quinta-feira, 29 de março de 2012

Antes de Abraão existir, Eu Sou! (Jo 8,58)

A conversa de Jesus com os fariseus de Jerusalém aproxima-se do fim e consequentemente da radicalidade e do abismo intransponível. Pelo lado de Jesus a revelação da sua identidade, da sua natureza e da relação de intimidade e filiação com Deus Pai, pelo lado do fariseus a oposição total à novidade do que escutam, o ancoramento nas interpretações reducionistas da mesma revelação de Deus feita ao longo da história.
No contexto desta conversa e nessa evolução natural para o mais profundo e significativo da questão em discussão, não podia deixar de aparecer o tema de Abraão, o tema da aliança estabelecida entre Deus e Abraão, afinal a filiação pela fé.
Face ao nascimento de Abraão muitos séculos antes de Jesus, a forma como são interpretadas, por parte dos fariseus, as palavras de Jesus provoca um verdadeiro e inevitável absurdo. Uma vez mais, os interlocutores não compreendem, ou não querem compreender o que Jesus quer dizer.
E tal incompreensão não podia deixar de conduzir à violência e à tentativa de lapidação de Jesus face à proclamação e identificação com o nome de Deus “Eu Sou”. Tal não chegou a acontecer porque Jesus se escapou entre a multidão, mas sobretudo porque como nos diz São João ainda não tinha chegado a sua hora.
Contudo, para eles e para nós a questão é de suma importância e reveste-se de desafios e consequências extremamente significativas.
As palavras de Jesus colocam em relevo a existência de Deus anterior a qualquer revelação e aliança, a qualquer manifestação de fé. Antes de Abraão existir, Deus já é, já existe e portanto não é o homem que lhe dá existência, mas Deus que dá existência ao homem.
Existência que ultrapassa e está para lá de qualquer aliança, de qualquer culto ou código normativo. Todas essas realidades são consequências, exercícios de uma realidade prévia e muito mais significativa em termos de consequências, a relação com Deus.
Ao referir o nome de Deus “Eu Sou”, Jesus coloca a ênfase nessa dimensão relacional, nesse encontro com Deus que se mostra e revela como ser e convida a ser. A sua intimidade com o Pai, a sua relação é disso testemunho, e portanto exemplo e convite a ser seguido.
E se Abraão foi o pai da fé e pode ser invocado como o pai do povo, é porque também nas suas limitações, fragilidades e capacidades humanas foi capaz de estabelecer uma relação com Deus, perceber e viver o seu ser, a sua identidade, à luz do ser de Deus que se lhe revelou e o interpelou.
Neste sentido somos também nós convidados a viver essa interpelação de Deus, a acolher a revelação que Jesus nos fez, a concluir uma aliança pessoal com Ele, assumindo a nossa identidade e o nosso ser em perfeita e intima relação com a identidade e ser de Deus que nos foi revelada na sua perfeição e plenitude por Jesus Cristo.

Ilustração: “Trindade”, do Altar da igreja de Nossa Senhora da Assunção de Torun. Museu Diocesano de Pelplin, Polónia.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Leio o texto que elaborou e partilha connosco. Tento situar-me no contexto histórico em que se desenrolou a vida de Jesus e particularmente os últimos três anos, repensar o meu percurso, e a actualidade. Os ténues e importantes fios que me seguraram centram-se em Jesus vivo, na Sua Palavra, nas relações que sempre tentei estabelecer com o meu próximo, nos compromissos que assumi. Primeiramente foram os Franciscanos que tiveram um papel decisivo na minha vida, pela Pregação, pela confissão, e nos últimos anos são os Dominicanos com quem tenho aprendido muito, para surpresa da família e dos (as) amigos (as). Porém, o Mistério da Santíssima Trindade, no qual acredito, continuo a ter dificuldade na sua interpretação. Quando penso que resolvi o problema, regrido. Será somente falta de informação, Frei José Carlos? Há alguns milhares de anos, os fariseus podiam ter ultrapassado a questão histórica se tivessem compreendido a Palavra de Jesus, como os soldados a entenderam? Como nos salienta no texto ...” As palavras de Jesus colocam em relevo a existência de Deus anterior a qualquer revelação e aliança, a qualquer manifestação de fé. Antes de Abraão existir, Deus já é, já existe e portanto não é o homem que lhe dá existência, mas Deus que dá existência ao homem.
    Existência que ultrapassa e está para lá de qualquer aliança, de qualquer culto ou código normativo. Todas essas realidades são consequências, exercícios de uma realidade prévia e muito mais significativa em termos de consequências, a relação com Deus.
    Ao referir o nome de Deus “Eu Sou”, Jesus coloca a ênfase nessa dimensão relacional, nesse encontro com Deus que se mostra e revela como ser e convida a ser. A sua intimidade com o Pai, a sua relação é disso testemunho, e portanto exemplo e convite a ser seguido.”…
    Bem-haja, Frei José Carlos, por nos exortar …” a viver essa interpelação de Deus, a acolher a revelação que Jesus nos fez, a concluir uma aliança pessoal com Ele, assumindo a nossa identidade e o nosso ser em perfeita e intima relação com a identidade e ser de Deus que nos foi revelada na sua perfeição e plenitude por Jesus Cristo.”
    Obrigada, Frei José Carlos, por nos ajudar na Caminhada, por nos oferecer a partilha das Meditações, entre outros textos, cujo efeito, conseguimos sentir, sem ter consciência, algumas vezes, da(s) transformações que se geram, em cada um de nós. Que o Senhor o abençõe e o guarde.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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  2. Frei José Carlos,

    Li o texto que propôs para Meditação,sobre o Evangelho de São João,tão profundo e rico de sentido,que partilhou connosco,e nos ajudou a Meditar mais profundamente.As suas palavras são imprescindíveis,muito reconfortantes que neste momento nos dá força para irmos em frente na nossa caminhada.Como nos diz o Frei José Carlos...Neste sentido também nós convidados a viver essa interpelação de Deus a acolher a revelação que Jesus nos fez,a concluir com Ele,assumindo a nossa identidade e o nosso ser em perfeita e intima relação com a identidade e ser de Deus que nos foi revelada na sua perfeição e plenitude por Jesus Cristo.Obrigada,Frei José Carlos,pela maravilhosa e bela partilha,que muito gostei.Desejo-lhe uma boa noite e bom trabalho.Que o Senhor o ilumine e o proteja.
    Um abraço fraterno.
    AD

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