Jesus entrou na
sinagoga e encontrou um homem com uma das mãos atrofiadas. Os fariseus expectantes
esperavam, com o intuito de obterem uma acusação, pois era sábado e suspeitavam
que Jesus não passaria ao lado daquela desgraça.
Este episódio da vida
de Jesus, este milagre, não pode ser entendido, nem nos pode ajudar a viver a
nossa fé, se não o relacionarmos com o acidente ocorrido no paraíso, quando
Adão estendeu a mão e apanhou o fruto da árvore proibida.
Desde esse momento
podemos dizer que o homem se deixou atrofiar, que a sua mão ficou paralisada, pois
atentou não só contra a ordem do seu criador como também desvirtuou a primeira
função da mão.
A mão, como obra de
Deus, estava destinada à oferta, a ser instrumento de doação e recepção, e não
a ser instrumento de roubo, de incumprimento de ordens dadas. A mão, criada
para cooperar com a obra criadora de Deus, pelo pecado da desobediência,
tinha-se tornado um instrumento de morte, de finitude. Desde aquele momento a
mão perdeu a sua dignidade.
Ao entrar na sinagoga
e ao ver aquela mão Jesus recordou-se de todos os homens e da perda original,
de como o homem necessitava ser restabelecido, restaurado, na própria dimensão
física. E por isso, antes da cura a ordem para que o homem enfermo se levantasse
e se colocasse no centro.
Jesus queria dar uma
nova dignidade à mão e por isso traz o homem para o centro da acção, expressando
com essa ordem a nova criação, a nova oferta que era feita aos homens. A partir
daquele momento o homem já não estava proibido de estender a mão, mas pelo
contrário recebia a ordem para o fazer.
Neste sentido é bom
que nos interroguemos sobre o obrar das nossas mãos, sobre as suas acções e
como elas se estendem aos outros e às coisas. Serão as nossas mãos bandejas de
oferta ou pelo contrário garras de aprisionamento e avareza?
De que forma nos
sentimos hoje convocados por Jesus a estender as nossas mãos atrofiadas pelo egoísmo,
pela violência, de modo a serem também elas curadas? De que modo servem as
nossas mãos ao crescimento e ao erguer do outro, ao serviço da promoção do
outro enquanto nosso irmão e filho de Deus?
Jesus cura-nos dos
nossos males, das nossas paralisias, e toma a iniciativa nesse mesmo sentido. Contudo,
não podemos deixar de estender a mão, de lhe colocar e nos colocar diante dele
com aquelas realidades que nos prendem e atrofiam. Jesus não prescinde da nossa
acção, da nossa colaboração, e a restauração das mãos é uma expressão desse
mesmo desejo de retomarmos a obra de Deus para a transformarmos e fazermos
chegar à plenitude.
Que o medo não nos
paralise nesta necessidade de estender-lhe a mão para que nos cure.
Ilustração: Detalhe do braço e mão da estátua “Atena
do Pireu”, Museu Arqueológico do Pireu, Atenas
Estender a nossa mão a Deus é uma necessidade imperiosa para que Ele cure os nossos pecados, as nossas infidelidades, os nossos egoismos, as nossas angústias e nos prepare para sermos capazes de ajudar os irmãos. Inter Pars
ResponderEliminarFrei José Carlos,
ResponderEliminarBem-haja pela partilha do texto da Meditação que teceu, profundo, maravilhosamente ilustrado, pela forma como nos transmite o papel preponderante que a mão é chamada a desempenhar na realização da obra de Deus, pelas questões que nos coloca de forma tão directa, pela reflexão que nos leva a fazer. A mão que se abre, que se estende ou que se fecha ou permanece paralisada para Deus ou para o nosso próximo, é o espelho do nosso comportamento.
Como nos afirma ...” A mão, como obra de Deus, estava destinada à oferta, a ser instrumento de doação e recepção, e não a ser instrumento de roubo, de incumprimento de ordens dadas. A mão, criada para cooperar com a obra criadora de Deus, pelo pecado da desobediência, tinha-se tornado um instrumento de morte, de finitude. Desde aquele momento a mão perdeu a sua dignidade.(…)
(…) Jesus queria dar uma nova dignidade à mão e por isso traz o homem para o centro da acção, expressando com essa ordem a nova criação, a nova oferta que era feita aos homens. A partir daquele momento o homem já não estava proibido de estender a mão, mas pelo contrário recebia a ordem para o fazer.”…
Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas, de desafio e simultaneamente de coragem, por recordar-nos que …” Jesus cura-nos dos nossos males, das nossas paralisias, e toma a iniciativa nesse mesmo sentido” mas “Jesus não prescinde da nossa acção, da nossa colaboração, e a restauração das mãos é uma expressão desse mesmo desejo de retomarmos a obra de Deus para a transformarmos e fazermos chegar à plenitude.”…
Que o Senhor o ilumine, o guarde e o abençoe. Continuação de boa semana.
Bom descanso.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que volte a partilhar um poema de Frei José Augusto Mourão, OP
Cotidiano
Deus, comunicação primeira/do que cria o mundo, o nome, as mãos,/
dá a este corpo que fundaste/a graça de viver escutando/as fontes rumorejantes
da memória/no inverno do nosso esfriamento surdo/de olhar no fundo os poços/
e perder-nos//
que o fogo da tua palavra/nos faça passar da marginalidade fruste/aos caminhos
das solidariedades cotidianas/e deste lugar te reconheça/o bafo da tua passagem,/
Deus do Espírito criador/e de Jesus, connosco neste fim de tarde e sempre.
(In, “O nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)