Os primeiros dias de
Jesus passados em Cafarnaum são apresentados por São Marcos como dias de muita
actividade, pois não só na sinagoga expulsa o espirito impuro de um homem que
estava possesso, como pouco depois na intimidade da casa dos seus primeiros discípulos
é solicitado a fazer outras curas e milagres à multidão que se acumula à porta.
Encontramo-nos assim
com uma figura popular, com um Jesus altamente requisitado e valorizado por
aqueles que o procuram, uma figura mediática que parece não ter tempo para si,
não ter direito à privacidade e ao sossego.
E nesta circunstância,
bem cedo, pela madrugada, Jesus retira-se para orar num lugar isolado, num
ermo, obrigando por esse motivo os discípulos a procurá-lo durante algum tempo.
Podemos perguntar-nos
sobre a oração de Jesus, ainda que face aos acontecimentos não possamos deixar
de assumir que a sua oração se centrou sobre o sentido da missão, sobre o
perigo do desvio face à missão a que estava destinado.
De facto, e diante
daquela multidão que o procurava e que o reconhecia, Jesus podia ter enveredado
por uma outra missão, podia ter acolhido a popularidade e viver de acordo com
as expectativas daqueles que o rodeavam. Podemos dizer que nesta noite de
oração Jesus se viu obrigado a enfrentar a oferta de popularidade que no
deserto o diabo lhe havia feito.
Confrontado com a sua
missão, com o objectivo fundamental da sua missão, Jesus não podia continuar ali,
não podia ceder à tentação do populismo e com ele inviabilizar a missão que lhe
tinha sido destinada pelo Pai. Por esta razão, quando os discípulos o encontram,
a primeira palavra é uma ordem de partir, deviam ir a outros lugares, povoações
e anunciar ali a Boa Nova do Reino, porque para isso tinha vindo.
Diante desta decisão e
da oração que a gerou, somos convidados a assumir que a oração ajuda ao
discernimento das realidades em que nos encontramos envolvidos e que a nossa
vida cristã e a construção da sua fidelidade se processa sempre num ir mais além,
num partir para uma terra estranha.
Jesus desafia-nos na
nossa missão a ser exploradores, desafia-nos a ir sempre mais além, a procurar
o que está para lá do visível, as paisagens insuspeitas que se ocultam por
detrás do mistério de cada homem e de cada momento histórico.
E se o medo nos ataca,
o temor de nos perdermos nesses mistérios, não podemos esquecer que não só
temos como guia a Jesus, mas que na exploração e na aventura ele nos acompanha,
ele está connosco. O mistério da incarnação assim nos abaliza.
Procuremos pois
partir, procurar os novos horizontes da missão que a oração nos faz vislumbrar
e que Jesus já percorre à nossa frente como o primeiro caminhante.
Ilustração: “Jesus no jardim
das oliveiras”, de Sebastiano Conca, Pinacoteca Vaticana.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarO texto da Meditação que teceu e partilha é profundo, belo, constitui um estímulo para continuar a nossa peregrinação, para ir mais além, como nos exorta. Estamos sempre em viagem, como afirma o Padre José Tolentino de Mendonça.
Como nos recorda ...” Jesus não podia continuar ali, não podia ceder à tentação do populismo e com ele inviabilizar a missão que lhe tinha sido destinada pelo Pai. Por esta razão, quando os discípulos o encontram, a primeira palavra é uma ordem de partir, deviam ir a outros lugares, povoações e anunciar ali a Boa Nova do Reino, porque para isso tinha vindo. (…)
(…) Jesus desafia-nos na nossa missão a ser exploradores, desafia-nos a ir sempre mais além, a procurar o que está para lá do visível, as paisagens insuspeitas que se ocultam por detrás do mistério de cada homem e de cada momento histórico.”…
Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas de estímulo, perseverança e confiança em Jesus,…” que não só temos como guia a Jesus, mas que na exploração e na aventura ele nos acompanha, ele está connosco”, … por recordar-nos que …” somos convidados a assumir que a oração ajuda ao discernimento das realidades em que nos encontramos envolvidos e que a nossa vida cristã e a construção da sua fidelidade se processa sempre num ir mais além, num partir para uma terra estranha.”… Bem-haja.
Que o Senhor o ilumine, o guarde e abençoe.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe um poema de Frei José Augusto Mourão.
a vida é mais do que a vida
a vida é mais do que a vida/cinzenta, crua, vingativa/ a vida é mais do que a vida/
se testemunha da Fonte de onde corre/e do júbilo de existir//
a vida fala do que a transporta/da fé a que todo o Amor se arrima/a vida fala do que a transmuda/
e do devir que não nos prende à prisão do tempo//
por isso nos reunimos/navegando nos olhos uns dos outros/para olhar através da janela de cada casa/
e cada rosto/
o Aberto, a paz-desejo//
cure-nos a água da tua misericórdia/da cegueira do suficiente e do proselitismo/
rompa o teu Sopro as cortinas/da casa murada e defendida/ do medo que nos tolhe e até a alegria rouba//
e que a Palavra nos aproxime/daquilo que do bem e da beleza nos afasta
(In, “O nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)