terça-feira, 27 de março de 2012

Perguntaram a Jesus: “Quem és tu?” (Jo 8,25)

A identidade de Jesus, bem como a de cada um de nós, é uma questão sempre em aberto.
No que diz respeito a Jesus, vemos ao longo dos Evangelhos como foi difícil perceber quem ele era. Na anunciação do Arcanjo Gabriel confronta-se uma promessa de glória e poder com uma realidade de humildade e pobreza; na vida familiar com Maria e José uma paternidade e obediência que se encontra no templo de Jerusalém; na vida com os discípulos um equilíbrio entre as expectativas de poder e o convite ao serviço e à humildade; na vida pública uma oposição entre o Filho do homem e o Filho de Deus, entre o ser e o não ser.
E contudo, todas estas dimensões, todas as percepções possíveis são incompletas, pois Jesus não pode ser reduzido, condicionado apenas à sua dimensão histórica, ao homem que viveu há dois mil anos. Tal concepção ou definição colocar-nos-á sempre numa resposta errada, distante da verdadeira e real identidade.
À pergunta dos fariseus “quem és tu”, Jesus responde com a sua identidade divina, uma identidade de Filho, mas uma identidade que se funda e fundamenta na relação do ser.
Eu sou, Filho de Deus, lá de cima, de outro mundo, sou, quando levantado me entregar, porque não faço nada por mim mas pelo Pai que me enviou e está comigo. Jesus é assim aquele que está próximo, visível, o irmão, mas é também o Outro, o inacessível totalmente Outro.
A identidade de Jesus constrói-se assim nessa relação de intimidade com o Pai, uma relação de confiança e total pertença, de obediência, que vai acontecendo em cada momento e permite ser como o Pai é; mas constrói-se também na relação que cada homem estabelece com ele na intimidade e na confiança dessa mesma relação invisível com o Pai que é possível através dele.
Neste sentido também a nossa identidade, como homens e ainda mais como cristãos, se vai construindo e constituindo nessa dimensão relaciona, num ser que acontece e vai acontecendo. Não sou homem, nem sou cristão, vou sendo homem e vou sendo cristão, porque me situo em relação, me vou descobrindo e identificando pela relação com os outros e o totalmente Outro a que Jesus me dá acesso.
A nossa vida não se joga assim nem no passado nem no futuro, não vivemos ao sabor de determinismos ancestrais ou destinos fatais, mas em cada instante, no hoje e no ser agora, nas relações possíveis que neste momento estabeleço e na intensidade e profundidade com que as vivo.
Se o Filho de Deus assumiu a nossa condição humana, se fez carne da nossa carne e experimentou a nossa condição relacional limitada, as nossas fragilidades humanas, assumiu a nossa identidade, foi para que nós, cada um de nós, pudesse fazer a experiência da verdadeira relação, vislumbrar a identidade divina que nos é natural e que está ao nosso alcance na medida das relações verdadeiras que estabelecermos com os outros e com Ele.
Procuremos pois encontrar a identidade de Jesus buscando a nossa identidade, ou vice-versa, encontrar a nossa identidade buscando a identidade de Jesus, sabendo sempre que quanto mais intensa e profunda for a relação na busca, mais as identidades estarão próximas da verdade.

Ilustração: “Cristo com São Sérgio de Radonezh, de Mikhail Nesterov.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Li e voltei a ler várias vezes, ao longo do dia, o texto da Meditação que teceu e partilha connosco, sem ter a oportunidade de deixar uma palavra. É no final do dia e na última leitura que faço que sinto que leio um texto que é simultaneamente um misto de prosa e poesia. Na reflexão que fui fazendo ao longo do texto não posso mais concordar com o que principia por nos dizer, nos poucos conhecimentos que tenho ...” A identidade de Jesus, bem como a de cada um de nós, é uma questão sempre em aberto.”… Como refere a “identidade funda-se e fundamenta-se na relação do ser”, na relação com Deus e com o nosso próximo, num processo dinâmico multirelacional, pluridimensional, inacabado.
    Permita-me que cite algumas das passagens do texto da Meditação que me tocam particularmente. …” A identidade de Jesus constrói-se assim nessa relação de intimidade com o Pai, uma relação de confiança e total pertença, de obediência, que vai acontecendo em cada momento e permite ser como o Pai é; mas constrói-se também na relação que cada homem estabelece com ele na intimidade e na confiança dessa mesma relação invisível com o Pai que é possível através dele.
    Neste sentido também a nossa identidade, como homens e ainda mais como cristãos, se vai construindo e constituindo nessa dimensão relacional, num ser que acontece e vai acontecendo. Não sou homem, nem sou cristão, vou sendo homem e vou sendo cristão, porque me situo em relação, me vou descobrindo e identificando pela relação com os outros e o totalmente Outro a que Jesus me dá acesso.”(…)
    (…) vivemos, em cada instante, no hoje e no ser agora, nas relações possíveis que neste momento estabeleço e na intensidade e profundidade com que as vivo.”…
    Como nos salienta, …” Se o Filho de Deus assumiu a nossa condição humana, (…) foi para que nós, cada um de nós, pudesse fazer a experiência da verdadeira relação, vislumbrar a identidade divina que nos é natural e que está ao nosso alcance na medida das relações verdadeiras que estabelecermos com os outros e com Ele.”…
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Meditação profunda e maravilhosa, por nos exortar, ….“a encontrar a identidade de Jesus buscando a nossa identidade, ou vice-versa, encontrar a nossa identidade buscando a identidade de Jesus, sabendo sempre que quanto mais intensa e profunda for a relação na busca, mais as identidades estarão próximas da verdade.” Que bela Meditação, que generosa partilha, Frei José Carlos!
    Votos de que tenha desfrutado de um bom dia de aniversário. Que o Senhor ilumine e guarde o Frei José Carlos.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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