quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Cumpriu-se hoje esta palavra da Escritura (Lc 4,21)

Iniciado o ministério público da pregação e reunido o primeiro grupo dos discípulos, Jesus regressa à sua terra de Nazaré, à terra onde o tinham visto crescer e à qual tinham já chegado os rumores sobre a sua actividade.
Assim, quando Jesus se levanta para ir ler a Escritura todos os olhos se fixam nele, pois todos o conhecem, todos sabem histórias da sua vida de carpinteiro, das amizades e relações que construiu ali durante tantos anos.
Por outro lado, sabem já também o que se diz dele, da sua fixação na cidade de Cafarnaum, da sua pregação e apelo à conversão, dos acontecimentos extraordinários que se têm desenrolado à sua volta e na sua presença.
É por isso grande a expectativa, mas sem qualquer alarde de vaidade ou orgulho, terminada a leitura e face aos olhos que o fixam, Jesus diz-lhes o que não suspeitavam, o que jamais lhes poderia passar pela cabeça, “cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura”.
Fazendo justiça ao que conheciam dele e ao que tinham ouvido de extraordinário sobre a sua actividade, Jesus reivindica para si as palavras do profeta, apresenta-as como actualidade e acção, porque afinal aquele que tanto olham é o Messias de Deus anunciado pela Escritura.
Uma onda de choque, como um marmoto, percorre a multidão, pois não só aquele que se diz o Messias é conhecido de todos eles, é familiar até de alguns, como os sinais externos que o deviam confirmar se situam nos antípodas da promessa.
Afinal o que se cumpre quando continua a haver exploração, quando os pobres continuam pobres, quando o opressor é cada vez mais violento e injusto, quando a liberdade anunciada para os tempos messiânicos está afinal tão distante, é como uma miragem do deserto? Quando os sinais são tão contraditórios, que esperar, que acreditar?
E contudo a resposta está ali, naquele mesmo momento histórico. Não se trata de uma revolução, de uma inversão dos papéis e poderes, mas a proposta de um futuro, de um outro futuro.
As fomes e as guerras não desaparecerão, as injustiças continuarão a fazer-se sentir, as fragilidades dos homens e das mulheres continuarão a existir e a provocar os desastres que todos conhecemos.
Mas tais realidades estarão iluminadas por uma outra luz, terão uma outra dimensão que radica no amor de Deus para além das misérias e finitudes que nos constituem. Em Jesus e com Jesus as obras das trevas e da morte são iluminadas pelo seu amor, são transfiguradas, adquirindo uma possibilidade de vida nova.
Também hoje Jesus nos diz que a Palavra se cumpre e, na medida em que aceitamos a sua luz de verdade sobre as nossas realidades, esse cumprimento é ainda mais gratificante e redentor.
 
Ilustração: Vitral da Família de Nazaré na Basílica de Notre-Dame de Genebra.

 

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Naquele sábado, na sinagoga, e em Nazaré, a escolha da leitura que Jesus fez do livro do profeta Isaías e o que disse a seguir “cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura que acabaste de ouvir” (v.21), constituem a forma que Jesus escolheu para se revelar. Como nos salienta …” Jesus reivindica para si as palavras do profeta, apresenta-as como actualidade e acção, porque afinal aquele que tanto olham é o Messias de Deus anunciado pela Escritura.” …
    Como nos afirma …” As fomes e as guerras não desaparecerão, as injustiças continuarão a fazer-se sentir, as fragilidades dos homens e das mulheres continuarão a existir e a provocar os desastres que todos conhecemos mas estarão iluminadas por uma outra luz, terão uma outra dimensão que radica no amor de Deus para além das misérias e finitudes que nos constituem.”…
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Meditação, profunda, pela interpretação, que nos dá uma esperança renovada, ao recordar-nos que ...” Também hoje Jesus nos diz que a Palavra se cumpre e, na medida em que aceitamos a sua luz de verdade sobre as nossas realidades, esse cumprimento é ainda mais gratificante e redentor.”
    Que o Senhor o ilumine, abençoe e proteja.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe de novo, um poema de Frei José Augusto Mourão, OP

    da consolação


    dá, Senhor, os dons da constância/e da consolação à nossa casa/segundo a tua liberalidade/
    e não a nossa economia//

    dá a graça da hospitalidade à nossa casa/ para acolher a diferença/na unidade da fé/
    e o que sobrevém sem avisar/e nos altera//

    dá-nos a invencibilidade da esperança/que o teu amor garante/e o teu Espírito derrama//

    seja o teu amor a sustentação do que se espera/no escuro do desejo//

    inscreve em nós a verticalidade do céu/que nos remete à fonte de onde a graça corre/
    Deus que assistes ao nosso desejo e às nossas dívidas

    (In, “O nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)

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