quinta-feira, 15 de março de 2012

O mudo falou logo que o demónio saiu (Lc 11,14)

O milagre que Jesus realiza com o mudo, e que nos é contado por São Lucas, é motivo de discussão e conversa sobre o poder da operacionalidade de Jesus, sobre a fonte de onde provém o poder para fazer o que faz.
É em resposta a esta questão que Jesus revela aos seus opositores e aos discípulos, que quem não está com ele está contra ele e quem não junta com ele dispersa.
Estamos assim perante um acontecimento que nos coloca uma vez mais em questão sobre a nossa vida relacional, sobre quem e com quem estabelecemos verdadeiras relações, sobre quem devemos estabelecer a verdadeira relação.
E a cura do mudo é neste sentido a porta de entrada para a questão, uma que vez que ao devolver a palavra ao mudo, ao devolver-lhe a capacidade de falar, Jesus devolve-lhe também a capacidade de relação, e de uma relação que comporta uma dimensão divina, a dimensão da palavra.
Deus revela-se como Palavra, e toda a obra da criação é uma consequência da sua Palavra, um reflexo da sua Palavra de vida que cria, recria e se desenvolve no sentido da plena realização.
Ao homem foi dada a mesma capacidade da palavra, de através da articulação física de sons, com sentido e ordem, provocar a criação, colaborar na mesma criação através da sua palavra. Pela palavra o homem é capaz de manifestar a natureza divina, uma vez que estabelece relações com os outros homens, é capaz de estabelecer uma relação com o seu criador, é capaz de construir o mundo em conceitos lógicos.
Contudo, esta capacidade do homem, este poder pode levar à divisão, pode levar à dispersão e à consequente destruição do reino, da concepção em que se estruturou toda a realidade e a vida. A palavra, que tem poder de vida, solta e desenfreada, desligada da sua fonte primordial, pode de facto levar à destruição e à morte.
E por isso, Jesus nos convida a estar com ele, a juntar com ele, a Palavra do Pai, a Palavra feita carne, a Palavra primordial, para que a nossa palavra não se torne destruição mas continue a ser fonte de vida, veiculo de crescimento para a plena realização.
Quantas vezes na nossa vida e nas nossas relações não nos votámos ao silêncio, não recusámos a palavra a alguém, mesmo a palavra da saudação diária, para manifestar a nossa indignação, o nosso corte de relações, e dessa forma nos colocámos fora da dinâmica divina da vida e do sentido último e verdadeiro da palavra que nos foi oferecida?
Que o Senhor ilumine o nosso coração para que não nos deixemos entregar ao silêncio e ao mutismo que inviabiliza a vida e a força criadora da Palavra.

Ilustração: “Conversação”, de Camille Pissarro, Museu Nacional de Arte Ocidental, Tóquio.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    O texto da Meditação que teceu e ilustrou com tanta beleza, é um excelente documento de reflexão, de instrospecção que nos leva à análise da nossa vida relacional.
    Como nos diz ...”a cura do mudo é neste sentido a porta de entrada para a questão, uma vez que ao devolver a palavra ao mudo, ao devolver-lhe a capacidade de falar, Jesus devolve-lhe também a capacidade de relação, e de uma relação que comporta uma dimensão divina, a dimensão da palavra. (…)
    (…) Pela palavra o homem é capaz de manifestar a natureza divina, uma vez que estabelece relações com os outros homens, é capaz de estabelecer uma relação com o seu criador, é capaz de construir o mundo em conceitos lógicos.”…
    Como nos recorda esta capacidade do homem tem também o poder da divisão, da destruição do reino ...” E por isso, Jesus nos convida a estar com ele, a juntar com ele, a Palavra do Pai, a Palavra feita carne, a Palavra primordial, para que a nossa palavra não se torne destruição mas continue a ser fonte de vida, veiculo de crescimento para a plena realização.”…
    Façamos nossas as palavras de Frei José Carlos, e peçamos ao Senhor …” Que ilumine o nosso coração para que não nos deixemos entregar ao silêncio e ao mutismo que inviabiliza a vida e a força criadora da Palavra.”
    Grata pela partilha desta Meditação, profunda, bela, que nos ajuda a questionar a nossa vida relacional, sobre a forma como comunicamos, sobre a capacidade de falar e a forma como nos servimos desse dom, pela sua natureza divina. Que o Senhor abençoe e guarde o Frei José Carlos.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    ResponderEliminar