domingo, 4 de dezembro de 2011

Homilia do II Domingo do Advento

Estamos no Advento, celebramos hoje o segundo domingo deste tempo litúrgico, um tempo marcado pela esperança e pela alegria do nascimento do nosso Salvador, mas um tempo igualmente difícil. Todos os começos são difíceis, sabemos isso pela nossa experiência, e portanto sentimo-nos mais cómodos no tempo comum, na idade madura em que já não há tantas opções a fazer e portanto menos equívocos.
A leitura do Evangelho que escutámos é também um começo, o princípio do Evangelho de São Marcos. E como em todos os começos, os princípios, a primeira ideia que nos vem à cabeça é a ideia de ruptura. Um principio implica um antes e um depois, ou até a inexistência de um antes, como no Livro do Génesis, a que este primeiro versículo do Evangelho de São Marcos não deixa de remeter.
Contudo, o princípio da história de Jesus não é uma ruptura com o passado, ainda que se comece uma nova história e um novo tempo. Por essa razão o evangelista São Marcos logo no segundo versículo faz apelo ao que está escrito no profeta Isaías. A novidade de Jesus, o princípio da sua história pressupõe o passado, está em continuidade com essa história passada, uma história que se torna necessário recuperar na medida do que ela verdadeiramente foi e no que ela representa de fecundidade para o tempo presente.
Não é uma tarefa fácil, nem para cada um de nós, nem para o evangelista São Marcos, que à luz deste objectivo sintetizou num único versículo três referências do Antigo Testamento. Os princípios, quaisquer princípios, exigem certamente esta sintetização para que se saiba de onde se veio e para onde se vai.
A primeira referência que São Marcos utiliza é a da promessa de Deus a Moisés do envio do seu anjo, à frente do povo, para o proteger e preparar o caminho pelo deserto. Promessa esta que à luz da oração, da leitura e da compreensão histórica, foi interpretada ao tempo do exílio da Babilónia pelos profetas Isaías e Malaquias como o envio de mensageiros para preparar o caminho de regresso do próprio Deus ao seu templo e à sua montanha santa. Na dolorosa experiencia do exílio os profetas compreendem que não é já um anjo que se coloca à frente do povo mas é o próprio Deus que os precede na caminhada para o lugar do encontro.
Os caminhos do povo cruzam-se assim com os caminhos de Deus, e o deserto que o povo tem que atravessar, que cada um de nós tem que atravessar, é previamente atravessado por Deus, faz-se caminhante e peregrino connosco.
A vinda e a vida de João Baptista insere-se nesta dinâmica de preparação de caminhos, ele prepara um caminho para o Senhor através do anúncio daquele que vem depois dele para baptizar no Espírito, e prepara um caminho para os homens convidando-os ao arrependimento e à penitência. Deus vem ao encontro dos homens, está-se a fazer caminho, e portanto é necessário que da parte dos homens abandonem as suas tendas e as suas seguranças e partam também ao encontro de Deus.
A vinda do Messias, que João anuncia, e que neste Advento somos convidados a preparar e a celebrar exige portanto uma partida, um êxodo na nossa vida tranquila e rotineira, uma abertura e disponibilidade para o encontro e o acolhimento.
Neste sentido não podemos perder de vista a dimensão dos papéis que João e Jesus encarnam. Papeis ou funções que os aproximam enquanto actores principais de uma missão outorgada por Deus, mas que simultaneamente os distanciam no fim dessa mesma missão.
Enquanto que João vive no deserto e se alimenta de gafanhotos e mel silvestre, Jesus vive no meio do povo e frequenta os banquetes dos fariseus. Enquanto que João prega a penitência e o arrependimento, Jesus prega a alegria do acolhimento da salvação que já está presente. Enquanto que João insiste num trabalho pessoal, nesse caminho de conversão a fazer pelos homens, Jesus insiste no dom gratuito de Deus e na necessidade exclusiva dos homens o acolherem. Neste sentido, o Messias, o encontro com Deus, a salvação não é fruto das aspirações dos homens, aspirações políticas e religiosas históricas, não é uma consequência das acções dos homens, mas é um puro dom, uma oferta generosa da parte de Deus.
O Advento que vivemos apresenta-se assim e neste sentido como uma aventura, um êxodo que nos obriga a partir e a deixar as nossas seguranças, as nossas imagens de Deus e de nós próprios, o nosso orgulho e egocentrismo, para irmos abertos e disponíveis ao encontro de Deus, um Deus que vem como um presente, uma oferta, um dom incomensurável e inimaginável.
Nunca os olhos viram, nem os ouvidos ouviram, nem os homens imaginaram o dom que vem ao nosso encontro. Tenhamos a coragem de nos abrirmos o melhor que sabemos e o mais que possamos para o acolher.

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    O texto da Homilia do II Domingo do Advento que partilha connosco, recorda-nos que o Advento é, ...”um tempo marcado pela esperança e pela alegria do nascimento do nosso Salvador, mas um tempo igualmente difícil”…. Tempo de renovação, tempo novo, que requer de cada um de nós, a disponibilidade para abandonarmos a crisálida aonde nos vamos protegendo, o desejo de superarmos as nossas dificuldades, de mudarmos os nossos comportamentos, a vontade de ir ao encontro de Jesus e do próximo. Período de tempo que se pauta pela espera, e que é simultaneamente, um tempo onde não há hiatos, porque “para Deus não há tempo”.
    Permita-me, Frei José Carlos, que respigue algumas das passagens que me tocam particularmente. ...” A novidade de Jesus, o princípio da sua história pressupõe o passado, está em continuidade com essa história passada, uma história que se torna necessário recuperar na medida do que ela verdadeiramente foi e no que ela representa de fecundidade para o tempo presente. (…)
    (...)Os caminhos do povo cruzam-se assim com os caminhos de Deus, e o deserto que o povo tem que atravessar, que cada um de nós tem que atravessar, é previamente atravessado por Deus, faz-se caminhante e peregrino connosco.(…)
    (…)A vinda do Messias, que João anuncia, e que neste Advento somos convidados a preparar e a celebrar exige portanto uma partida, um êxodo na nossa vida tranquila e rotineira, uma abertura e disponibilidade para o encontro e o acolhimento. (…)
    (…)O Advento que vivemos apresenta-se assim e neste sentido como uma aventura, um êxodo que nos obriga a partir e a deixar as nossas seguranças, as nossas imagens de Deus e de nós próprios, o nosso orgulho e egocentrismo, para irmos abertos e disponíveis ao encontro de Deus, um Deus que vem como um presente, uma oferta, um dom incomensurável e inimaginável.”…
    Aceitemos e meditemos no convite e no desafio que nos deixa …” Tenhamos a coragem de nos abrirmos o melhor que sabemos e o mais que possamos para o acolher.”
    Obrigada, Frei José Carlos, por esta profunda Homilia que nos desinstala. Bem-haja.
    Votos de uma boa semana. Que o Senhor o ilumine e proteja.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    ResponderEliminar