Jesus pergunta aos seus discípulos por um ponto de comparação face àquela geração, uma geração que tinha diante de si sinais e apelos à conversão, mas que se recusava a ouvi-los e a segui-los. A comparação só se pode fazer então com crianças, crianças mimadas e irreverentes, incapazes de uma resposta convicta e séria, incapazes de uma atitude adulta de verdade e compromisso.
Esta comparação de Jesus é extremamente importante, uma vez que abre a cada um de nós vias diversas, até contrárias, mas convergentes para o mesmo fim. “Tocámos flauta e não dançastes, entoámos cânticos de lamentação e não fostes capazes de chorar.”
Ao assumir esta dualidade da alegria e da lamentação, a oposição de termos, e o plural do sujeito, Jesus assume e aproxima-se da figura de João, afinal o profeta que pouco antes tinha estado em discussão, e em conjunto apresenta-se como um mesmo convite, ainda que dirigido de formas diferentes.
João era o profeta que bradava no deserto, que proclamava o arrependimento e a penitência, propunha portanto uma via de alguma forma sacrificial para o encontro com Deus. Jesus, ao contrário, manifestava pela sua vida, pelos seus milagres, uma outra via, mais alegre e menos sacrificial, de alguma forma mais interior que à exterioridade proposta por João para o encontro com Deus.
Face a estas duas possibilidades podemos dizer que não nos resta alternativa, há que assumir uma resposta, não há margem de manobra para uma desculpa, porque o convite de João e o convite de Jesus permitem respostas diferentes mas conduzem ambas ao mesmo fim que é a vida em Deus, a partilha da sua intimidade. Cada um de nós pode escolher aquela que mais lhe agrada, que mais se lhe adequa, aquela que crê passível de maior intimidade com o Deus que se nos oferece.
Quando nos queixamos da dificuldade de viver cristãmente, de seguir Jesus, estamos a esquecer-nos que, à semelhança do que Jesus disse que na casa do Pai havia muitas moradas, também neste trecho do Evangelho de São Mateus nos diz que há várias possibilidade de caminho.
Necessitamos por isso, e inevitavelmente, de justificar com as nossas obras que o caminho que tomámos, ou assumimos, é um caminho de sabedoria e para a sabedoria. Se assim o fizermos, encontrar-nos-emos todos no mesmo ponto de encontro que é Deus.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarLeio e medito o texto desta profunda e bela partilha. Como nos afirma não há qualquer justificação para não ir ou continuar o caminho ao encontro com Deus, e com o próximo, para não viver cristãmente. ...” Cada um de nós pode escolher aquela (via) que mais lhe agrada, que mais se lhe adequa, aquela que crê passível de maior intimidade com o Deus que se nos oferece, como nos recorda”…
Bem-haja por nos salientar que …”necessitamos de justificar com as nossas obras que o caminho que tomámos, ou assumimos, é um caminho de sabedoria e para a sabedoria. Se assim o fizermos, encontrar-nos-emos todos no mesmo ponto de encontro que é Deus.”
Obrigada, Frei José Carlos, por partilhar connosco esta profunda e bela Meditação que nos desinstala mas que nos lembra que “também neste trecho do Evangelho de São Mateus nos diz que há várias possibilidade de caminho, “à semelhança do que Jesus disse que na casa do Pai havia muitas moradas”.
Que o Senhor o abençoe e proteja.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe um poema de Frei José Augusto Mourão, OP
Cotidiano
Deus, comunicação primeira/do que cria o mundo, o nome, as mãos,/
dá a este corpo que fundaste/a graça de viver escutando/as fontes rumorejantes
da memória/no inverno do nosso esfriamento surdo/de olhar no fundo os poços/
e perder-nos//
que o fogo da tua palavra/nos faça passar da marginalidade fruste/aos caminhos
das solidariedades cotidianas/e deste lugar te reconheça/o bafo da tua passagem,/
Deus do Espírito criador/e de Jesus, connosco neste fim de tarde e sempre.
(In, “O nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)