domingo, 14 de julho de 2013

Homília do XV Domingo do Tempo Comum

 
O Evangelho de São Lucas que acabámos de escutar apresenta-nos uma das mais surpreendentes parábolas de Jesus, a parábola do bom samaritano.
Contudo, e pela riqueza que lhe é intrínseca, não podemos ficar nesta parábola pela leitura no sentido do próximo, da descoberta do outro que nos solicita compaixão. Há elementos prévios e posteriores que não nos podem deixar de chamar a atenção.
Assim, e antes de mais, temos que ter presente a busca do doutor da lei, a pergunta a Jesus sobre o que fazer para receber a herança eterna. Pergunta que não podemos negar que é comum a todos nós, porque se os homens e mulheres de fé buscam a felicidade da herança eterna, aqueles que se dizem sem fé buscam a felicidade da herança neste momento e neste mundo. Ainda que as respostas sejam diferentes a questão e o princípio é o mesmo, o homem busca inevitavelmente e incessantemente a sua felicidade, a sua realização plena.
A resposta de Jesus à pergunta do doutor da lei é de todos os modos surpreendente pela radicalidade e pela liberdade que acarreta. Jesus remete o doutor da lei para a lei que conhece, para o código da Aliança, mas igualmente implica o doutor da lei e a sua liberdade na leitura dessa mesma lei.
A resposta de Jesus tem presente os princípios legais, tem presente essa lei de que falava o Livro do Deuteronómio que não estava nos céus nem para além do mar, mas estava no coração e perto da boca. Deste modo, e pela proximidade do homem, essa lei era passível de leitura, de uma leitura pessoal que Jesus convida o doutor da lei a fazer.
Neste sentido, e tendo presente o convite de Jesus e a apresentação da Lei feita pelo Livro do Deuteronómio, nenhum homem se pode considerar excluído do cumprimento da lei, impossibilitado de a viver, porque cada um é convidado a interpretá-la no seu coração e a colocá-la em prática pela sua inteligência e pela sua confiança no poder da acção de Deus na mesma lei.
É esta implicação pessoal que leva o doutor da lei a tentar descomprometer-se quando pergunta a Jesus quem é o seu próximo. Há no doutor da lei, como há em todos nós, essa tentativa de encontrar uma justificação para o incumprimento do mandamento do amor, de encontrar uma desculpa para não nos deixarmos tocar pelo nosso próximo.
Em resposta a tal pergunta Jesus conta a parábola do sacerdote, do levita e do samaritano, parábola em que as duas figuras ligadas ao templo são preteridas em favor de um estrangeiro e de um herege. É aquele que é excluído e marginalizado, o que não é válido aos olhos dos outros dois, e do doutor da lei a quem Jesus responde, que assume a atitude mais consentânea com a leitura do mandamento do amor que anteriormente tinha sido feita pelo doutor da lei.
A parábola remete assim conscientemente para o mandamento do amor, para a compaixão que somos convidados a viver face àqueles que sofrem, que são vítimas de violência ou injustiça. Mas deixa transparecer também a possibilidade do impossível, remete para o inesperado e o insuspeito que pode acontecer, que se pode tornar realidade, se nos descentrarmos um pouco de nós próprios, como o fez o samaritano.
A parábola do bom samaritano pode ser de certa forma a explicitação prática daquelas palavras que encontramos na boca de Jesus neste mesmo Evangelho de São Lucas, o que é impossível aos homens é possível a Deus. Ainda que estas palavras sejam no seu contexto aplicadas à salvação, podemos também assumi-las aqui e aplicá-las à compaixão e à misericórdia que tantas vezes nos escapa da mão mas que não escapa da mão de Deus.
E quando nos assaltam as desculpas, quando justificamos a nossa distância face ao próximo, temos que olhar para o final da parábola e perceber que num golpe de génio, numa inversão cénica de papéis, passámos rapidamente da possibilidade de samaritanos para a condição de estalajadeiros aos quais foi confiada a guarda do próximo.
Nesta alteração cada um de nós é o estalajadeiro e o bom samaritano é já o próprio Deus que passa mais tarde para acertar as contas, para pagar aquilo que tivermos gasto a mais. E uma vez mais nos deparamos com a lógica do que nos é impossível mas é possível a Deus, ou seja, o que tivermos ultrapassado ser-nos-á retribuído por Deus, seremos recompensados cem por um, tal como na promessa àqueles que deixam casas e família para seguir Jesus.
A parábola do bom samaritano coloca-nos face ao desafio da compaixão, da descoberta do nosso próximo e de como eu o faço meu próximo, mas coloca-nos também face ao desafio do excesso, do impossível aos nossos olhos, mas possível aos olhos de Deus e às nossas mãos na medida do nosso amor e da nossa confiança total no outro e em Deus.
Que a confiança no Senhor que vem para liquidar tudo o que tivermos gasto a mais nos faça ultrapassar os nossos medos e indiferenças e nos aproxime diligentemente daqueles que são os próximos que necessitam de nós.   
 
Ilustração: “Bom Samaritano”, de Johann Carl Loth, Kunstsammlungen Graf von Schonborn, Pommersfelden  

4 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Leio com muito interesse o texto da Homília do XV Domingo do Tempo Comum que teceu. Como afirma o Evangelho de São Lucas apresenta-nos uma das mais surpreendentes parábolas de Jesus, a parábola do bom samaritano.
    Como nos salienta, …” pela riqueza que lhe é intrínseca, não podemos ficar nesta parábola pela leitura no sentido do próximo, da descoberta do outro que nos solicita compaixão”... Porém, vou centrar-me na parábola de Jesus.
    Como nos recorda …” A parábola remete assim conscientemente para o mandamento do amor, para a compaixão que somos convidados a viver face àqueles que sofrem, que são vítimas de violência ou injustiça. Mas deixa transparecer também a possibilidade do impossível, remete para o inesperado e o insuspeito que pode acontecer, que se pode tornar realidade, se nos descentrarmos um pouco de nós próprios, como o fez o samaritano.”…
    Não se trata de saber previamente quem é o meu próximo. Não se tem um próximo. Não está definido à partida como Jesus o demonstrou, nem quem é, nem a que círculo pertence. O importante é a minha disponibilidade para o encontro com esse alguém, de quem me faço próximo e que contrariamente ao que podemos pensar, desde sempre, mas particularmente na actualidade, o que precisa, algumas vezes, não são bens materiais, o cuidado do corpo, mas do espírito e de afecto, de ternura, de um gesto de fraternidade, de partilha de tempo, de alguém que escute. O meu próximo é de quem me aproximei.
    Façamos nossas as palavras de Frei José Carlos e peçamos … “Que a confiança no Senhor que vem para liquidar tudo o que tivermos gasto a mais nos faça ultrapassar os nossos medos e indiferenças e nos aproxime diligentemente daqueles que são os próximos que necessitam de nós”.
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília, profunda, maravilhosamente ilustrada, que nos ajuda a descentrar de nós próprios, por recordar-nos que …” A parábola do bom samaritano coloca-nos face ao desafio da compaixão, da descoberta do nosso próximo e de como eu o faço meu próximo, mas coloca-nos também face ao desafio do excesso, do impossível aos nossos olhos, mas possível aos olhos de Deus e às nossas mãos na medida do nosso amor e da nossa confiança total no outro e em Deus.”…
    Que o Senhor o abençoe e o proteja.
    Bom início de semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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  2. "Coração em Deus, e Mãos ao Trabalho". Costumamos confiar em Deus, quando através dele rezamos, mas Deus é além disso o Nosso Melhor Amigo. O Amigo Incondicional de Todas as Ocasiões, que nos leva por um Bom Caminho e nos Corrige quando, não agimos da melhor forma. Com Ele partilhamos Tudo na vida. Ele nos leva à vida Eterna, caso sejamos merecedores. Nos perdoa em caso de arrependimento verdadeiro. Confiança total em Deus, sei por várias razões que é confiança abosluta e verdadeira experiência para toda a vida.

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  3. Ser o estalajadeiro é um desafio que nos é apresentado um pouco sub-repticiamente,envolvendo o possível e o impossível, exigindo a confiança total e a esperança absoluta. Mas temos que tentar!... E.C.

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  4. Frei José Carlos,

    Grata,pela bela e profunda Homilia do XV Domingo do Tempo Comum,que propôs para a nossa reflexão.Gostei muito como abordou esta parábola do bom samaritano,do Evangelho de São Lucas.As suas palavras são imprescindíveis,que nos ajudam a estarmos atentos ao nosso próximo,àquele que mais necessita da nossa ajuda.Como nos diz o Frei José Carlos...Que a confiança no Senhor,nos ajude e nos faça ultrapassar os nossos medos e indiferenças e nos aproxime diligentemente daqueles que os nossos próximos que necessitam de nós.Obrigada,Frei José Carlos,pela beleza de Homilia que partilhou connosco.Desejo-lhe uma boa semana e uma boa noite.Que o Senhor o ilumine e gaude e o proteja.Bem-haja.
    Um abraço fraterno.
    AD

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