terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Quem é minha mãe? (Mc 3,33)

O início da vida pública de Jesus, à luz daquilo que sabemos pelos Evangelhos, e que é pouco, não deve ter sido fácil para a família e sobretudo para a sua mãe.
Criado num ambiente familiar, com relações profundas com a comunidade onde cresceu e se fez homem, Jesus aparece subitamente envolvido em questões religiosas, em disputas que o colocam em perigo, que o confrontam com o estabelecido e aceite por todos como o normal.
É nestas circunstâncias que a família parte de Nazaré no sentido de o trazer de volta a casa, de o proteger das ameaças e perigos que se vislumbram já ao longe. Partem e encontram-no em Cafarnaum rodeado de uma multidão que lhes veda o acesso, que lhes impossibilita a missão a que vinham destinados.
Face ao anúncio de que a sua família o procura, que sua mãe o espera para além da multidão que o rodeio, Jesus pergunta àqueles que lhe anunciam a chegada e que o rodeiam, quem é a sua mãe?
Pergunta dolorosa para sua mãe e certamente para os seus irmãos que a acompanhavam, mas pergunta profunda necessária face à multidão que o ouve e à atitude totalmente oposta da família que o procura e o quer silenciar.
O grande místico dominicano Mestre Eckhart num sermão sobre esta passagem do Evangelho comenta que “todo nós somos feitos para ser mãe de Deus, pois Deus necessita todos os dias nascer para o mundo”.
Este é afinal o desafio que Jesus deixa a sua mãe, aos seus irmãos, àqueles que o escutam e a cada um de nós, necessitamos cada dia dar à luz Deus para o mundo, dar um corpo presente a Deus neste tempo e neste lugar, aqui e agora.
Maria que tinha acolhido a palavra, que a tinha deixado colher corpo no seu seio, é agora convidada a acolher uma palavra que não nasce apenas num tempo determinado, que não é fruto de uma gestação de nove meses, mas continua a nascer em cada dia e por isso necessita ser acolhida, ser gerada em cada dia para adquirir um novo corpo.
Face às diversas realidades do mundo e da história em que nos encontramos necessitamos encarnar a Palavra de Deus, necessitamos ser mães do Filho de Deus que se faz presente nesta nossa história, que se faz um de nós. Deus continua a necessitar de nós para se encarnar e poder partilhar da vida e da dor homens.
Procuremos pois abrir o nosso coração à Palavra, sentir como o mundo necessita de Jesus encarnado, hoje, e como a nossa resposta amorosa e confiante pode fazer acontecer esse mesmo nascimento.
 
Ilustração: “Jesus despedindo-se de sua mãe”, de Lucas Cranach o Velho, Kunsthistorisches Museum.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Como nos afirma ...” Face às diversas realidades do mundo e da história em que nos encontramos necessitamos encarnar a Palavra de Deus, necessitamos ser mães do Filho de Deus que se faz presente nesta nossa história, que se faz um de nós. Deus continua a necessitar de nós para se encarnar e poder partilhar da vida e da dor dos homens.”…
    Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, por levar-nos a repensar a qualidade da nossa relação com Deus, por vezes tão medíocre, tão egoísta, por exortar-nos a …” abrir o nosso coração à Palavra, sentir como o mundo necessita de Jesus encarnado, hoje, e como a nossa resposta amorosa e confiante pode fazer acontecer esse mesmo nascimento.”
    Que o Senhor o ilumine, abençoe e proteja.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe de novo um poema de Frei José Augusto Mourão, OP

    vem procurar-nos


    Deus que escutas o mundo/e o barulho dos nossos corpos contra o molhe,/vem procurar-nos
    ao fundo da nossa noite, /lá onde os fantasmas nos devoram/e as belas palavras nos desmul-
    tiplicam/vem procurar-nos, Deus,/ao fundo da nossa profissão de descontentamento/ e de
    exploradores de deuses//

    não nos entregues aos nossos próprios discursos;/dá-nos antes um corpo de escuta e de desejo/
    para que te reconheçamos ao largo das nossas vidas//

    livra-nos, Senhor,/do medo de sermos encontrados diante de ti/como uma chaga aberta ou
    fonte/e concede-nos que te digamos/com toda a água e todo o sal da nossa vida//

    (In, “O Nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)

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