O Evangelho conta-nos
que um leproso veio ter com Jesus, um excluído por razões sanitárias tem a
ousadia de chegar até de junto de Jesus, de sobrepor-se ao interdito que o
proibia de se aproximar dos outros.
Face ao pedido de cura
por parte do leproso, Jesus na sua compaixão toca-o, e dessa forma restabelece-lhe
a aúde, integra-o no povo, pagamento por também essa ousadia o preço da
exclusão e da marginalidade, pois todo o que tocava um leproso ficava
igualmente excluído.
Não podemos por isso
surpreender-nos que o Evangelista diga que depois do milagre, depois desta cura,
Jesus já não podia entrar abertamente nas cidades e aldeias. Se o autor do
Evangelho nos diz que tal acontece devido à popularidade de Jesus, também temos
que assumir que pelo seu gesto estava igualmente interdito de entrar.
Este milagre
coloca-nos assim, e uma vez mais, face ao mistério da incarnação, ao amor de
Deus que assume as nossas fragilidades, as nossas doenças e exclusões, ficando
fora para que nós possamos entrar, possamos participar da família divina. Deus
marginaliza-se em Jesus para que os marginalizados possam ser integrados.
Este mistério e a
forma como ele se repete na nossa vida e nas várias circunstâncias do nosso
quotidiano devia-nos provocar na atitude do leproso. Quantas vezes nos prostrámos
já diante de Deus para lhe pedir uma cura, a libertação de um mal, a solução de
um problema, nosso ou de alguém que conhecemos?
E depois, como agimos
ou reagimos? E já não penso na nossa acção de graças, no nosso agradecimento,
mas na divulgação do sucedido, na publicidade à acção e graça de Deus nas
nossas vidas.
Depois de curado, e
apesar da proibição de Jesus, o leproso não deixou de anunciar o que lhe tinha
acontecido, impedindo mesmo por causa disso o acesso de Jesus às aldeias. Não se
tratou, nem trata de uma publicidade barata, mas de um testemunho, de um dizer
eficaz da acção da graça de Deus.
Ao contrário do pedido
por Jesus, que se apresentasse ao sacerdote do templo, o leproso apresentou-se
àqueles que o rodeavam, aos desconhecidos, àqueles que não tinham autoridade
nenhuma reconhecida, mas que pela sua palavra e pelo seu testemunho podiam
acudir ao mesmo Jesus e ser também curados.
À revelia da ordem e vontade
de Jesus o leproso serve de catalisador para que a sua bênção se estenda e
chegue a muitos mais homens, a homens que de certa forma também estavam excluídos
e marginalizados, pois não tinham poder nem autoridade religiosa.
E este é afinal o
desafio que se nos coloca, conseguir fazer chegar a graça de Deus a homens e
mulheres que se sentem excluídos, que esperam a integração apesar das suas
dúvidas, das suas infidelidades, daquilo que dizem que não têm, fé.
Como vimos, Deus quer
a nossa cura, estende-nos a mão e toca a nossa enfermidade; cabe a cada um de
nós levar o testemunho desta mão estendida a todos os nossos irmãos e irmãs.
Ilustração: “Jesus
curando um leproso”, Vitral da igreja Luterana de São Mateus de Charleston,
Carolina do Sul, EUA.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarO texto da Meditação que teceu e partilha, desinstala-nos. É mais que um desafio. Reflicto na minha experiência pessoal e num diálogo breve que tive esta noite com um amigo que é agnóstico sobre determinado acontecimento. Pergunto-me se muitas vezes não partilhamos o sucedido nas nossas vidas porque o ambiente que nos rodeia não é favorável ao testemunho da nossa fé e, consequentemente não temos a coragem do leproso, ou se a pessoa por quem pedimos a Deus a solução de um problema, é um não-crente e não aceita a acção da graça de Deus na sua vida o que nos inibe de não partilhar ou partilhar o acontecimento num círculo muito restricto de pessoas.
Como nos salienta ...” o desafio que se nos coloca, é conseguir fazer chegar a graça de Deus a homens e mulheres que se sentem excluídos, que esperam a integração apesar das suas dúvidas, das suas infidelidades, daquilo que dizem que não têm, fé.”…
Grata, Frei José Carlos, pelas palavras partilhadas que nos desinstalam e encorajam-nos a partilhar a nossa fé, por exortar-nos que …” cabe a cada um de nós levar o testemunho desta mão estendida a todos os nossos irmãos e irmãs.” Bem-haja.
Que o Senhor o ilumine, o guarde e o proteja.
Bom descanso.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe um poema de Frei José Augusto Mourão, OP
da coragem
Deus ensina à nossa vida que não há coragem inútil/que os lugares do impossível se deslocam/
quando a confiança toca o chão das coisas/e não é crença ornamental, alegoria//
liberta a nossa vida do discurso da resignação/que é o fatalismo,/
do derrotismo, que é a filosofia espontânea dos proletários//
......
dá ao nosso corpo a graça das viagens sem bagagens,/sem outro futuro que a coragem,/
sem outro combate que a justiça e o direito à diferença//
arma os nossos olhos da paciência ardente/e os nossos braços da ternura real,/
para acolhermos a aurora do Teu dia/no cruzamento do que em nós se repete e se interrompe,/
se desloca e se excede,/e descubramos o esplendor da tua face/de mãos dadas com quantos,/
de todos os horizontes te procuram/e te proclamam
santo, justo e imortal
(In, “O nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)