Celebramos hoje a
solenidade da Epifania do Senhor, a manifestação do Filho de Deus a todos os
povos, reunidos e simbolizados nos três reis magos que procuram e encontram
Jesus menino.
A leitura do Evangelho
de São Mateus que escutamos nesta solenidade deixa-nos contudo com uma imagem
bastante diferente de uma manifestação jubilosa, de um encontro alegre e
gratificante, pois deparamos com um desencontro e com uma confusão que não pode
deixar de nos questionar no seu sentido, uma vez que alguns dos intervenientes
nesta história, se não todos, também se sentiram confusos e perturbados.
Conta-nos São Mateus
que a chegada dos reis magos a Jerusalém, à procura de um menino rei recém-nascido,
provocou bastante perturbação na cidade, para além do alvoroço que certamente
uma embaixada e cortejo deste tipo provocariam em qualquer cidade onde chegasse.
Para a perturbação ser
ainda maior não podemos esquecer que estes reis magos vinham do oriente, ou
seja, de alguma forma vinham do mesmo ponto de origem do pai da fé, de Abraão,
que tinha chegado à terra de Canaã vindo da região de Ur a oriente. Estes três reis,
guiados por uma estrela, são assim um apelo às origens patriarcais e ao que elas
simbolizam, são um desafio à fé em oposição ao poder monárquico, à força humana.
A resposta à busca do
local de nascimento do pequeno rei por parte dos rei magos, encontrada nas
escrituras pelos escribas e sacerdotes, vem agudizar ainda mais este desafio e
este contraste, pois coloca em oposição a cidade de Belém, a pequena cidade
onde David tinha sido escolhido para ser rei, à cidade de Jerusalém, que David
conquista para si e para o povo mas que será o local do seu pecado.
A cidade de Belém,
como local do nascimento do menino, é desta forma um regressar às origens, um
regressar à humildade do pequeno pastor que Samuel unge face à surpresa de toda
a família. E por isso a referência, por parte dos escribas e sacerdotes de
Jerusalém à profecia que indica Belém como local do nascimento, omite
declaradamente a referência real, e apresenta um chefe que será como um pastor
para Israel.
Caiem assim por terra
as aspirações de poder, de glória, de força, simbolizadas no rei Herodes, que secretamente
manda chamar os reis para acordar com eles uma informação posterior sobre o
menino, como se diante de tudo o que se tinha passado até ali, diante de toda a
perturbação pudesse haver algum segredo.
A manifestação do
nascimento do Messias, do menino rei, é assim, e antes de mais, um desencontro, um falhanço, pois
aqueles que tomam conhecimento do nascimento são incapazes de acompanhar os
reis vindos do oriente. Há um desinteresse muito grande, surpreendente face a
tanta inquietação e perturbação anterior, e sobretudo face ao esclarecimento
fornecido pela Palavra de Deus, que os devia alegrar como convidava o profeta Isaías que escutámos na primeira leitura.
Este episódio dos reis
magos, com o desencontro inerente, coloca-nos assim face à nossa busca de Deus
e ao perigo que também corremos de sermos cegos e surdos àquele que se nos
apresenta de uma forma insuspeitada.
Os reis magos, vindos
do oriente, tinham procurado a resposta para a sua busca no caminho das
estrelas, mas a partir de determinado momento necessitaram de uma outra luz, de
uma outra informação para poderem chegar ao menino, como de facto chegaram.
Ao contrário deles, os
escribas e sacerdotes de Jerusalém, o rei Herodes, ainda que possuidores de uma
informação qualificada, não foram capazes de a unir com a informação dos reis
vindos do oriente, e obcecados com o seu conhecimento não foram capazes de
partir à descoberta.
A manifestação de
Deus, ou melhor, o nosso encontro com a manifestação de Deus é assim um
processo longo e no qual é necessária a participação de várias entidades, de
vários tipos de informação. Não nos podemos restringir apenas a um conjunto de
dados para nos encontrarmos com Deus.
Neste sentido, as
nossas buscas de Deus através das leituras, do estudo, da oração, da poesia ou
da arte necessitam da informação dada pela doutrina da Igreja, da formulação da
tradição, do Credo, para que nos possam verdadeiramente conduzir ao local em
que Deus se nos manifesta, se nos revela.
Por outro lado, não
podemos deixar de colher os dados e as interrogações que nos são fornecidas
pela cultura, pela ciência, por aqueles mesmos que nos dizem que não acreditam,
pois também esses dados e informações nos iluminam no nosso caminhar para o
encontro com a manifestação de Deus; são como que estrelas que nos despertam e
provocam
Quando dizemos que a
Epifania do Senhor é manifestação de Deus a todos os homens, a todos os povos
simbolizados nos reis magos, não podemos também deixar de dizer que é
igualmente uma manifestação a todas as realidades da vida do homem, daquelas
que estão mais próximas da vontade de Deus e das outras que se opõem a ela.
E tal como aconteceu
com os reis magos, depois do encontro do menino, depois da manifestação de
Deus, não podemos voltar pelo mesmo caminho, não podemos regressar à cidade do
poder e da injustiça, à cidade do orgulho e do egoísmo onde Herodes nos espera
para dar início ao processo de destruição de toda a esperança de um mundo novo simbolizado
nos inocentes assassinados.
A Epifania do Senhor,
a manifestação de Deus na história dos homens e na nossa história pessoal deve portanto
levar-nos por outros caminhos, pois neste encontro e manifestação descobrimos
que Deus é Emanuel, é Deus connosco.
A escolha do caminho certo é sempre uma Graça.
ResponderEliminarIr.T.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarO texto da Homilia da Solenidade do Senhor que teceu e partilha é profundo e muito interessante a forma como o elaborou teológica (do muito pouco que sei) e ontogicamente falando, na ligação entre o passado e a realidade presente da Humanidade. Permita-me que respigue algumas passagens que me tocam.
...” Estes três reis, guiados por uma estrela, são assim um apelo às origens patriarcais e ao que elas simbolizam, são um desafio à fé em oposição ao poder monárquico, à força humana.(…)
(...)Este episódio dos reis magos, com o desencontro inerente, coloca-nos assim face à nossa busca de Deus e ao perigo que também corremos de sermos cegos e surdos àquele que se nos apresenta de uma forma insuspeitada..(…)
(…)A manifestação de Deus, ou melhor, o nosso encontro com a manifestação de Deus é assim um processo longo e no qual é necessária a participação de várias entidades, de vários tipos de informação.(…)
(…)Neste sentido, as nossas buscas de Deus através das leituras, do estudo, da oração, da poesia ou da arte necessitam da informação dada pela doutrina da Igreja, da formulação da tradição, do Credo, para que nos possam verdadeiramente conduzir ao local em que Deus se nos manifesta, se nos revela.
Por outro lado, não podemos deixar de colher os dados e as interrogações que nos são fornecidas pela cultura, pela ciência, por aqueles mesmos que nos dizem que não acreditam, pois também esses dados e informações nos iluminam no nosso caminhar para o encontro com a manifestação de Deus; são como que estrelas que nos despertam e provocam. (…)
Peçamos ao Senhor que a Luz que orientou os reis magos no encontro com Jesus, nos guie na nossa busca fiel e incessante do encontro com Deus.
Grata, Frei José Carlos, pela partilha, que ilustrou de forma tão bela, por recordar-nos que ...” A Epifania do Senhor, a manifestação de Deus na história dos homens e na nossa história pessoal deve portanto levar-nos por outros caminhos, pois neste encontro e manifestação descobrimos que Deus é Emanuel, é Deus connosco.”
Que o Senhor o ilumine, abençoe e proteja.
Votos de uma boa semana.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me, Frei José Carlos que partilhe um poema do Padre José Tolentino de Mendonça.
Estrela
Que a Tua estrela nos encontre disponíveis
para a viagem
mesmo sem que percebamos tudo
Que o seu brilho nos torne pacientes
com as coisas não resolvidas do nosso coração
e nos ajude a amar as difíceis questões
que por vezes a noite, por vezes o dia
segredam pelo tempo fora
Que a Tua estrela nos faça reconhecer
que nunca é tarde
para que se tornem de novo ágeis e sonhadores
os nossos passos cansados
pois nós próprios nos tornamos em estrelas
quando arriscamos perpetuar
a Tua luz multiplicada