segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Pediram a Jesus que se retirasse do seu território (Mc 5,17)

O episódio que São Marcos nos conta da legião de espíritos impuros que Jesus enviou para uma vara de porcos, libertando assim um homem possesso, é por todas as formas surpreendente. Pela descrição do suplício do possesso, pelo encontro de Jesus com ele numa região estranha, pela condescendência de Jesus para com os espíritos, pela profissão de fé dos espíritos e sobretudo pela atitude completamente díspar do homem e da multidão.
Depois da cura que Jesus operou e do desastre dos porcos, a multidão que vem das aldeias e dos campos pede a Jesus que se retire do seu território, que não os incomode mais nem provoque mais nenhum prejuízo. Estão dominados pelo interesse económico, pelo prejuízo sofrido, pela perda, incapazes de ver a salvação que Jesus tinha operado com aquele homem que eles mesmos temiam.
Estes homens, estes senhores dos porcos, acabam por se colocar nos antípodas dos espíritos impuros, pois esses ainda que espíritos impuros, provocadores do mal, prontos a serem vencidos por Jesus, foram capazes de reconhecer a salvação que se apresentava diante deles, o Filho de Deus. Pelo contrário estes homens não são capazes de qualquer pequena condescendência para com Jesus, não são capazes de ver, nem de reconhecer, apenas se querem ver livres dele.
Afinal desconhecem o que se tinha operado ali, a nova situação do homem que anteriormente estava possesso e agora se dispõe a seguir Jesus, a subir para a barca e ir com ele, a acção da graça salvadora de Jesus. Este homem sabe o que era o seu sofrimento anterior, sabe do que foi salvo, e por isso reconhece o seu salvador e quer acompanhá-lo, continuar a partilhar da liberdade da sua salvação.
Contudo, Jesus impede-o, devolve-o aos seus, à família, convida-o ao testemunho da salvação operada, e por isso o homem vai e pela Decápole anunciando o que Jesus tinha feito com ele, a salvação que era possível e de que ele era a prova.
Este convite também nos é feito a nós, a testemunharmos a salvação que Jesus operou connosco e opera em cada um de nós, mas muitas vezes tal como aqueles proprietários da vara dos porcos estamos mais preocupados com o que perdemos, com o prejuízo que podemos sofrer, do que com o bem que podemos ganhar, ou ver ganhar nos outros.
Muitas vezes também andemos cegos e não vemos o bem que Deus opera, a sua cura e a sua salvação, a libertação dos nossos espíritos impuros. Abre-nos Senhor os olhos e o coração para te acolhermos e avaliarmos os que nos fazes ganhar, a vitória que nos ofereces.

Ilustração: “A cura do possesso”, página 51 de Ottheinrich-Bible, Bayerische Staatsbibliothek.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    O texto da Meditação que partilha connosco é profundo e remete-nos para os nossos comportamentos, para a nossa incompreensão com a transformação que Jesus opera nas nossas vidas e do nosso próximo, para o esquecimento do que Jesus fez pela salvação da humanidade, pela Sua presença entre nós e connosco.
    Como nos salienta o convite ao testemunho que Jesus fez ao homem liberto de um espírito impuro, do sofrimento, ...” também nos é feito a nós, a testemunharmos a salvação que Jesus operou connosco e opera em cada um de nós, mas muitas vezes tal como aqueles proprietários da vara dos porcos estamos mais preocupados com o que perdemos, com o prejuízo que podemos sofrer, do que com o bem que podemos ganhar, ou ver ganhar nos outros.”…
    Peçamos com o Frei José Carlos, … “Abre-nos Senhor os olhos e o coração para te acolhermos e avaliarmos o que nos fazes ganhar, a vitória que nos ofereces”.
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha desta importante Meditação. Bem-haja.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto de uma oração.

    AS MÃOS
    INVISÍVEIS DE
    DEUS

    Tomo o desafio daquela anotação deixada por Fernando Pessoa: “a realidade é o
    gesto visível das mãos invisíveis de Deus”. E rezo a realidade. A minha, a do mundo
    que conheço, a daqueles que ignoro. Rezo a realidade: incompleta, imperfeita, sonhadora,
    descabida, espantosa. Rezo a sua rugosidade, as pregas que fazem doer e também a inaudita
    transparência, a aventura, o gosto que a realidade tem. Saiba eu apenas, Senhor, em cada porção
    de vida reconhecer o movimento das tuas mãos invisíveis!

    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)

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