terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Homilia Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus

Neste primeiro dia do ano e na Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus o Evangelho de São Lucas apresenta-nos o encontro dos pastores com aquele menino que lhes tinha sido anunciado que se encontrava deitado numa manjedoura na companhia dos seus pais.
É um encontro surpreendente e que nos deixa perceber a opinião geral existente à época sobre os pastores, pois aqueles que escutavam o que eles contavam ficavam admirados, admiração causada não só pelo extraordinário dos acontecimentos mas pela fama pouco abonatória relativamente aos pastores.
Não podemos esquecer que os pastores não eram um grupo social com muito boa reputação, com muito boa fama, pois eram considerados ladrões, malfeitores, dispostos a ludibriar não só os compradores mas igualmente os proprietários dos rebanhos. A sua palavra era por isso suspeita de credibilidade.
Contudo, são estes homens, estes marginais, frequentadores da noite e dos espaços desertos que são os primeiros contemplados com o anúncio da Boa Nova do nascimento do Salvador e consequentemente os primeiros anunciadores no âmbito dos humanos.
Esta circunstância põe em evidência a dimensão redentora do mistério da incarnação do Filho de Deus. Uma vez mais verificamos que Deus vem ao encontro do homem naquilo que ele tem e é de menos positivo, de menos dignificante.
Deus vem ao nosso encontro nas nossas fragilidades e infidelidades, vem ao nosso encontro na nossa condição pecadora para que nos alegremos com a sua redenção, com a oferta devida que nos proporciona apesar das nossas infidelidades.
Esta consciência e fé é extremamente importante quando no nosso dia-a-dia nos confrontamos com a nossa condição pecadora, com os nossos desejos de bem que terminam por não se realizar nem concretizar. Como diz São Paulo acabamos por fazer o mal que não queremos e não fazemos o bem que desejamos.
É também esta consciência que nos faz descobrir como apesar de tudo Deus não desiste de nós, não deixa de nos recordar nas mais diversas realidades que somos seus filhos muito amados, herdeiros do seu Reino e portanto convocados a uma outra dignidade de vida, a uma vida que deve traduzir em bênçãos diárias a bênção amorosa de que somos objecto. E no nosso viver quotidiano vamos descobrindo como estamos bastantes vezes longe deste projecto e realidade.
Recordo que na casa do meu avô materno a forma de saudação da nossa parte de netos era, sempre que o visitávamos, “a sua bênção meu avô”, ao que ele respondia “Deus te abençoe”. Para além dele nunca pedi a bênção a mais ninguém, nem sequer aos meus pais, pois os tempos eram outros e o tipo de relação também.
Contudo, não posso deixar de pensar como era profundamente bíblica esta saudação, este trato social e familiar, e como neste pequeno ritual nos colocávamos na órbita de Deus e da felicidade que Deus promete a Moisés e ao povo de Israel como constatamos no Livro dos Números que escutámos na primeira leitura.
Hoje cruzamo-nos com dezenas ou centenas de pessoas e raramente trocamos qualquer palavra de saudação, passamos pelos outros não só como desconhecidos mas sobretudo como se não tivessem nada a partilhar connosco ou nós a partilhar com eles. E no entanto, à luz da nossa fé, são nossos irmãos, são filhos de Deus tal como nós e portanto merecedores da nossa atenção, da nossa bênção.
Neste primeiro dia de 2013 este poderia ser um propósito a assumir para este novo ano, comprometermo-nos a saudar os nossos irmãos e, ainda que em silêncio, a abençoá-los em nome de Deus, para que a paz habite nos seus e nossos corações.
Hoje celebramos a Jornada Mundial pela Paz, jornada que nos convida a todos a construir a paz, que antes de mais começa no nosso coração, mas que passa indubitavelmente pela construção da justiça e de uma fraternidade cada vez mais verdadeira entre os homens.
Se assumirmos a atitude da Virgem Maria face às histórias dos pastores, ou seja, se as ouvirmos, guardarmos e meditarmos no nosso coração, certamente nos encontraremos com a bênção de Deus nas nossas vidas, com a sua acção redentora nas nossas fragilidades e infidelidades, com a dignidade dos nossos irmãos enquanto filhos de Deus e com a urgência de conjuntamente construirmos através da justiça um mundo onde reine a paz, onde todos descubramos a bênção activa de Deus.
Que a Virgem Maria, Mãe de Deus e Mãe da Igreja, Rainha da Paz, conduza os nossos passos no caminho da fidelidade e interceda por nós que clamamos ao Pai pela paz entre todos os seus filhos.
 
Ilustração: Imagem da Virgem Maria Mãe de Deus da casa dos meus pais.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Leio e fico a meditar no texto da Homilia da Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus que teceu e que ilustrou com tanta beleza. É um texto profundo que nos leva a reflectir sobre a forma como vivemos, no quotidiano, a nossa relação com Deus e com o nosso próximo. Essa relação revela-se na forma como confiamos que Deus não nos abandona, que não faz análises do nosso deve e haver, mas que nos conduz de múltiplas formas a reforçar a nossa fé, atento a abençoar-nos sempre no nosso peregrinar, a quem somos capazes de nos abrir, de rasgar a fina película de orgulho que ainda nos resta, e a confessar como somos vulneráveis, frágeis, pecadores e imperfeitos. E manifesta-se também na forma como olhamos, saudamos com quem nos vamos encontrando, nos gestos mais essenciais, como a saudação diária, sorrimos, ao tempo disponível para ouvir, escutar as histórias com quem nos vamos cruzando e que muitas vezes se revelam mais importantes que outras formas de alimento para o bem-estar do outro. Esta capacidade de escuta é um dom mas é também uma arte que podemos cultivar em todas as nossas relações profissionais, sociais, familiares, de amizade e ... religiosas.
    E passo a citar, Frei José Carlos, ...” Deus vem ao nosso encontro nas nossas fragilidades e infidelidades, vem ao nosso encontro na nossa condição pecadora para que nos alegremos com a sua redenção, com a oferta devida que nos proporciona apesar das nossas infidelidades.
    Esta consciência e fé é extremamente importante quando no nosso dia-a-dia nos confrontamos com a nossa condição pecadora, com os nossos desejos de bem que terminam por não se realizar nem concretizar. Como diz São Paulo acabamos por fazer o mal que não queremos e não fazemos o bem que desejamos. (…)
    (…)Hoje cruzamo-nos com dezenas ou centenas de pessoas e raramente trocamos qualquer palavra de saudação, passamos pelos outros não só como desconhecidos mas sobretudo como se não tivessem nada a partilhar connosco ou nós a partilhar com eles. E no entanto, à luz da nossa fé, são nossos irmãos, são filhos de Deus tal como nós e portanto merecedores da nossa atenção, da nossa bênção. (…)
    (…)Hoje celebramos a Jornada Mundial pela Paz, jornada que nos convida a todos a construir a paz, que antes de mais começa no nosso coração, mas que passa indubitavelmente pela construção da justiça e de uma fraternidade cada vez mais verdadeira entre os homens.”…
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha desta Homilia que nos questiona, pelo convite que nos faz no início de 2013 … a ” comprometermo-nos a saudar os nossos irmãos e, ainda que em silêncio, a abençoá-los em nome de Deus, para que a paz habite nos seus e nossos corações.”…
    Que o Senhor o ilumine, abençoe e proteja.
    Bom descanso.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que volte a partilhar um poema citado por Frei José Augusto Mourão, OP.

    Misericordiosa

    misericordiosa/Senhora das tormentas/que confias na treva/e não temeste a morte/roga a Deus por nós, Maria//

    Senhora do Sim/mesmo em frente à Cruz/rosa em sangue que moves/para um mundo aberto//

    ó fonte de milagres/passagem de pujança/que anuncias os sons/da paz que nos molha os pés/porta de onde o
    Céu nos vem//

    ó Maria, Mãe/flor aberta, irmã/que em Deus foi bordada/roga a Ele por nós, Mãe//

    Senhora que não fala/nem dá regras de vida/só põe no colo a Mãe/só olha o que falta ao ser/roga por nós, Maria//

    flor azul do mar/cais de embarque, flor/que perfuma o beiral do céu/bênção de Deus, doçura//

    texto para uma música islandesa de
    Atli Heimir Sveisson (1938)
    (In, “O Nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)

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  2. Frei josé Carlos,

    Muito grata,pela beleza de Meditação que partilhou connosco,neste dia primeiro do ano.As palavras maravilhosamete belas e profundas da Homilia da Solenidade de Santa Maria,Mãe de Deus,ajuda-nos a reflectir com mais profundidade.A maneira como abordou o trato de saudação no tempo no do seu avô materno,tão bonito esse gesto.As suas palavras imprescindíveis,toda a Homilia é rica de sentido,gostei muito.A magnífica ilustração de Santa Maria,Mãe de Deus,espectacular.Obrigada, Frei José Carlos,pela excelente partilha,profunda e bela.Que o Senhor o ilumine o proteja e o abençõe.
    Bem-haja,Frei José Carlos.Desejo-lhe uma boa tarde.
    Um abraço fraterno.
    AD

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