domingo, 25 de março de 2012

Homilia do V Domingo da Quaresma

A leitura do Evangelho de São João deste quinto domingo da Quaresma narra-nos o pedido que um grupo de gregos, presentes em Jerusalém por ocasião da Páscoa, fez no sentido de se encontrar com Jesus, de o ver em privado.
Para compreender este pedido, de um grupo de estranhos, não podemos esquecer que pouco antes Jesus tinha entrado triunfalmente em Jerusalém, aclamado pela multidão como rei, e que junto dos grupos política e religiosamente influentes havia um grande desconforto face a essa mesma entrada triunfal, pelo que já tinham decidido a sua morte.
O pedido dos gregos, formulado certamente por razões pouco consentâneas com a missão de Jesus, uma vez que o evangelista não nos diz que se encontraram, é por isso para Jesus o momento da revelação da sua hora, da eminência da sua morte e glorificação, enquanto que para o autor do Evangelho é a oportunidade e o momento de colocar fim ao processo dos sinais reveladores de Jesus, de modo a apresentar o último e grande sinal, o que dá sentido a todos os outros, a morte na cruz.
Para o autor do Evangelho de São João é também a oportunidade de aglutinar num único acontecimento dois momentos significativos e de extrema importância na vida de Jesus e que ao contrário dos outros evangelistas não relata separadamente, como são o momento da transfiguração no monte Tabor e o momento da agonia de Jesus nos jardim das oliveiras.
Não fazendo o relato em particular de cada um destes acontecimentos, o Evangelho de João, integra-nos neste momento em que os gregos pedem para ver Jesus, assumindo a oração angustiada de Jesus e a manifestação do Pai face a essa oração de Jesus.
Por outro lado, este momento é também a oportunidade para o autor do quarto Evangelho nos colocar face a face com a humanidade de Jesus, com o seu dilema face à eminência da sua morte, e a decisão tomada livre e conscientemente de a aceitar sem reservas.
Neste sentido, e mostrando que Jesus não era nenhum super-homem ou um anjo insensível, uma realidade virtual, ou um ser desprovido da verdadeira natureza humana, o Evangelho diz-nos que Jesus se perturbou, que a eminência da sua morte o afectou ao ponto de, como nos diz a Epistola aos Hebreus, ter dirigido preces entre clamores e lágrimas àquele que o podia livrar da morte.
Perante a eminência da sua morte Jesus interroga-se sobre o que fazer, sobre a atitude a assumir face a esse desafio radical, um desafio que aparentemente parece colocar em causa toda a missão até ali realizada.
Esta apresentação da humanidade de Jesus e do seu dilema não pode deixar de nos interpelar, não pode deixar de nos questionar face aos desafios que a vida nos vai colocando e que tantas vezes tentamos superar sem que nos afectem, sem que nos perturbem ou deixem marcas.
Jesus viveu a nossa condição humana nos seus limites de fragilidade, de questionamento de sentido, e portanto também nós os podemos viver e superar, uma vez fortalecidos na esperança da vitória que o mesmo Jesus ali alcançou.
Vitória alcançada, como nos diz a Epistola aos Hebreus, na obediência, na conformidade ao projecto e à vontade do Pai, pois assim o assume Jesus ao dizer que foi para isso que chegou àquela hora, que todo o seu projecto de vida se desenvolveu.
A obediência permite a Jesus compreender e aceitar a hora difícil que lhe chega, uma hora que faz parte do projecto de salvação desenhado pelo Pai e anunciado pelos profetas ao longo da história.
E uma vez que assume na obediência a sua hora, face ao consentimento na colaboração na obra salvadora que glorifica o nome do Pai, o mesmo Pai lhe garante a vitória, porque nada está na sua mão, mas na mão do Pai ao qual se entrega livremente.
Não nos pode por isso estranhar que a obediência a Jesus, a obediência aos seus mandamentos e à sua palavra, seja causa de salvação eterna, oportunidade de glorificação para cada um dos que lhe obedece, porque na obediência se experimenta essa exterioridade a nós próprios, a transferência da nossa vontade para a vontade de Deus, que é uma vontade salvadora, glorificante.
Confirmada a vitória, revelada a promessa de vitória por parte do Pai, Jesus volta-se para a multidão que tinha escutado a voz do Pai mas não a tinha percebido, para profetizar e anunciar que o príncipe deste mundo ia ser expulso. A sua obediência, plasmada no cumprimento da hora desde toda a eternidade programada, tinha assim um alcance muito mais vasto e profundo do que aparentemente poderia parecer. A obediência de Jesus vencia aquele que tinha sido desobediente e tinha envolto o mundo na sua desobediência.
Na nossa caminhada quaresmal, o encontro com a humanidade de Jesus, com a sua fragilidade, com os seus dilemas, é para nós um alento, um despertar de vontade, pois percebemos que também na nossa fragilidade e nos nossos dilemas podemos fazer a experiência da obediência e alcançar a vitória sobre o mal.
Face à obediência de Jesus na sua fragilidade aprendemos ou podemos aprender a também a ser obedientes na nossa fragilidade.

Ilustração: “Cristo confortado por um anjo”, de Paul Troger, Museu Diocesano de Bressanone.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Grata,pela excelente Homilia do Evangelho de São João,que partilhou connosco.Como nos diz o Frei José Carlos,no texto que nos propôs para Meditação...Na nossa caminhada quaresmal,o encontro com a humanidade de Jesus,com a sua fragilidade,com os seus dilemas,é para nós um alento,um despertar de vontade,pois percebemos que também na nossa fragilidade e nos nossos dilemas podemos fazer a experiência e alcançar a vitória sobre o mal.
    Face à obediência de Jesus na sua fragilidade aprendemos ou podemos aprender a também a ser obedientes na nossa fragilidade.Obrigada,Frei José Carlos,pela partilha desta bela Meditação.Desejo-lhe uma boa semana.Que o Senhor o ilumine e proteja.
    Um abraço fraterno.
    AD

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  2. Frei José Carlos,

    O texto da Homilia que teceu e partilha connosco é profundo e belo e leva-nos a reflectir sobre o sentido da condição humana que frequentemente não conseguimos entender. Precisamos acreditar que há uma esperança mais forte que o desalento e o desencanto do mundo em que vivemos, dos problemas que enfrentamos e somos chamados a viver e a ultrapassar.
    Permita-me que cite algumas das passagens do texto que me tocam particularmente. (...)
    (...) “Esta apresentação da humanidade de Jesus e do seu dilema não pode deixar de nos interpelar, não pode deixar de nos questionar face aos desafios que a vida nos vai colocando e que tantas vezes tentamos superar sem que nos afectem, sem que nos perturbem ou deixem marcas.
    Jesus viveu a nossa condição humana nos seus limites de fragilidade, de questionamento de sentido, e portanto também nós os podemos viver e superar, uma vez fortalecidos na esperança da vitória que o mesmo Jesus ali alcançou.
    Vitória alcançada, como nos diz a Epistola aos Hebreus, na obediência, na conformidade ao projecto e à vontade do Pai, pois assim o assume Jesus ao dizer que foi para isso que chegou àquela hora, que todo o seu projecto de vida se desenvolveu.”(…)
    ...” Não nos pode por isso estranhar que a obediência a Jesus, a obediência aos seus mandamentos e à sua palavra, seja causa de salvação eterna, oportunidade de glorificação para cada um dos que lhe obedece, porque na obediência se experimenta essa exterioridade a nós próprios, a transferência da nossa vontade para a vontade de Deus, que é uma vontade salvadora, glorificante.”(…)
    …” Na nossa caminhada quaresmal, o encontro com a humanidade de Jesus, com a sua fragilidade, com os seus dilemas, é para nós um alento, um despertar de vontade, pois percebemos que também na nossa fragilidade e nos nossos dilemas podemos fazer a experiência da obediência e alcançar a vitória sobre o mal.”…
    Peçamos ao Senhor que grave no nosso coração o selo da fé, permanentemente reforçada para que saibamos na nossa fragilidade seguir o Caminho de Jesus.
    Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha da Homilia, que ao recordar-nos a “humanidade de Jesus, o seu dilema face à eminência da sua morte, a obediência ao Pai”, encoraja-nos que no nosso peregrinar “aprendemos ou podemos aprender a também a ser obedientes na nossa fragilidade,” como nos salienta no texto. Que o Senhor ilumine e abençõe o Frei José Carlos.
    Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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