quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Ide contar o que vistes e ouvistes (Lc 7,22)

João Baptista, preso nos cárceres de Herodes, envia dois dos seus discípulos perguntar a Jesus se era ele mesmo o Messias esperado, ou se deviam esperar outro. As acções de Jesus não se coadunavam com a imagem tradicionalmente construída do Messias e por isso esta dúvida de João e a necessidade de uma confirmação da sua fé e esperança.
A resposta de Jesus vem ao encontro do conhecimento e da consciência de João, pois uma e outro se assumem como integrados e integrantes da profecia de Isaías a que Jesus se reporta. O profeta Isaías e o que cada um tinha assumido da revelação divina feita por ser intermédio era a chave de leitura, era o garante da verdade.
Contudo, Jesus faz aos enviados de João Baptista um desafio extremamente radical, um convite que exige a superação das próprias realidades envolvidas como são os sentidos. Convite e desafio que também nos toca a nós, pois também somos convidados a ver e a ouvir e a depois contar o que vimos e ouvimos.
A resposta a dar a João é clara, e perceptível para ele, mas para que não houvesse a menor dúvida os enviados tinham que ver com olhos de ver e ouvir com ouvidos de ouvir o que se estava a passar e confirmava a resposta exigida.
E o que os enviados viam era um conjunto de curas, um conjunto de outras acções um pouco estranhas, quase que marginais ou mesmo marginalizantes, e a figura de um homem que nada aparentava de extraordinário. Por outro lado ouviam uma palavra que tinha bastante carisma, proclamada com autoridade, reconhecida como nova, mas que também não deixava de estar na linha da tradição em que o próprio João se inseria e tinha assumido na sua missão. Também não havia assim nada de extraordinário.
O convite de Jesus a ver e a ouvir vai assim para além daquilo que os sentidos da visão e da audição permitem, era necessário ver e ouvir nessa aparente normalidade, nessa simplicidade em que tudo se envolvia, a profundidade da revelação de Deus, o seu amor e a sua misericórdia. Era necessário ver para além dos olhos e escutar para além dos ouvidos, era necessário ver com o coração e ouvir com a disponibilidade do amor.
Ao prepararmos a celebração do nascimento do Menino Jesus esta exigência redobra de necessidade, porque também aos nossos olhos o Salvador e Redentor se apresenta com a figura simples e normal de uma criança recém-nascida. Necessitamos por isso de fazer uma higienização dos ouvidos e olhos do nosso coração para nos encontrarmos com Aquele que verdadeiramente nasce neste menino. Só dessa forma o veremos e ouviremos na sua verdade e poderemos contar aos outros quem de facto é.
E neste dia em que fazemos memória de São João da Cruz, nada melhor para complementar esta reflexão que alguns versos da sua poesia.
Que bem sei eu a fonte que mana e corre
Mesmo sendo noite!
Aquela eterna fonte está escondida.
Bem eu sei onde tem sua guarida
Mesmo sendo noite!
Sei que não pode haver coisa tão bela
E sei que os céus e a terra bebem dela,
Mesmo sendo Noite!
Sua origem não a sei, pois não a tem,
Mas sei que toda a origem dela vem
Mesmo sendo Noite!

1 comentário:

  1. Frei José Carlos,

    Li e fiquei a reflectir no texto da Meditação que teceu, profundo, muito belo, o qual conclui maravilhosamente com alguns versos do poema de São João da Cruz “Cantar da Alma que Goza da Fé Por Conhecer a Deus pela Fé”. Procuramos a Deus e encontramo-Lo no essencial, no amor e na misericórdia de Jesus para com a Humanidade, utilizando os olhos e os ouvidos de forma diferente do que habitualmente fazemos, com o coração purificado e aquecido pela centelha soprada pelo Espírito Santo e que procuramos manter incandescente. Ao longo do nosso processo de conversão, é o fruto de um árduo caminhar, porque somos um misto de múltiplos impulsos, de vontades nem sempre confluentes, Frei José Carlos, para muitos de nós. E este trajecto de simplicidade é, tantas vezes, olhado com reticências ...
    Como nos salienta ...” O convite de Jesus a ver e a ouvir vai assim para além daquilo que os sentidos da visão e da audição permitem, era necessário ver e ouvir nessa aparente normalidade, nessa simplicidade em que tudo se envolvia, a profundidade da revelação de Deus, o seu amor e a sua misericórdia. Era necessário ver para além dos olhos e escutar para além dos ouvidos, era necessário ver com o coração e ouvir com a disponibilidade do amor.”…
    “Ao preparamos a celebração do nascimento do Menino Jesus”, saibamos aceitar o convite e o desafio que Frei José Carlos nos deixa ...” Necessitamos por isso de fazer uma higienização dos ouvidos e olhos do nosso coração para nos encontrarmos com Aquele que verdadeiramente nasce neste menino. Só dessa forma o veremos e ouviremos na sua verdade e poderemos contar aos outros quem de facto é.”
    Peçamos ao Senhor que nos cure desta forma de cegueira e de surdez para fazermos o caminho do encontro com Jesus que nos espera e com o nosso próximo.
    Obrigada, Frei José Carlos, por esta profunda e bela partilha que me toca. Que o Senhor o ilumine e proteja.
    Um abraço fraterno,
    Maria José Silva

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