quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Jesus retirou-se para rezar (Mc 1,35)

Os primeiros dias de Jesus passados em Cafarnaum são apresentados por São Marcos como dias de muita actividade, pois não só na sinagoga expulsa o espirito impuro de um homem que estava possesso, como pouco depois na intimidade da casa dos seus primeiros discípulos é solicitado a fazer outras curas e milagres à multidão que se acumula à porta.
Encontramo-nos assim com uma figura popular, com um Jesus altamente requisitado e valorizado por aqueles que o procuram, uma figura mediática que parece não ter tempo para si, não ter direito à privacidade e ao sossego.
E nesta circunstância, bem cedo, pela madrugada, Jesus retira-se para orar num lugar isolado, num ermo, obrigando por esse motivo os discípulos a procurá-lo durante algum tempo.
Podemos perguntar-nos sobre a oração de Jesus, ainda que face aos acontecimentos não possamos deixar de assumir que a sua oração se centrou sobre o sentido da missão, sobre o perigo do desvio face à missão a que estava destinado.
De facto, e diante daquela multidão que o procurava e que o reconhecia, Jesus podia ter enveredado por uma outra missão, podia ter acolhido a popularidade e viver de acordo com as expectativas daqueles que o rodeavam. Podemos dizer que nesta noite de oração Jesus se viu obrigado a enfrentar a oferta de popularidade que no deserto o diabo lhe havia feito.
Confrontado com a sua missão, com o objectivo fundamental da sua missão, Jesus não podia continuar ali, não podia ceder à tentação do populismo e com ele inviabilizar a missão que lhe tinha sido destinada pelo Pai. Por esta razão, quando os discípulos o encontram, a primeira palavra é uma ordem de partir, deviam ir a outros lugares, povoações e anunciar ali a Boa Nova do Reino, porque para isso tinha vindo.
Diante desta decisão e da oração que a gerou, somos convidados a assumir que a oração ajuda ao discernimento das realidades em que nos encontramos envolvidos e que a nossa vida cristã e a construção da sua fidelidade se processa sempre num ir mais além, num partir para uma terra estranha.
Jesus desafia-nos na nossa missão a ser exploradores, desafia-nos a ir sempre mais além, a procurar o que está para lá do visível, as paisagens insuspeitas que se ocultam por detrás do mistério de cada homem e de cada momento histórico.
E se o medo nos ataca, o temor de nos perdermos nesses mistérios, não podemos esquecer que não só temos como guia a Jesus, mas que na exploração e na aventura ele nos acompanha, ele está connosco. O mistério da incarnação assim nos abaliza.
Procuremos pois partir, procurar os novos horizontes da missão que a oração nos faz vislumbrar e que Jesus já percorre à nossa frente como o primeiro caminhante.
 
Ilustração: “Jesus no jardim das oliveiras”, de Sebastiano Conca, Pinacoteca Vaticana.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    O texto da Meditação que teceu e partilha é profundo, belo, constitui um estímulo para continuar a nossa peregrinação, para ir mais além, como nos exorta. Estamos sempre em viagem, como afirma o Padre José Tolentino de Mendonça.
    Como nos recorda ...” Jesus não podia continuar ali, não podia ceder à tentação do populismo e com ele inviabilizar a missão que lhe tinha sido destinada pelo Pai. Por esta razão, quando os discípulos o encontram, a primeira palavra é uma ordem de partir, deviam ir a outros lugares, povoações e anunciar ali a Boa Nova do Reino, porque para isso tinha vindo. (…)
    (…) Jesus desafia-nos na nossa missão a ser exploradores, desafia-nos a ir sempre mais além, a procurar o que está para lá do visível, as paisagens insuspeitas que se ocultam por detrás do mistério de cada homem e de cada momento histórico.”…
    Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas de estímulo, perseverança e confiança em Jesus,…” que não só temos como guia a Jesus, mas que na exploração e na aventura ele nos acompanha, ele está connosco”, … por recordar-nos que …” somos convidados a assumir que a oração ajuda ao discernimento das realidades em que nos encontramos envolvidos e que a nossa vida cristã e a construção da sua fidelidade se processa sempre num ir mais além, num partir para uma terra estranha.”… Bem-haja.
    Que o Senhor o ilumine, o guarde e abençoe.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva


    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe um poema de Frei José Augusto Mourão.


    a vida é mais do que a vida

    a vida é mais do que a vida/cinzenta, crua, vingativa/ a vida é mais do que a vida/
    se testemunha da Fonte de onde corre/e do júbilo de existir//

    a vida fala do que a transporta/da fé a que todo o Amor se arrima/a vida fala do que a transmuda/
    e do devir que não nos prende à prisão do tempo//

    por isso nos reunimos/navegando nos olhos uns dos outros/para olhar através da janela de cada casa/
    e cada rosto/
    o Aberto, a paz-desejo//

    cure-nos a água da tua misericórdia/da cegueira do suficiente e do proselitismo/
    rompa o teu Sopro as cortinas/da casa murada e defendida/ do medo que nos tolhe e até a alegria rouba//

    e que a Palavra nos aproxime/daquilo que do bem e da beleza nos afasta

    (In, “O nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)

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