segunda-feira, 19 de março de 2012

São José, o guarda silencioso dos mistérios

É impressionante, ao percorrermos os Evangelhos, não encontrarmos uma única palavra de José, o esposo de Maria e pai de Jesus. E sobre a sua vida, pouco mais que o incidente da paternidade de Jesus. José é assim o grande justo silencioso, aquele que vive totalmente para fora de si, para o mistério que lhe é dado participar pelo serviço da vigilância.
José possui o mistério de Deus em sua casa, o Filho de Deus feito Homem habita sob o seu tecto e no entanto da sua parte nem uma palavra, nem um comentário, ou recomendação. Todos os mistérios de que toma conhecimento pelo anjo são guardados no seu silêncio, sem qualquer divulgação, como se não houvesse palavras para expressar o que lhe era dado viver.
José vive silencioso, mas vive presente e vive de uma forma activa, pois é convidado por Deus a agir, a aceitar Maria que vai ser mãe, a levar a família a recensear-se em Belém, a fugir com o Menino para o Egipto, a regressar quando o perigo de morte já desapareceu. José tudo faz, sem uma palavra.
E por fim desaparece, depois desse incidente em que se esquece do Menino no templo e descobre, quando o encontra, que ele se tinha confrontado com a sua verdadeira filiação. Ali estava a casa do seu verdadeiro Pai.
José apaga-se assim face ao mistério que tem diante de si, um mistério que o abraça e ultrapassa e por isso é apenas passível de contemplação. Não há palavras para o dizer.
Neste sentido José é o modelo mais radical que se nos apresenta em termos de contemplação, pois adora e contempla em silêncio aquele que alterou definitivamente e de forma insuspeita a sua vida e todos os seus projectos. Na sua acção e no seu silêncio José sabe que Deus o quer ali, e o quer ali actuante e silencioso, elemento da história e totalmente estranho à história.
José é aquele que sabe que nada lhe pertence, que não é dono de nada, nem do seu filho tão desejado, mas que tudo lhe foi confiado naquele que é o único Filho, o filho muito amado.
Que São José interceda por nós, por cada um de nós, na contemplação silenciosa a que somos chamados e na casta liberdade de nada possuirmos para além do Mistério que também nos é confiado.

Ilustração: “São José com o Menino”, Escola Veneziana, Altar de São José na Basílica de São João e São Paulo, Veneza. Fotografia de MOtty.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Li com muito interesse o texto que teceu sobre “São José, o guarda silencioso dos mistérios”. Pela espiritualidade, beleza e ternura que encerra. Pela forma como aborda o tema do silêncio em São José. Permita-me, Frei José Carlos, que revele o que sempre admirei em José, a humildade e a capacidade de aceitação do plano que Deus traçou para a sua vida e que todos os dias peço ao Senhor para mim e para todos. José, em silêncio, sabendo que não é o verdadeiro Pai de Jesus, assume enquanto foi necessário os cuidados de um pai extremoso.
    Como nos salienta no texto ...” Neste sentido José é o modelo mais radical que se nos apresenta em termos de contemplação, pois adora e contempla em silêncio aquele que alterou definitivamente e de forma insuspeita a sua vida e todos os seus projectos. Na sua acção e no seu silêncio José sabe que Deus o quer ali, e o quer ali actuante e silencioso, elemento da história e totalmente estranho à história.”…
    Façamos nossas as palavras de Frei José Carlos e peçamos “Que São José interceda por nós, por cada um de nós, na contemplação silenciosa a que somos chamados e na casta liberdade de nada possuirmos para além do Mistério que também nos é confiado.”
    Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha da Meditação, profunda e muito bela, oportuna, quando alguns de nós se interrogam sobre os “sinais de Deus”. Que o Senhor o abençõe e o guarde.
    Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me que partilhe um poema de Paul Claudel, transcrito da mensagem da Pastoral da Cultura, de 19.03.2012

    S. José, obtém-nos o silêncio

    Quando as ferramentas são guardadas no seu lugar e o trabalho do dia termina,
    
Quando do Carmelo ao Jordão, Israel adormece no trigo e na noite,
    
Como antigamente quando ele era jovem e ficava muito escuro para ler,
    
José conversa com Deus com um grande suspiro.

    Ele preferiu a Sabedoria e é ela que lhe é trazida para a desposar.
    Ele é silencioso como a terra à hora do orvalho,

    Ele está na abundância e na noite, ele está bem na alegria, ele está bem na verdade

    Maria está na sua posse, e ele a rodeia de todos os lados.

    Não foi num só dia que aprendeu a nunca mais estar só
    Uma mulher conquistou cada parcela do seu coração agora prudente e paternal

    Está de novo no Paraíso com Eva!

    Este rosto de que todos os homens precisam, volta-se com amor e submissão para José.

    Já não é a antiga prece e já não é a antiga espera depois de que ele sente subitamente um braço sem ódio,

    o apoio deste ser profundo e inocente.

    Já não é a fé nua na noite, é o amor que explica e opera.

    José está com Maria e Maria está com o Pai.

    E nós também, para que Deus finalmente seja permitido

    Suas obras ultrapassam a nossa razão,

    Para que a sua luz não se apague por outras luzes,

    E as suas palavras pelo nosso ruído,

    Para que cesse o homem

    E para que venha o vosso reino,

    E se cumpra a vossa vontade,

    Para que reencontremos a origem com profundas delícias,

    Para que o mar se acalme e Maria comece,

    Ela que tem a melhor parte,
    E que do antigo Israel abate a resistência,
    José, Patriarca interior, obtém-nos o silêncio

    Paul Claudel (1868-1955)

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