quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Homilia da Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria

Celebramos hoje a Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria, mas a bem dizer cada vez que recitamos as palavras “Ave Maria cheia de graça o Senhor é contigo”, estamos a celebrar este mesmo mistério da Imaculada, pois colocamos em nossos lábios a saudação do Anjo Gabriel que contém em si toda a dimensão do mistério que hoje celebramos e de que somos beneficiários.
Deveríamos assim em cada dia trazer em nossos corações este louvor, porque em Maria e nesta sua condição de cheia de graça, se espelha e revela paradigmaticamente a condição de todos nós como eleitos, como predestinados a filhos adoptivos desde e sempre que aceitemos a paternidade que nos é oferecida.
Com a desobediência dos nossos primeiros pais perdemos a intimidade de Deus, a sua amizade paternal próxima e solícita, e descobrimos também o quanto estávamos nus, o quanto éramos frágeis obras da sua mão. Com essa fragilidade, e face à exclusão e orfandade a que nos tínhamos votado pela busca de satisfação fora de Deus, do nosso criador, descobrimos também o medo, esse sentimento que nos faz temer e tremer. E por causa dele, e para que nos sentíssemos protegidos, salvaguardados na nossa fragilidade, fizemos com as nossas mãos os pequenos deuses de barro e ouro, imagens falsas de uma segurança, que só a verdadeira vida paterna nos pode assegurar.
A eleição de que tínhamos sido objecto e que gozávamos no jardim do paraíso foi assim desfeita e foi necessário recuperá-la, reinstitui-la, através de uma nova obra de criação, uma nova obra de eleição de que a Virgem Maria foi a senha de acesso e o primeiro fruto.
A sua concepção imaculada marca assim a condição prévia para que todos pudéssemos regressar à paternidade divina, uma vez que nela tudo se prepara e estrutura para que pela incarnação plena do Filho de Deus sejamos novamente integrados na filiação divina. Tal como um novo templo, uma nova arca da aliança, Maria é constituída e consagrada pela graça de Deus para que nela possa habitar a divindade sem qualquer mancha, sem qualquer possibilidade de contaminação ou perturbação.
Por esta razão a saudação do Anjo Gabriel e o convite de que é portador se dirigem à cheia de graça, àquela com quem o Senhor desde já está, mas deseja estar ainda de maneira mais plena para que todos os homens possam usufruir da mesma graça e eleição.
Neste sentido, podemos dizer que a saudação feita particularmente a Maria se dirige a cada um de nós e a todos os homens que se deixam habitar, iluminar, por qualquer réstia de graça, de sentimento filial de pertença a Deus. Também a nós nos é feita esta oferta de deixar a graça crescer em nós, de darmos corpo a um Filho de Deus que deseja nascer para salvar todos os homens.
Necessitamos para isso, e antes de mais, perder o medo, abandonar os pequenos ídolos em que nos refugiamos e a que consagramos as nossas forças e disposições. Necessitamos confrontar-nos com a nossa fragilidade de criaturas e reconhecer que longe da intimidade de Deus não subsistimos por muito tempo, ainda que ilusoriamente o possamos imaginar confortados por um qualquer ópio religioso. Necessitamos reconhecer que em nós brilha já uma centelha, uma imagem que, ainda que corrompida pela falha da desobediência primordial, aspira a uma plenitude e a uma perfeição totais.
Face a tal realidade, conscientes da nossa condição, não podemos assumir outra atitude diferente da atitude assumida pela Virgem Maria, ou seja, devemos aceitar esse projecto e plano de Deus de constituir em nós um corpo, de nos plenificar na nossa condição humana, de nos reabilitar na filiação que tínhamos perdido e agora novamente se nos oferece pelo Filho feito homem.
É a nossa liberdade que nos coloca em resposta, que nos faz aderir, sabendo que a nossa colaboração, como a da Virgem Maria, não nos priva dessa mesma liberdade, mas bem pelo contrário a faz desenvolver-se em planos e dimensões nunca suspeitadas.
Assim, de cada vez que recitarmos as palavras da saudação do Anjo a Maria, que em nosso coração se ilumine essa consciência da eleição divina de que somos objecto, que nos sintamos filhos predilectos e que a exemplo de Maria não tenhamos medo de anuir a esse projecto de Deus, uma vez que ele está connosco e connosco se manterá para nos conduzir à glória da filiação total.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    É muito interessante a forma como inicia o texto da Homilia da Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria que celebramos hoje. Como nos recorda ...” cada vez que recitamos as palavras “Ave Maria cheia de graça o Senhor é contigo”, estamos a celebrar este mesmo mistério da Imaculada, pois colocamos em nossos lábios a saudação do Anjo Gabriel que contém em si toda a dimensão do mistério que hoje celebramos e de que somos beneficiários.”… (…)
    (...) Como nos salienta, ...” Tal como um novo templo, uma nova arca da aliança, Maria é constituída e consagrada pela graça de Deus para que nela possa habitar a divindade sem qualquer mancha, sem qualquer possibilidade de contaminação ou perturbação.
    Por esta razão a saudação do Anjo Gabriel e o convite de que é portador se dirigem à cheia de graça, àquela com quem o Senhor desde já está, mas deseja estar ainda de maneira mais plena para que todos os homens possam usufruir da mesma graça e eleição.
    Neste sentido, podemos dizer que a saudação feita particularmente a Maria se dirige a cada um de nós e a todos os homens que se deixam habitar, iluminar, por qualquer réstia de graça, de sentimento filial de pertença a Deus. Também a nós nos é feita esta oferta de deixar a graça crescer em nós, de darmos corpo a um Filho de Deus que deseja nascer para salvar todos os homens.”...
    Porém, como nos afirma para que essa oferta se concretize ...” Necessitamos confrontar-nos com a nossa fragilidade de criaturas e reconhecer que longe da intimidade de Deus não subsistimos por muito tempo, ainda que ilusoriamente o possamos imaginar confortados por um qualquer ópio religioso. Necessitamos reconhecer que em nós brilha já uma centelha, uma imagem que, ainda que corrompida pela falha da desobediência primordial, aspira a uma plenitude e a uma perfeição totais.”...
    Peçamos ao Senhor que nos reforce a fé e conceda a humildade e a disponibilidade de que ...” a exemplo de Maria não tenhamos medo de anuir a esse projecto de Deus, uma vez que ele está connosco e connosco se manterá para nos conduzir à glória da filiação total.”
    Obrigada, Frei José Carlos, pela partilha desta profunda e bela Homilia que nos incentiva a fazer das fraquezas, forças, que nos encoraja. Peçamos ao Senhor que o abençoe e proteja.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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  2. Frei José Carlos,

    Muito grata,ao ler este texto da Homilía da Imaculada Conceição da Virgem Maria,fiquei maravilhada,com as suas palavras imprescindíveis,aprende-se muito com os seus textos magníficos.Obrigada,Frei José Carlos,pelo belo texto,que partilhou connosco,tão profundo e esclarecedor que o li com redobrado prazer,pois me tocou muito.Gostei muito desta sua partlha,que nos ajudou muito a nossa meditação.Bem haja,Frei José Carlos,um bom fim de semana.Que o Senhor o ilumine e proteja.
    Um abraço fraterno.
    AD
    AD

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