quinta-feira, 22 de março de 2012

Não é de um homem que eu recebo testemunho (Jo 5,34)

O milagre que Jesus opera junto da piscina de Betsatá é um acontecimento que tem grandes repercussões, pois não só desperta a ira e o desejo da sua morte por parte das autoridades religiosas judaicas de Jerusalém, como também confronta a identidade de Jesus com as imagens que dele e sobre ele se tinham construído.
Este confronto dá-se antes de mais na formulação da identidade, nessa consciência que Jesus tem de si mesmo como Filho de Deus e vivendo em profunda intimidade com o Pai. Tal consciência e identidade entram em choque com a concepção religiosa vigente, uma concepção que concebe Deus como uma autoridade, como uma realidade que se protege no santo dos santos, e cuja ira se aplacava através de sacrifícios sangrentos executados por uma classe especialmente destinada a tal.
Mas o confronto dá-se também na leitura e interpretação dos gestos que transmitem e explicitam aquela mesma intimidade, essa identidade e natureza que Jesus reclama para si. Aquele milagre e tantos outros apenas manifestavam a natureza e missão de Jesus, a sua íntima relação com o Pai do céu, e portanto nada mais era necessário para o acreditar.
Contudo, e tendo conhecimento da missão de enviados a João Baptista, Jesus reclama o testemunho que foi dado por aquele que tinha vindo preparar o caminho, que tinha vindo endireitar as veredas para que o povo se pudesse encontrar com Deus.
Ainda que o testemunho de um homem fosse insignificante, face à verdadeira e original fonte da identidade e autoridade, o próprio Deus Pai, Jesus aceita e reclama aquele testemunho de João, pois era uma oportunidade mais para que a salvação acontecesse para aqueles homens.
E isto é que é importante, porque afinal é nesta questão que tudo se joga, é a salvação que importa, é essa a missão de Jesus e portanto tudo o que contribui e colabora com ela é passível de aceitação, de integração no processo.
Para nós, que vivemos também de testemunhos, o que nos foi deixado pelos Apóstolos, e por todos os homens e mulheres que construíram a história da Igreja nestes dois mil anos, há um desafio importantíssimo que se nos coloca, uma vez que necessitamos fundar e fundamentar nesse mesmo testemunho a nossa experiência relacional com Deus.
Hoje, como há dois mil anos, a nossa relação de intimidade com Deus passa pela fé nos gestos e palavras de Jesus, na natureza e identidade da sua pessoa, mas tal só acontece pela intermediação testemunhal daqueles que o experimentaram e experimentam. E neste sentido, só outros homens e mulheres tentarão a mesma experiência na medida em que encontrarem hoje com um testemunho, com o nosso testemunho.
Peçamos a Deus Pai que sejamos capazes, pela graça do Espírito Santo, de testemunhar a salvação que nos foi alcançada e aquele por quem essa salvação nos chega, Jesus Cristo nosso Senhor e Redentor.

Ilustrução: “Santíssima Trindade com São João e Maria Madalena”, de Sandro Botticelli, Courtauld Institute of Art.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Reflicto sobre o Evangelho do dia de hoje e sobre o texto que elaborou e partilha connosco. Há uma palavra que surge várias vezes, a palavra “testemunho”. Os testemunhos de que Jesus fala: o testemunho da verdade dado por João Baptista, o testemunho que o Pai dá de Jesus através das suas obras, o testemunho das Escrituras, todos são postos em causa pelas autoridades religiosas e motivo de confronto, “os testemunhos” que precisamos, o “nosso testemunho”.
    Como nos refere, ...” Ainda que o testemunho de um homem fosse insignificante, face à verdadeira e original fonte da identidade e autoridade, o próprio Deus Pai, Jesus aceita e reclama aquele testemunho de João, pois era uma oportunidade mais para que a salvação acontecesse para aqueles homens.
    E isto é que é importante, porque afinal é nesta questão que tudo se joga, é a salvação que importa, é essa a missão de Jesus e portanto tudo o que contribui e colabora com ela é passível de aceitação, de integração no processo.(…)
    (…) Hoje, como há dois mil anos, a nossa relação de intimidade com Deus passa pela fé nos gestos e palavras de Jesus, na natureza e identidade da sua pessoa, mas tal só acontece pela intermediação testemunhal daqueles que o experimentaram e experimentam.”…
    Um grande obrigada, Frei José Carlos, pela partilha da Meditação, profunda, importante, simultaneamente complexa e clara (será correcto dizer isto, Frei José Carlos?), por nos salientar que …”Para nós, que vivemos também de testemunhos, (…) há um desafio importantíssimo que se nos coloca, uma vez que necessitamos fundar e fundamentar nesse mesmo testemunho a nossa experiência relacional com Deus.”
    Façamos nossas as palavras de Frei José Carlos e …” Peçamos a Deus Pai que sejamos capazes, pela graça do Espírito Santo, de testemunhar a salvação que nos foi alcançada e aquele por quem essa salvação nos chega, Jesus Cristo nosso Senhor e Redentor.” Que o Senhor o ilumine e abençõe.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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  2. Frei José Carlos,

    Agradeço-lhe esta maravilhosa partilha do Evangelho de São João,muito esclarecedora,profunda,que nos ajuda à nossa Meditação.Gostei muito,Frei José Carlos,e faço minhas as suas belas palavras...Hoje,como há dois mil anos,a nossa relação de intimidade com Deus passa pela fé nos gestos e palavras de Jesus,na natureza e identidade na sua pessoa,mas tal só não acontece pela intermediação testemunhal daqueles que o experimentaram e experimentam.
    E neste sentido,só outros homens e mulheres tentarão a mesma experiência na medida em que encontrarem hoje com um testemunho,com o nosso testemunho.Peçamos a Deus Pai que sejamos capazes pala graça do Espírito Santo,de testemunhar a salvação que nos foi alcançada e aquele por quem essa salvação nos chega,Jesus Crito nosso Senhor e Redentor.Obrigada,Frei José Carlos,por esta beleza de Meditação,que partilhou connosco.Bem-haja.Que o Senhor lhe dê sempre o dom da Sabedoria,o ilumine e o abençõe.Desejo-lhe um bom fim de semana,ao Frei José Carlos.
    Um abraço fraterno.
    AD

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