terça-feira, 13 de março de 2012

O senhor daquele servo deu-lhe a liberdade (Mt 18,27)

Depois de Jesus ensinar os discípulos sobre a forma de exercer a correcção fraterna, de como a oração comunitária de dois ou três é mais eficaz junto do Pai, Pedro vem directamente perguntar-lhe sobre o número de vezes que é preciso perdoar, certamente com algum peso na consciência face ao que Jesus tinha dito e à forma como tinha agido junto dos companheiros.
Conhecendo o que lhe ia no coração e o que vai no coração de todos os homens, Jesus conta a parábola do senhor que perdoa ao servo que lhe deve e de como este, apesar do perdão do seu senhor, não foi capaz de agir do mesmo modo para com um outro que lhe devia também. Por esta razão foi condenado pelo senhor, pois uma vez que não tinha tido misericórdia para com quem lhe devia também não era digno da misericórdia que o seu senhor tinha tido para consigo.
É inegável que Jesus contou esta parábola a Pedro e a conta a cada um de nós para nos ensinar sobre a desgraça e desastre de colocarmos limites ao perdão, para que aprendamos que o nosso perdão está dependente do perdão que exerçamos e vivamos, e nesse sentido não devemos colocar limites, nem quantificar o perdão que podemos realizar. Esta mesma realidade, este mesmo equilíbrio o proclamamos e solicitamos de cada vez que rezamos o Pai-Nosso.
Mas se Jesus nos convida a esta radicalidade, a esta forma estranha de vida, pois somos mais facilmente inclinados ao ressentimento e ao pagamento na mesma moeda, é porque nela se manifesta o amor, se pode manifestar o nosso amor pelo outro no reconhecimento e respeito do que de bom há nele.
E neste sentido, e tendo presente as palavras de Jesus na parábola, o perdão é uma liberdade, é uma libertação para quem é perdoado e para quem perdoa. Na parábola Jesus diz mesmo que o senhor libertou o servo que lhe devia e depois é que o perdoou.
Ou seja, o perdão exige de nós e compromete-nos numa liberdade, num reconhecer que o ressentimento, a mágoa, a dor, o desejo de vingança, nos limita e nos fere profundamente, e portanto necessitamos libertar o ofensor e colocar a ofensa fora de nós para que ela adquira a sua verdadeira dimensão e o perdão seja viável e mais fácil de se dar.
O perdão infinito, traduzido no resultado dessa multiplicação de setenta por sete, é assim uma proposta de liberdade, uma proposta de liberdade que Jesus oferece a Pedro e a cada um de nós. Saibamos acolhê-la na sua radicalidade e no que significa de libertação apesar de todo o esforço que nos possa custar.

Ilustração: “A vocação de Pedro e André”, de Caravaggio, Colecção Real do Castelo de Windsor.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Muito grata,pelo maravilhoso texto que li com muito interesse,é duma profundidade para a nossa Meditação.São muito gratificantes as suas palavras e esclarecedoras que nos ajudam a uma reflecção mais profunda e tão rica de sentido.Como nos diz o Frei José Carlos,o perdão infinito,traduzido no resultado dessa multiplicação de setenta por sete,é assim uma proposta de liberdade,uma proposta de liberdade que Jesus oferece a Pedro e a cada um de nós.
    Saibamos acolhê-la na sua radicalidade e no que significa de libertação apesar de todo o esforço que nos possa custar.Obrigada,Frei José Carlos,para mim pessoalmente,foi muito gratificante,esta excelente partilha do Evangelho de São Mateus.Bem-haja,Frei José Carlos.Que o Senhor o ilumine e o proteja.Uma boa noite.
    Um abraço fraterno.
    AD

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  2. Frei José Carlos,

    O texto da Meditação que teceu e partilha connosco é muito profundo e belo. Saber perdoar com a radicalidade da parábola que Jesus conta a Pedro e conta a cada um de nós, é difícil, na nossa condição, como nos diz. Muitas vezes a hipótese de perdoar o outro num primeiro pensamento quase nem se coloca. Diferentes elementos se conjugam para que esse perdão ocorra, por vezes, no momento mais inesperado, ou tendo a coragem de ir ao encontro de quem nos magoou. Penso que independentemente de se ser cristão ou não o “nosso amor pelo outro no reconhecimento e respeito do que de bom há nele”, a qualidade da relação com o outro, são fundamentais e é muito importante que a nossa mágoa não se transforme em ressentimento, que não se instale no nosso coração.
    Como nos salienta ...” o perdão exige de nós e compromete-nos numa liberdade, num reconhecer que o ressentimento, a mágoa, a dor, o desejo de vingança, nos limita e nos fere profundamente, e portanto necessitamos libertar o ofensor e colocar a ofensa fora de nós para que ela adquira a sua verdadeira dimensão e o perdão seja viável e mais fácil de se dar.
    O perdão infinito, traduzido no resultado dessa multiplicação de setenta por sete, é assim uma proposta de liberdade, uma proposta de liberdade que Jesus oferece a Pedro e a cada um de nós.” …
    Frei José Carlos, saber perdoar, sem medida, verdadeiramente, infinitamente, como nós pedimos quando rezamos o Pai-Nosso, requer um longo processo de aprendizagem, em que soubemos ou podemos construir a verdadeira fraternidade, com a ajuda de Jesus, num caminho onde não há vencedores nem vencidos.
    Bem-haja, por nos exortar a “acolher a proposta de liberdade que Jesus oferece a Pedro e a cada um de nós na sua radicalidade e no que significa de libertação apesar de todo o esforço que nos possa custar”.
    Que o Senhor nos dons que nos concede nos dê a sabedoria para acolher e fortificar os dons da misericórdia e do perdão. Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha desta importante e maravilhosa Meditação, onde bebemos sempre novos ensinamentos.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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