Passados nove meses sobre o dia vinte e cinco de Março, festa da Anunciação do Senhor, e a leitura deste trecho do Evangelho de São Lucas, eis que nos voltamos a encontrar com ele às portas da celebração do Natal, uma semana antes de se completarem os nove meses.
Não podemos deixar de fazer memória nem de contemplar a beleza radiante de luz e de paz que este mesmo acontecimento nos traz, como através dele intuímos uma grande alegria e uma felicidade que parece querer irradiar para toda a vida e do o mundo.
Não podemos deixar também de ter presente como este acontecimento e esta beleza chocam com a falta de fé, ou com essa fé alicerçada apenas na tecnologia e na ciência, que tudo considera como um mito ou uma lenda, que se ri de nos alegrarmos e esperarmos num anúncio feito a uma jovem por um anjo.
Numa época de crise como a que vivemos, e não apenas de crise económica, porque certamente esta é fruto de uma outra crise muito mais profunda e fundamental que afecta a arte, a poesia, a literatura, a filosofia, a ética, a anunciação do anjo à Virgem de Nazaré apresenta-se-nos como o remédio para a crise, para essa crise profunda que se desenvolveu com a perda do sonho, porque como diz o poeta, o sonho comanda a vida.
Não podemos esquecer, nem deixar de trazer ao nosso horizonte existencial, que foi o sonho que levou o homem a fazer as grandes obras de que hoje nos gloriamos, o sonho da liberdade, o sonho da independência, o sonho da saúde, o sonho da paz, o sonho da Europa unida. Todas as grandes construções da humanidade partiram de um sonho. “I have a dream” gritou um dia Martin Luther King.
Não podemos esquecer também que o sonho faz parte da condição natural do homem, que no sonho se expressa o que há de mais vital, bem como o que o homem tem de mais profundo, como o medo, o desejo de satisfação, a alegria. A psicologia e os seus mestres como Freud e Jung trouxeram-nos a confirmação dessa realidade estruturante do homem.
A arte, nas suas mais diversas manifestações, como a pintura, a música, a poesia, plasmou materialmente este sonho que podemos dizer que é a anunciação do anjo a Maria. Um sonho do homem, nessa dimensão da presença de Deus junto dos homens, de um Deus da sua própria carne, mas também um sonho de Deus que abdicou das suas prerrogativas celestes para habitar e fazer-se próximo daqueles que eram seus filhos muito amados.
A anunciação do Anjo a Maria é assim o acontecimento gerador da alegria por excelência, uma alegria que nos invade como uma doce e tranquila onda, uma vez que parte desse encontro do sonho de Deus com o sonho do homem. Alegria fruto do convite do Anjo a Maria para se alegrar, e com ela toda a humanidade, pois o Senhor vem ao encontro dos seus filhos para os levar nos braços e introduzir na casa paterna de onde se tinham perdido.
Alegria incontável porque a jovem donzela de Nazaré, a Virgem Maria, incarna as mais altas aspirações da humanidade e das suas melhores e mais belas obras, aspirações como são a fidelidade, a pureza, a castidade, o dom de si, a humildade e a liberdade. A arte e a literatura são certamente as obras da humanidade em que mais vemos a busca e o desejo de alcançar estas mesmas aspirações na sua plenitude e perfeição.
A virgem Maria apresenta-se também neste acontecimento da anunciação, e por isso a alegria que dele nos vem, como o desmascarar da mentira da obrigatoriedade da subserviência aos valores mais baixos, mais mesquinhos, que infelizmente hoje nos são apresentados como critérios válidos e orientadores. Maria com a sua humildade e a aceitação do convite do Anjo a ser mãe do Salvador dá-nos a alegria de ver vencidas a injustiça e a mentira que nos subtrai à condição divina, pois por ela e pela sua liberdade de dizer sim ao projecto de Deus recuperámos a nossa dignidade e liberdade originais de também poder dizer sim.
Neste sentido, Maria é não só a fonte da nossa alegria, mas também alento para a nossa coragem de enfrentar os desafios, consolação para os momentos de desânimo e dúvida, inspiração para procurar a beleza e a bondade de Deus presente em todas as suas obras, socorro e auxílio sempre pronto nas adversidades.
A anunciação do Anjo a Maria inspira também a nossa alegria nessa verdade e consciência de que Deus vem ao nosso encontro, ao encontro da humanidade e de cada um de nós, não de uma forma estrondosa, assustadora a ponto de nos recusarmos a escutá-lo como aconteceu no monte Sinai, mas de uma forma terna, meiga, acessível ao sonho e ao desejo de cada um, como é uma criança frágil e necessitada de tudo.
Diante desta criança, deste menino que se nos anuncia como filho, como é possível que não nos atrevamos e arrisquemos a dizer como Maria ao Anjo: “eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”? Que medo pode provocar uma criança que vem ao nosso encontro e apenas nos solicita o nosso amor?
Que este tempo de Advento que nos resta nos sirva para encontrar em nós as mais altas aspirações que ainda nos habitam, para as podermos oferecer ao menino Deus como sementes a fazer germinar e frutificar, plenitudes a desenvolver e alcançar.
Ilustração: “Anunciação” de Josefa de Óbidos.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarLi como se ouvisse o texto da Homilia do IV Domingo do Advento que teceu e que nos oferece. É um texto muito profundo, poético e de uma grande beleza na abordagem do “Evangelho da Anunciação”. Num contexto de grande espiritualidade e simultaneamente de grande realismo, é muito interessante a forma como introduz a dimensão e a existência do sonho e o seu papel fundamental na nossa existência assim como de outras manifestações sublimes, como a arte. Como nos afirma...” Numa época de crise como a que vivemos, e não apenas de crise económica, porque certamente esta é fruto de uma outra crise muito mais profunda e fundamental que afecta a arte, a poesia, a literatura, a filosofia, a ética, a anunciação do anjo à Virgem de Nazaré apresenta-se-nos como o remédio para a crise, para essa crise profunda que se desenvolveu com a perda do sonho, porque como diz o poeta, o sonho comanda a vida. (…)“I have a dream” gritou um dia Martin Luther King,”… grito que provinha do íntimo mais profundo deste leader cujo eco ainda hoje ressoa na minha memória.
E, se me permite, continuo a citá-lo. ...” A arte, nas suas mais diversas manifestações, como a pintura, a música, a poesia, plasmou materialmente este sonho que podemos dizer que é a anunciação do anjo a Maria. Um sonho do homem, nessa dimensão da presença de Deus junto dos homens, de um Deus da sua própria carne, mas também um sonho de Deus que abdicou das suas prerrogativas celestes para habitar e fazer-se próximo daqueles que eram seus filhos muito amados.
A anunciação do Anjo a Maria é assim o acontecimento gerador da alegria por excelência, uma alegria que nos invade como uma doce e tranquila onda, uma vez que parte desse encontro do sonho de Deus com o sonho do homem. Alegria fruto do convite do Anjo a Maria para se alegrar, e com ela toda a humanidade, pois o Senhor vem ao encontro dos seus filhos para os levar nos braços e introduzir na casa paterna de onde se tinham perdido.”… (…)
…” Maria com a sua humildade e a aceitação do convite do Anjo a ser mãe do Salvador dá-nos a alegria de ver vencidas a injustiça e a mentira que nos subtrai à condição divina, pois por ela e pela sua liberdade de dizer sim ao projecto de Deus recuperámos a nossa dignidade e liberdade originais de também poder dizer sim.
Neste sentido, Maria é não só a fonte da nossa alegria, mas também alento para a nossa coragem de enfrentar os desafios, consolação para os momentos de desânimo e dúvida, inspiração para procurar a beleza e a bondade de Deus presente em todas as suas obras, socorro e auxílio sempre pronto nas adversidades.”
Peçamos ao Senhor com fé e confiança como nos exorta …” Que este tempo de Advento que nos resta nos sirva para encontrar em nós as mais altas aspirações que ainda nos habitam, para as podermos oferecer ao menino Deus como sementes a fazer germinar e frutificar, plenitudes a desenvolver e alcançar.”
Um grande obrigada, Frei José Carlos, pela partilha desta maravilhosa Homilia que nos conforta e encoraja a prossseguir o Caminho. Que bela memória à Virgem Maria, Frei José Carlos. Peçamos a Maria que interceda pelo Frei José Carlos e por todos nós junto de Jesus.
Votos de uma boa semana.
Um abraço fraterno,
Maria José Silva
Frei José Carlos,
ResponderEliminarMuito grata pela maravilhosa e bela partilha desta Homilía do IV Domingo do Advento.Que beleza, Frei José Carlos,as maravilhas que escreveu sobre a Mãe!Que profunda Meditação.Gostei mesmo muito,de ler e reler estas excelentes palavras,que nos dão coragem de ir em frente na nossa caminhada.Obrigada, Frei José Carlos,por ter partilhado tão profundamente connosco.Que a Mãe o abençõe e o proteja.Bem-haja,Frei José Carlos.Desejo-lhe uma boa semana.
Um abraço fraterno.
AD