Filho e no Espirito, sem nunca deixar de ser, para salvar a obra realizada e perdida com a liberdade outorgada no momento da criação.
Celebrar assim o mistério da Santíssima Trindade é celebrar o amor de Deus pelo homem, a sua louca paixão pelo homem, mas igualmente o desafio e o convite a que fomos chamados para nos configurarmos a ela, ou seja, para irmos vivendo na nossa condição humana, limitada e finita, o mesmo amor e a mesma paixão nas suas formas criadora, redentora e plenificante.
Não se trata de um discurso teórico, um exercício mental, mas de uma realidade viva e vivificante que nos apela à vida e para a qual necessitamos a confiança para não nos encerrarmos no desconhecido mas para acolhermos o conhecido que nos desafia na igualdade e semelhança.
Saibamos portanto acolher o amor de Deus e vivê-lo em plenitude, para dessa forma revelarmos em total verdade o mistério de Deus único em três pessoas que nos amam.
 
Ilustração: “Santíssima Trindade”, de Andrei Rubliev, Galeria Tretyakov em Moscovo.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Leio e releio o texto da Homília da Solenidade da Santíssima Trindade que teceu e fico a meditar de novo no “mistério de Deus uno e trino” que como Frei José Carlos afirma…”ultrapassa as nossas capacidades de conhecimento e compreensão, pois a sua natureza divina é inabarcável pela nossa capacidade finita e humana (…) mas que igualmente nos desafia na configuração à sua imagem e semelhança.” …
    E é nesta unidade trinitária que se revela o Deus Pai, o Deus de relação, de amor, de misericórdia e de salvação para todos nós.
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha desta profunda Homília, na qual nos conduz a …” acolher o amor de Deus e vivê-lo em plenitude, para dessa forma revelarmos em total verdade o mistério de Deus único em três pessoas que nos amam.”
    Que o Senhor o ilumine, o guarde e o abençoe.
    Votos de uma boa semana. Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto de uma oração.

    DOMINGO DA
    SANTÍSSIMA
    TRINDADE

    Rezo à Santíssima Trindade. Rezo a Deus que sendo Único me ensina o sentido Trinitário da existência.
    Todo o amor deve aspirar a tornar-se trino, pois a inclusão do terceiro é o seu critério de verdade. É tão
    tentador trancar o coração no individualismo ou no conforto de uma relação dual; é tão fácil excluir o terceiro.
    O terceiro é aquele que escancara a vida a uma lógica de pura gratuidade. Já não sou eu próprio e o meu sentir.
    Nem é apenas a complementaridade necessária que o segundo me oferece. O terceiro obriga-me a descolar de mim.
    A fazer do centro não as minhas necessidades e desejos, mas o dom, a dádiva, o amor. Hoje, rezo à Santíssima Trindade.

    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)

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  2. Frei José Carlos,

    Li e reli com muito interesse a Homilia da Solenidade da Santíssima Trindade,é duma profundidade única,que muito gostei.Como nos diz o Frei José Carlos,que o primeiro exemplo é o de Santa Catarina de Sena,era um mar profundo,um mar sem fundo,no qual mais se aprofundava,mais desejo havia de se afundar,de buscar o ténue que tinha vislumbrado.Celebrar,assim o mistério da Santíssima Trindade,é celebrar o amor de Deus pelo homem.Saibamos nós amar assim o Senhor como Ele nos ama.Obrigada Frei José Carlos,pela beleza de partilha,Meditação profunda,tão rica de sentido,também pela magnifica ilustração.Que o Senhor o ilumine o proteja e o abençoe.Desejo-lhe um bom dia,com alegria e paz .Continuação de uma boa semana.
    Um abraço fraterno.
    AD

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