O início da vida
pública de Jesus, à luz daquilo que sabemos pelos Evangelhos, e que é pouco,
não deve ter sido fácil para a família e sobretudo para a sua mãe.
Criado num ambiente
familiar, com relações profundas com a comunidade onde cresceu e se fez homem,
Jesus aparece subitamente envolvido em questões religiosas, em disputas que o
colocam em perigo, que o confrontam com o estabelecido e aceite por todos como
o normal.
É nestas circunstâncias
que a família parte de Nazaré no sentido de o trazer de volta a casa, de o proteger
das ameaças e perigos que se vislumbram já ao longe. Partem e encontram-no em
Cafarnaum rodeado de uma multidão que lhes veda o acesso, que lhes
impossibilita a missão a que vinham destinados.
Face ao anúncio de que
a sua família o procura, que sua mãe o espera para além da multidão que o
rodeio, Jesus pergunta àqueles que lhe anunciam a chegada e que o rodeiam, quem
é a sua mãe?
Pergunta dolorosa para
sua mãe e certamente para os seus irmãos que a acompanhavam, mas pergunta
profunda necessária face à multidão que o ouve e à atitude totalmente oposta da
família que o procura e o quer silenciar.
O grande místico dominicano
Mestre Eckhart num sermão sobre esta passagem do Evangelho comenta que “todo
nós somos feitos para ser mãe de Deus, pois Deus necessita todos os dias nascer
para o mundo”.
Este é afinal o
desafio que Jesus deixa a sua mãe, aos seus irmãos, àqueles que o escutam e a
cada um de nós, necessitamos cada dia dar à luz Deus para o mundo, dar um corpo
presente a Deus neste tempo e neste lugar, aqui e agora.
Maria que tinha
acolhido a palavra, que a tinha deixado colher corpo no seu seio, é agora
convidada a acolher uma palavra que não nasce apenas num tempo determinado, que
não é fruto de uma gestação de nove meses, mas continua a nascer em cada dia e por
isso necessita ser acolhida, ser gerada em cada dia para adquirir um novo
corpo.
Face às diversas
realidades do mundo e da história em que nos encontramos necessitamos encarnar
a Palavra de Deus, necessitamos ser mães do Filho de Deus que se faz presente
nesta nossa história, que se faz um de nós. Deus continua a necessitar de nós
para se encarnar e poder partilhar da vida e da dor homens.
Procuremos pois abrir
o nosso coração à Palavra, sentir como o mundo necessita de Jesus encarnado,
hoje, e como a nossa resposta amorosa e confiante pode fazer acontecer esse mesmo
nascimento.
Ilustração: “Jesus
despedindo-se de sua mãe”, de Lucas Cranach o Velho, Kunsthistorisches Museum.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarComo nos afirma ...” Face às diversas realidades do mundo e da história em que nos encontramos necessitamos encarnar a Palavra de Deus, necessitamos ser mães do Filho de Deus que se faz presente nesta nossa história, que se faz um de nós. Deus continua a necessitar de nós para se encarnar e poder partilhar da vida e da dor dos homens.”…
Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, por levar-nos a repensar a qualidade da nossa relação com Deus, por vezes tão medíocre, tão egoísta, por exortar-nos a …” abrir o nosso coração à Palavra, sentir como o mundo necessita de Jesus encarnado, hoje, e como a nossa resposta amorosa e confiante pode fazer acontecer esse mesmo nascimento.”
Que o Senhor o ilumine, abençoe e proteja.
Bom descanso.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe de novo um poema de Frei José Augusto Mourão, OP
vem procurar-nos
Deus que escutas o mundo/e o barulho dos nossos corpos contra o molhe,/vem procurar-nos
ao fundo da nossa noite, /lá onde os fantasmas nos devoram/e as belas palavras nos desmul-
tiplicam/vem procurar-nos, Deus,/ao fundo da nossa profissão de descontentamento/ e de
exploradores de deuses//
não nos entregues aos nossos próprios discursos;/dá-nos antes um corpo de escuta e de desejo/
para que te reconheçamos ao largo das nossas vidas//
livra-nos, Senhor,/do medo de sermos encontrados diante de ti/como uma chaga aberta ou
fonte/e concede-nos que te digamos/com toda a água e todo o sal da nossa vida//
(In, “O Nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)