segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Homilia da Solenidade da Natividade do Senhor Jesus

A leitura que escutámos do profeta Isaías, e de modo particular o seu início, “que belos são os pés do mensageiro que anuncia a paz”, dá sentido à alegria que experimentamos e vivemos nesta celebração da Natividade do Senhor. Também nós nos alegramos e dizemos que belos são os pés do mensageiro, porque sabemos a paz que nos foi oferecida, a nova Aliança que Deus estabeleceu connosco através deste mensageiro que é o seu próprio Filho feito carne, um de nós excepto no pecado.
A vinda do Filho de Deus, a habitação do Verbo de Deus entre os homens, faz-nos recuperar das nossas ruínas, dessas muralhas destruídas à semelhança da cidade santa de Jerusalém. O pecado introduzido por Adão tinha desfigurado a obra de Deus, esse templo construído pelas suas próprias mãos com muito amor, essa cidade santa que cada um estava destinado a ser à semelhança do seu criador. A vinda do Verbo, à imagem do qual tudo tinha sido criado, vem recuperar e transfigurar essa mesma obra, outorgando-lhe a dignidade perdida e a possibilidade de uma relação filial com o seu criador.
Em consequência, a vinda do Filho no mistério da encarnação apresenta-se também como um anúncio de paz, uma paz definitiva, pois não só passamos a ter junto de Deus um medianeiro e defensor que fez a experiência da nossa fragilidade e limitações, como também o fiador do pagamento da dívida que tínhamos em aberto pela nossa desobediência, divida que foi resgatada pela obediência do Filho, pela obediência daquele que não tinha nada em dívida.
Podemos e devemos por isso alegrar-nos e exultar no Senhor, porque veio até nós, veio reconstruir a dignidade da nossa humanidade e veio também resgatar-nos da condição de devedores.
A vinda do Filho de Deus à nossa condição humana é também motivo de alegria na medida em que se coloca à disposição da nossa capacidade de relação. Não só deixámos de ter um Deus distante, um Deus que habita nas alturas e imperceptível, mas passámos a ter um Deus que se fez um de nós, que experimenta a nossa condição com tudo o que ela tem de fragilidade e limite. E que forma mais frágil, mais próxima, mais amável, poderia encontrar para se manifestar que a de uma criança necessitada de toda a protecção e carinho?
Deus vem ao que é seu e vem nessa forma humilde e simples para que todos o possam acolher, para que todos possam partilhar da sua glória e divindade, porque a glória de Deus é o homem e o homem vivo, e em Jesus é concedida ao homem essa possibilidade de vida, porque aquele que nasce em Belém e encontramos deitado na manjedoura é a Vida.
Participando desta celebração, pela nossa fé e esperança, somos também enviados como mensageiros, enviados a despertar as sentinelas para esta grande novidade da vinda do Verbo de Deus, e a convidar todos os homens a alegrarem-se com esta vinda e este menino que se nos oferece pobre e mendigo do nosso amor. Somos também convidados a embelezar os nossos pés sobre as montanhas levando esta boa nova da salvação a todos os homens.
E hoje, nos tempos em que vivemos, esta missão apresenta-se de forma premente, pois necessitamos ajudar os homens e as mulheres a encontrarem-se com a esperança e com a alegria, com a confiança em si mesmos que é o mesmo que a confiança em Deus.
Não somos pó votado ao aniquilamento, nem as nossas obras estão votados ao esquecimento, há em nós uma força e uma vida que necessita crescer e desenvolver-se, necessita frutificar. O mistério da encarnação do Verbo, deste Deus que se faz menino, vem mostrar-nos que Deus acredita em nós, acredita na sua obra, nessa obra feita à sua imagem e semelhança e que foi avaliada como muito boa.
Como é possível que deixemos de acreditar em toda a nossa potencialidade? E como é possível que tenhamos deixado de acreditar que Deus está do nosso lado, nos ampara em todas as nossas fraquezas e debilidades? O mistério do Natal e a sua alegria não podem passar à margem e têm que levar a encontrar-nos com este projecto de Deus que somos e que Deus ama, porque de outra forma o mistério do nascimento do Verbo de Deus é um equívoco, um acontecimento completamente supérfluo e sem razão.
Depois de termos oferecido as nossas prendas, esses sinais da nossa amizade e carinho, veneração pelo outro como pessoa, somos convidados a continuar essa generosidade oferecendo e disponibilizando para os outros esta fé na obra boa de Deus, no quanto Deus nos ama e quer que atinjamos a plenitude.
Peçamos por isso a Deus, por intermédio de Maria, a mais generosa das colaboradoras neste mistério que celebramos, a não deixarmos esmorecer em nós a fé e a alegria de a partilhar com todos.

Ilustração: “Virgem Maria com o Menino”, de Correggio.

3 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Muito grata pelas suas palavras,tão reconfortantes e maravilhosamente belas,duma profundidade,que nos ajudam a reflectir mais intimamente estes Santos Mistérios do nascimento do Menino Jesus em Belém.Obrigada ,Frei José Carlos,pela beleza de Meditação,que partilhou connosco e as suas palavras são sempre muito gratificantes.Bem -haja.Continuação de um Santo Natal.
    Um abraço fraterno.
    AD

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  2. Frei José Carlos, desde já dou-lhe os parabéns pelo seu blog que está repleto de sabedoria e palavras de confiança. Palavras que, certamente, ajudarão os corações dos leitores a abrirem-se e a tornarem a Escuta da Palavra de Deus mais compreensível e próxima de todos eles. O meu obrigado também à Ir. Humberto que me falou do seu blog e graças a ela poderei ser recompensado com estes seus textos.

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  3. Frei José Carlos,

    O texto da Homilia da Solenidade da Natividade do Senhor Jesus é profundo, de grande densidade. Como nos afirma Jesus é o mensageiro, Palavra Viva de Deus, luz nova que vem a este mundo para nos salvar.
    Como nos salienta ...” A vinda do Filho de Deus à nossa condição humana é também motivo de alegria na medida em que se coloca à disposição da nossa capacidade de relação. Não só deixámos de ter um Deus distante, um Deus que habita nas alturas e imperceptível, mas passámos a ter um Deus que se fez um de nós, que experimenta a nossa condição com tudo o que ela tem de fragilidade e limite. …)
    Participando desta celebração, pela nossa fé e esperança, somos também enviados como mensageiros, enviados a despertar as sentinelas para esta grande novidade da vinda do Verbo de Deus, e a convidar todos os homens a alegrarem-se com esta vinda e este menino que se nos oferece pobre e mendigo do nosso amor. Somos também convidados a embelezar os nossos pés sobre as montanhas levando esta boa nova da salvação a todos os homens.
    E hoje, nos tempos em que vivemos, esta missão apresenta-se de forma premente, pois necessitamos ajudar os homens e as mulheres a encontrarem-se com a esperança e com a alegria, com a confiança em si mesmos que é o mesmo que a confiança em Deus.”
    Bem-haja por nos recordar que …” O mistério do Natal e a sua alegria não podem passar à margem e têm que levar a encontrar-nos com este projecto de Deus que somos e que Deus ama, porque de outra forma o mistério do nascimento do Verbo de Deus é um equívoco, um acontecimento completamente supérfluo e sem razão.”…
    Senhor dai-nos a força, a confiança interior para acolher a luz que se manifestou em Belém para que nas circunstâncias mais difíceis não tenhamos medo do essencial.
    Obrigado, Frei José Carlos, pela partilha da Homilia que nos faz reflectir, que nos questiona, que nos exorta. Que o Senhor o abençoe e proteja.
    Votos de uma boa semana.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

    P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe o texto de uma oração.

    Que Segredo Tem o Natal?

    Pergunto-me, Senhor, que segredo tem o Natal? Há um milagre que acontece dentro de nós,
    só pode ser um milagre, pois é como se a vida se reacendesse. Contemplando o presépio, percebo
    que é um milagre humaníssimo que Deus suscita aos nossos olhos. Ele amou-nos tanto que nos deu
    o Seu próprio Filho. O milagre do Natal assenta sobre este Dom absoluto, que nos faz perceber que
    só somos na medida em que nos damos. E que a vida renasce, como dádiva, na ponta dos dedos, no
    olhar, nas palavras.

    (In, Um Deus Que Dança, Itinerários para a Oração, José Tolentino Mendonça, 2011)

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