Celebramos a Solenidade da Epifania do Senhor e para nos ajudar a compreender a dimensão da manifestação de Deus aos homens o Evangelho desta celebração narra-nos a visita dos magos vindos do Oriente.
É um acontecimento que nos alegra, na medida em que vemos confirmada a difusão da Boa Nova de Jesus a todos os povos e nações, que vemos cumprida a profecia de Isaías que está patente na primeira leitura desta Solenidade, mas na sua essência é um acontecimento que está marcado por uma grande dose de ironia e uma tensão dramática assustadora. Neste relato e neste acontecimento encontramos uma oposição entre Jerusalém e Belém que não nos pode deixar indiferentes, porque de alguma forma ela representa uma tensão latente também na nossa vida de crentes.
Assim, não podemos deixar de notar que a estrela que conduz os magos desde o Oriente não se dirige directamente a Belém; faz como que um desvio, para os conduzir à cidade de Jerusalém onde afinal o menino não tinha nascido. A primeira missão da estrela é assim conduzir os magos aos escribas e ao centro religioso e político de Jerusalém, a um confronto com as escrituras e profecias nas quais estava anunciado o local do nascimento do rei prometido.
Este confronto tem um duplo sentido, uma vez que visa mostrar a veracidade das mesmas escrituras no sentido do cumprimento das profecias, mas também, e tragicamente, a indiferença dos seus leitores face a elas mesmas. Os escribas e os doutores da Lei lêem as escrituras, encontram-se com a verdade que elas contêm, mas paradoxalmente não são capazes de a reconhecer nem de se alegrarem com ela. Não se deixam tocar e por isso após a leitura e recolha de informações os magos vindos do oriente seguem sozinhos o seu caminho até Belém. Os escribas não são capazes de os acompanhar.
Neste sentido a visita dos magos a Jerusalém é um sinal, uma manifestação de contestação profética à cidade santa, uma identificação da recusa da missão a que a cidade estava chamada a desenvolver à luz da profecia de Isaías. Mas é também, e fundamentalmente, a revelação do drama que a cidade encerra face à sua verdade, e neste sentido o drama que todos os homens podem viver face a Deus e de que Jerusalém é a imagem por excelência.
A condução dos magos pela estrela a Jerusalém visa mostrar a perversão que vive a cidade santa, uma cidade onde o rei se serve a si mesmo, onde habita um rei invejoso e indigno do seu lugar, uma cidade onde está centralizado o culto mas onde os seus guias espirituais estão mortos e inertes. A passagem dos magos por Jerusalém visa colocar em oposição a cidade de Jerusalém, assumida por David, à cidade de Belém de onde David provinha.
Jerusalém é a cidade conquistada por David, a cidade onde ele constrói o seu palácio e quer construir uma casa para Deus, a cidade onde se centralizam todos os poderes, onde a vida se desenvolve e constrói à semelhança das cortes infiéis dos egípcios e babilónicos. Ao contrário, Belém é a cidade humilde, a cidade onde o Senhor vai ao encontro do seu escolhido, não para o colocar num trono, mas para o colocar à frente do seu povo, para que o conduza como um pastor conduz o seu rebanho.
A cidade de Jerusalém mostra assim e simboliza essa tentativa de apropriação por parte do homem do ser divino, do deus que fica ao serviço da satisfação e dos caprichos, um deus que se manipula e é propriedade pessoal ou do povo. Pelo contrário a cidade de Belém revela esse Deus verdadeiro que vem ao encontro do homem, que o resgata da sua condição de pastor de animais para o colocar à frente de homens, que o dignifica e o elege para poder governar sobre todas as coisas na sua amizade.
E assim, quando os magos retomam o caminho, deixando Jerusalém para trás reencontram-se com a estrela luminosa que os tinha conduzido, estrela que lhes dá uma grande alegria e o conduz ao local onde se encontrava o menino anunciado pelas escrituras. A estrela funciona assim como uma metáfora do mistério da encarnação, pois vinda de Deus para conduzir os homens até ao Filho encarnado regressa ao seio do criador depois da sua missão cumprida, ou seja, depois da identificação da perversão do homem, quando se quer apropriar de Deus, e da verdadeira revelação de Deus quando o homem humildemente se deixa encontrar por Deus.
A viagem dos reis magos até Belém e ao encontro do menino Jesus, pelo que apresentámos anteriormente, não pode por isso ser para nós apenas uma manifestação de Deus a todos os povos, simbolizados nesses reis magos. Há neste relato e nas suas diversas circunstâncias elementos que nos desafiam na revelação e na relação com Deus, como sejam a leitura das Escrituras e o impacto das mesmas na nossa vida, a alegria que daí deve derivar, a tentação de posse e propriedade em relação a Deus, a consciência de que Deus se revela e vem ao nosso encontro na humildade da nossa circunstância de peregrinos e viajantes.
Peçamos por isso ao Senhor que o encontro com a sua Palavra Viva na Escritura e nas obras da criação, não seja para nós um acontecimento inoperante, uma leitura de letra morta que nos encerra, mas pelo contrário seja um acontecimento que nos desafia e nos coloca em caminho, na busca activa a apaixonada de Deus que vem ao nosso encontro.
Ilustração: “Adoração dos Reis Magos”, de Janez Subic, Galeria Nacional da Eslovénia.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarAgradeço-lhe esta Homilía da Solenidade da Epifania do Senhor,tão bem conseguida e admiravelmente bela que partilhou connosco,e nos ajudou muito a Meditação,e a compreender com mais profundidade a dimensão da manifestação de Deus aos homens,com nos narra no Evangelho a visita dos magos vindo do Oriente.Os magos vindos do Oriente seguem sozinhos o seu caminho até Belém.Deus manifestou-se a todas as pessoas,e também aos magos,só que eles seguiram outro caminho,também nós muitas vezes devíamos em nossas vidas seguir outro caminho.Peçamos ao Senhor que o encontro com a sua Palavra Viva na Escritura e nas obras da criação, não seja para nós um acontecimento inoperante,mas pelo contrário seja um acontecimento que nos desafia e nos coloca em caminho,na busca activa apaixonada de Deus,como nos diz o Frei José Carlos.Obrigada,por esta maravilhosa e bela partilha,que para nós é muito gratificante.Bem-haja,Frei José Carlos, e que o Senhor o proteja,o ilumine.Votos de uma boa semana.
Um abraço fraterno.
AD
Frei José Carlos,
ResponderEliminarNo dia em que os cristãos celebram a narrativa da adoração do Menino Jesus pelos reis magos, o texto da Homilia da Solenidade da Epifania do Senhor que teceu é profundo e de grande densidade. Ciente de tudo o que escreveu permita-me que transcreva um excerto que me toca ...” A viagem dos reis magos até Belém e ao encontro do menino Jesus, pelo que apresentámos anteriormente, não pode por isso ser para nós apenas uma manifestação de Deus a todos os povos, simbolizados nesses reis magos. Há neste relato e nas suas diversas circunstâncias elementos que nos desafiam na revelação e na relação com Deus, como sejam a leitura das Escrituras e o impacto das mesmas na nossa vida, a alegria que daí deve derivar, a tentação de posse e propriedade em relação a Deus, a consciência de que Deus se revela e vem ao nosso encontro na humildade da nossa circunstância de peregrinos e viajantes.
Peçamos por isso ao Senhor que o encontro com a sua Palavra Viva na Escritura e nas obras da criação, não seja para nós um acontecimento inoperante, uma leitura de letra morta que nos encerra, mas pelo contrário seja um acontecimento que nos desafia e nos coloca em caminho, na busca activa a apaixonada de Deus que vem ao nosso encontro.”
Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha desta importante Homilia que nos desinstala e que nos recorda a necessidade de um compromisso autêntico com o caminho que Jesus nos ensinou.
Que o Senhor abençoe e proteja o Frei José Carlos.
Votos de uma boa semana.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva