domingo, 11 de dezembro de 2011

Homilia do III Domingo do Advento

Alegrai-vos que o Senhor está próximo é o convite que nos é feito neste terceiro domingo do Advento, domingo conhecido por essa razão por “Gaudete”, domingo da alegria.
E a figura de João Baptista é aquela que nos é apresentada, proposta pela leitura do Evangelho, para reflectir e nos encontrarmos com esta alegria, uma figura que aparentemente e à primeira vista parece não ter nada de alegre.
A imagem dura, austera, e até um pouco triste de João Baptista, chega até nós e constrói-se a partir dos elementos com que nos é apresentado pelos evangelistas, um homem que abandona a sua posição social, que se refugia no deserto, que se veste de forma quase miserável, que se alimenta frugalmente, e sobretudo que proclama um programa de conversão fundamentado na penitência e na austeridade de vida.
A comparação que Jesus estabelece em relação a João, que não comia nem bebia, enquanto que ele frequentava a casa e os banquetes dos publicanos, reforça ainda mais esta imagem de tristeza que podemos construir de João Baptista.
Contudo, a afluência das multidões à sua pregação e sobretudo o encontro que nos é relatado pelo Evangelho de São João com os sacerdotes, levitas e fariseus, um grupo de grande importância social e religiosa, mostra-nos que João Baptista não é um homem triste, apesar da sua austeridade de vida e até certa exclusão social.
João vive no deserto uma realidade que se prende com o futuro, com essa alegria prometida pelo profeta Isaías como fruto da salvação e da justiça, e portanto o seu despojamento triste é habitado interiormente por uma alegria exultante de esperança.
João Baptista exulta na alegria de se saber revestido com as vestes da salvação e envolvido pelo manto da justiça, ainda que não seja muito claro o momento e a forma como essa justiça e essa salvação se processarão. João exulta de alegria porque se sabe amigo do noivo que vem, embora não saiba a hora, exulta de alegria porque se sabe conduzido ao deserto e inspirado pelo Espírito para identificar o ungido do Senhor que se lhe revelará.
Neste sentido, e face à pergunta “quem és tu”, João não se refere ao passado, à sua família sacerdotal, ao seu estatuto de filho de sacerdote do templo, aos pergaminhos familiares, mas define-se em função do futuro, de algo que vai acontecer e do qual ele é participante e beneficiário por antecipação devido à missão de anunciador.
João humilha-se na sua identidade pessoal para se referir e construir face à identidade daquele que há-de vir, não reclama nenhum título para si, porque tanto ele como tudo o que realiza se dirige e fundamenta na obra de Deus que está a acontecer. É assim a voz do Senhor que vem, o eco da presença, o anúncio do cumprimento da promessa, aquele que vem primeiro mas que não é digno de desatar as sandálias daquele que vem depois.
João Baptista apresenta-se assim como uma forte interrogação à nossa vida e à forma como nos situamos face a Jesus. Interroga-nos antes de mais sobre a nossa alegria, ou a nossa tristeza, porque muitas vezes vivemos mais tristes que alegres, como se não tivéssemos sido objectos de predilecção, de um amor que supera todo o amor, como se não estivéssemos revestidos pelo manto da justiça e da salvação.
Vivemos numa tristeza que nega aquilo que São Paulo diz na Carta aos Tessalonicenses, que “o nosso Deus é fiel e cumprirá todas as promessas”, razão mais que suficiente para que não permitíssemos que a tristeza se abeirasse sequer da soleira da nossa porta. Cada vez que o permitimos deixamo-nos vencer pela tentação da desesperança e afastamo-nos inevitavelmente para longe do nosso Deus.
São João Baptista interroga-nos ainda sobre a referência sobre a qual nos identificamos e construímos a nossa vida. E no nosso caso de cristãos esta referência tem uma tripla dimensão, porque não podemos esquecer que o acontecimento de salvação realizado em Jesus já aconteceu, que nos foi prometido uma realização plena no fim dos tempos, mas que em cada dia essa salvação está operacional na medida da nossa fidelidade e do nosso amor. Será que nos percebemos como agentes de um processo que já começou, que passa por nós e exige a nossa participação e um dia terminará na plenitude?
São João Baptista interroga-nos ainda sobre a voz que somos, sobre essa consciência de que o Espírito do Senhor está sobre cada um de nós para anunciar a todos os que sofrem, que são humilhados, atribulados, que há uma cura, que há uma libertação, que há um conforto, que há uma boa nova naquele Deus que se fez menino para ser homem e na cruz nos resgatar de toda a morte.
Para mantermos a alegria da salvação activa, a referência da nossa vida bem focalizada em Jesus e sermos uma verdadeira e potente voz do seu mandamento de amor, temos no entanto que ir ao deserto como João Baptista, exercitar a austeridade de vida, temos que viver essa vigilância a que São Paulo nos convida quando nos diz “não deixeis apagar o Espírito em vós”. Há uma necessidade de despojamento, de libertação, de purificação, de uma tensão estática que nos descentra de nós próprios e nos coloca centrados equilibradamente nos outros que necessitam apoio e em Deus que se oferece com dádiva.
A caminho do Natal pedimos a graça de ser feita em nós a vontade de Deus a nosso respeito e de a aceitarmos com toda a alegria e confiança no seu amor e na sua fidelidade. A liberdade da nossa aceitação, tal como com João Baptista, produzirá inevitavelmente laços de pertença e o reconhecimento de Deus que vem à nossa história.







4 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    A maravilhosa e bela Homilía que partilhou connosco,é duma riqueza muito grande para todos nós.Gostei muito,a maneira esclarecedora,que propõe para nossa Meditação.Obrigada,Frei José Carlos,por esta excelente partilha,que o Senhor o ajude e o ilumine.Desejo-lhe,um bom domingo.
    Um abraço fraterno.
    AD

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  2. esta homilia esta uma bemção que deus lhe abençoe frei jose carlos

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  3. Confronta-nos João Batista com “uma interrogação à nossa vida e à forma como nos situamos face a Jesus” nesta partilha que hoje, Frei José Carlos, nos oferece entre muitas outras, diariamente e de onde, envolvendo-me na sua leitura, retiro conhecimentos e orientação espiritual não só de vigilância e austeridade de vida, mas também de consolo nos momentos de inesperada tristeza.
    Partilho-as então com quem, estando longe, se preocupa em manter viva a relação com Deus, agradecendo este saudável alimento cibernético.
    E quanto à austeridade de vida, que exemplarmente bebi no seio da família e não só, é como que um gene que se transmite e se vê frutificar nas gerações seguintes, geradora de alegria da presença de Deus na nossa história.
    E ainda que não me tenha vindo a manifestar tão frequentemente como desejaria para agradecer a dedicação com que nos ajuda, admirando o esforço e a perspicácia com que identifica as nossas necessidades, muito agradeço a sua sempre tão benéfica e amorável presença.
    Hoje, como sempre, são reconfortantes as preces com que termina os seus textos que faço minhas, pedindo “a graça de ser feita em nós a vontade de Deus a nosso respeito e de a aceitarmos com toda a alegria e confiança no seu amor e na sua fidelidade.”
    Que Deus o conserve como homem de Deus junto de nós.
    Tenha uma boa semana,
    GVA

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  4. Frei José Carlos,

    O texto da Homília do III Domingo do Advento que elaborou e partilha connosco é muito profundo e maravilhoso, centrado no testemunho de João Baptista, convidando-nos a reflectir e a compreender a figura do mesmo e a reflectirmos sobre nós próprios, sobre a nossa relação com Jesus.
    Como nos salienta ...” João Baptista exulta na alegria de se saber revestido com as vestes da salvação e envolvido pelo manto da justiça, ainda que não seja muito claro o momento e a forma como essa justiça e essa salvação se processarão. João exulta de alegria porque se sabe amigo do noivo que vem, embora não saiba a hora, exulta de alegria porque se sabe conduzido ao deserto e inspirado pelo Espírito para identificar o ungido do Senhor que se lhe revelará.… (…)
    (…)João humilha-se na sua identidade pessoal para se referir e construir face à identidade daquele que há-de vir, não reclama nenhum título para si, porque tanto ele como tudo o que realiza se dirige e fundamenta na obra de Deus que está a acontecer.”…
    Porém, Frei José Carlos, recorda-nos que …” João Baptista apresenta-se assim como uma forte interrogação à nossa vida e à forma como nos situamos face a Jesus. Interroga-nos antes de mais sobre a nossa alegria, ou a nossa tristeza, porque muitas vezes vivemos mais tristes que alegres, como se não tivéssemos sido objectos de predilecção, de um amor que supera todo o amor, como se não estivéssemos revestidos pelo manto da justiça e da salvação.(…)
    (…)São João Baptista interroga-nos ainda sobre a referência sobre a qual nos identificamos e construímos a nossa vida.
    (…)São João Baptista interroga-nos ainda sobre a voz que somos, sobre essa consciência de que o Espírito do Senhor está sobre cada um de nós para anunciar a todos os que sofrem, que são humilhados, atribulados, que há uma cura, que há uma libertação, que há um conforto, que há uma boa nova naquele Deus que se fez menino para ser homem e na cruz nos resgatar de toda a morte.”…
    Bem-haja por nos salientar que cada vez que ...” permitimos que a tristeza se abeire sequer da soleira da nossa porta”, …“deixamo-nos vencer pela tentação da desesperança e afastamo-nos inevitavelmente para longe do nosso Deus” e que …” Para mantermos a alegria da salvação activa, a referência da nossa vida bem focalizada em Jesus e sermos uma verdadeira e potente voz do seu mandamento de amor, temos no entanto que ir ao deserto como João Baptista, exercitar a austeridade de vida, temos que viver essa vigilância a que São Paulo nos convida quando nos diz “não deixeis apagar o Espírito em vós”.
    Façamos nossas as palavras de Frei José Carlos e …” A caminho do Natal peçamos a graça de ser feita em nós a vontade de Deus a nosso respeito e de a aceitarmos com toda a alegria e confiança no seu amor e na sua fidelidade.”…
    Um grande obrigada por esta partilha. É uma profunda, clara e bela Homilia que constitui um importante texto de reflexão em todos os momentos mas, em especial, no Advento. Que o Senhor o ilumine e o abençoe.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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